Fonte: Estado de Minas (clique aqui)
Em 1967, quando frei Chico
veio da Holanda para o Vale
do Jequitinhonha, aquela região
de Minas Gerais era considerada
um dos três lugares mais pobres
do mundo.
Diante de tanta miséria, o holandês
descobriu riqueza cultural sem
precedentes. “Aquilo deu sentido à
minha permanência no Brasil”,
revela o frade franciscano.
Em seus 10 anos como pároco da
diocese de Araçuaí, ele contabilizou
15 mil folhas de registros da cultura
do povo relacionada à fé e à experiência
espiritual.
Somado a pesquisas realizadas na Europa, esse vasto material foi a base de um
ambicioso projeto, o Dicionário da religiosidade popular: cultura e religião no Brasil.
ambicioso projeto, o Dicionário da religiosidade popular: cultura e religião no Brasil.
Com 1.150 páginas, a obra de referência chega agora ao público, reunindo 8,5
mil verbetes, 6 mil notas de rodapé e 350 ilustrações.
Lançado pela Editora Nossa Cultura, o livro surgiu por acaso na vida de Francisco
van der Poel, o popular frei Chico. “Para poder servir, havia de conhecer aquele povo”,
resume ele. A inspiração veio do canto de Filó, a cozinheira da casa paroquial,
em Araçuaí. Era algo belo e incomum. “Filó gostava de cantar e resolvi gravar as
músicas em fitas cassete, as mesmas que serviram para o repertório do Coral dos
Tangarás.
Há 43 anos, tive a honra de fundar o grupo, que continua até hoje”, orgulha-se ele.
van der Poel, o popular frei Chico. “Para poder servir, havia de conhecer aquele povo”,
resume ele. A inspiração veio do canto de Filó, a cozinheira da casa paroquial,
em Araçuaí. Era algo belo e incomum. “Filó gostava de cantar e resolvi gravar as
músicas em fitas cassete, as mesmas que serviram para o repertório do Coral dos
Tangarás.
Há 43 anos, tive a honra de fundar o grupo, que continua até hoje”, orgulha-se ele.
As viagens a municípios da região de Araçuaí – “em lombo de burro velho, nos fins
de semana” – trouxeram novas descobertas. A amizade com a ceramista Maria
Lira Marques está entre elas. “Lira abriu as portas da sabedoria popular para mim,
o estrangeiro que acabara de chegar”, conta o religioso.
Frei Chico viveu 10 anos naquela região. Nesse período, cuidou de registrar as
peculiaridades do povo simples com olhar antropológico e visão humanista. “Quando
cheguei a Araçuaí, tudo era tão diferente da minha terra, a língua, a cultura, a maneira
de tratar as doenças... Ouvia aquela gente se referir a problemas de saúde como carne
quebrada, vento virado, espinhela caída e mau-olhado. Comecei a ficar curioso”, diz frei
Chico. Cada nova descoberta dava origem a uma anotação.
de semana” – trouxeram novas descobertas. A amizade com a ceramista Maria
Lira Marques está entre elas. “Lira abriu as portas da sabedoria popular para mim,
o estrangeiro que acabara de chegar”, conta o religioso.
Frei Chico viveu 10 anos naquela região. Nesse período, cuidou de registrar as
peculiaridades do povo simples com olhar antropológico e visão humanista. “Quando
cheguei a Araçuaí, tudo era tão diferente da minha terra, a língua, a cultura, a maneira
de tratar as doenças... Ouvia aquela gente se referir a problemas de saúde como carne
quebrada, vento virado, espinhela caída e mau-olhado. Comecei a ficar curioso”, diz frei
Chico. Cada nova descoberta dava origem a uma anotação.
O Dicionário da religiosidade popular: cultura e religião no Brasil reúne essas descobertas.
“Não tinha parâmetro para ele, não há outro livro parecido. Precisei inventar uma
fórmula. Coloquei, por exemplo, todo o depoimento do povo – entrevistas, cantos e histórias
– em itálico para o leitor perceber onde está a parte mais importante”, informa. À medida
que o projeto ganhou consistência, o frade percebeu que em Minas não havia pesquisadores
com interesse semelhante.
A certeza do pioneirismo do dicionário se confirmou depois da aproximação de Chico com o
folclorista Câmara Cascudo e com Carlos Rodrigues Brandão, antropólogo da Universidade
de Campinas (Unicamp), responsável pela introdução do livro.
Inicialmente, frei Chico pensou em escrever um manual da religiosidade popular. Tentou
esboçar algo nessa linha, mas concluiu que não seria possível sintetizar cultura tão vasta.
Assim surgiu o dicionário. “A função do dicionarista não é resolver problemas, mas registrar.
Aprendi que não é a lógica que manda, mas o bom senso e a busca de coerência. Preocupei-me
não em fazer uma síntese, mas algo orgânico”, detalha. A intenção é conduzir o leitor por
uma espécie de viagem rumo ao universo do povo. “As pessoas começam a ler e, de repente,
já estão com os 10 dedos no dicionário, marcando links de interesses”, afirma.
Nos últimos 40 anos, frei Chico pesquisou dentro e fora do país assuntos ligados à cultura e fé
popular.
Chegou à Europa, vasculhou antigos arquivos de Portugal em busca de pistas que pudessem
elucidar questões ligadas aos saberes do povo humilde do Vale do Jequitinhonha. “Consultei
livros de história, de farmacopeia medieval e até de bruxaria. Reuni 2 mil volumes. Quando
concluí o dicionário, doei esse material para a biblioteca da PUC Minas, em Belo Horizonte”,
informa o frade.
A pesquisa demorou, mas o livro ficou do jeito que frei Chico sonhou. “Continuo dizendo: o
resultado é apenas o começo do princípio de alguma coisa”, garante ele. “Passei por uma
reciclagem de ideias. Deparei-me com saberes marcantes e eles mudaram a minha noção
de historiografia, a maneira de me relacionar com Deus e com o próprio significado da
palavra cultura.” Não é à toa que os verbetes preferidos dele explicam o significado de
simples e de sabedoria.
DICIONÁRIO DA RELIGIOSIDADE POPULAR: CULTURA E RELIGIÃO NO BRASIL
De Francisco van der Poel (frei Chico) Ilustrações: Lira Marques. Editora Nossa Cultura,
1.150 páginas, R$ 290
Informações: www.nossacultura.com.br
Frutos da terra
Publicado no Passadiço Virtual, de Diamantina
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