Saturação e projeto
Saul Leblon, no Carta Maior, 18.06.13
A rapidez e a abrangência dos acontecimentos em marcha turvam a compreensão mais geral do que se passa no país.
Sentenças frívolas e ligeirezas interessadas tentaram instrumentalizar o aluvião desregrado, comprimindo-o entre as margens de uma canaleta estreita.
Foram atropeladas.
A mídia conservadora encabeça a série de revezes.
Movida inicialmente pelo indisfarçável objetivo de desgastar gestões progressistas – na esfera municipal e federal— os veículos conservadores foram rapidamente desalojados da carona desautorizada.
Da sofreguidão convocatória partiram para o linchamento dos ‘vândalos’. Em seguida, foram atropelados pela truculência repressiva, acobertada, no caso de São Paulo, pelo governo estadual que apoiam.
Recuaram, entre estupefatos e perplexos.
O que se viu nas últimas horas espraiou essa mesma perplexidade sobre as mais diferentes dimensões da vida política e partidária.
Em 11 capitais, milhares protestaram em todo o país.
Os 20 centavos originais, que motivaram os primeiros movimentos em São Paulo, há cerca de 10 dias, tornaram-se ainda mais irrisórios diante da abrangência e da intensidade do que se vê.
O que está em jogo é muito mais do que caraminguás.
As ruas requisitam uma nova agenda política para o Brasil.
Não significa desqualificar avanços e conquistas preciosos dos últimos anos.
Mas a história apertou o passo.
Talvez até porque a musculatura acumulada no percurso agora o permite.
Mas a verdade é que as engrenagens e canais disponíveis não souberam interpretar o vapor acumulado na fornalha.
Sem meios tons: um viés economicista pretendeu resolver na macroeconomia – a frio – aquilo que pertence ao apanágio da democracia.
Escolhas de futuro e sacrifícios do presente ficaram restritos, em grande parte, à negociação parlamentar.
Com os desvios sabidos e as consequências conhecidas.
As ruas requisitam um aggiornamento da agenda política brasileira.
A inauguração de um novo ciclo histórico depende de programas e projetos que reflitam esse sentimento difuso que brota de norte a sul.
Saturação diante do caos urbano.
Angústia coletiva com o definhamento da dimensão pública da vida.
Opressão da escala individual sobrecarregada de demandas impossíveis de contemplar.
Insensibilidade da representação política tradicional diante desse grito entalado no fundo do peito de milhões que sacolejam diariamente nos ônibus e metrôs lotados.
Tudo isso e muito mais que isso.
Não temos mais o privilégio de sofrer localmente.
A ordem neoliberal tornou-se uma usina de desordem local e global.
Líderes não lideram.
Mercados falam. Governantes cedem.
Os instrumentos convencionais de escrutínio coletivo não respondem aos estímulos.
As urnas decidem; o dinheiro desautoriza. A mídia abjura.
Os fundamentos do sistema perderam a aderência do conjunto.
Como um trem fora dos trilhos, o que seria o fim da História forma hoje um comboio desgovernado, que marcha ora na inércia, ora fora dos trilhos.
Mas não cai. E não cairá por si.
........................................................
A liderança do processo brasileiro está em aberto.
Hoje, ninguém é de ninguém.
Mas a ausência de uma plataforma capaz de dar unidade e coerência a aspirações fragmentadas e avulsas pode asfixiar o que se busca proteger.
A singularidade de um movimento avesso às manipulações e falácias da representação convencional.
A exemplo do que ocorreu na Espanha, nos EUA e, mais recentemente, na Itália, em algum momento os indignados brasileiros serão chamados a refletir – talvez precocemente – sobre as escolhas do poder.
O poder de Estado.
Os compromissos que a luta pelo poder impõe.
A impossibilidade de ignorá-la; e, sobretudo, a escolha da melhor estratégia para pautar e influenciar o seu exercício, em cada momento histórico.
Sentenças frívolas e ligeirezas interessadas tentaram instrumentalizar o aluvião desregrado, comprimindo-o entre as margens de uma canaleta estreita.
Foram atropeladas.
A mídia conservadora encabeça a série de revezes.
Movida inicialmente pelo indisfarçável objetivo de desgastar gestões progressistas – na esfera municipal e federal— os veículos conservadores foram rapidamente desalojados da carona desautorizada.
Da sofreguidão convocatória partiram para o linchamento dos ‘vândalos’. Em seguida, foram atropelados pela truculência repressiva, acobertada, no caso de São Paulo, pelo governo estadual que apoiam.
Recuaram, entre estupefatos e perplexos.
O que se viu nas últimas horas espraiou essa mesma perplexidade sobre as mais diferentes dimensões da vida política e partidária.
Em 11 capitais, milhares protestaram em todo o país.
Os 20 centavos originais, que motivaram os primeiros movimentos em São Paulo, há cerca de 10 dias, tornaram-se ainda mais irrisórios diante da abrangência e da intensidade do que se vê.
O que está em jogo é muito mais do que caraminguás.
As ruas requisitam uma nova agenda política para o Brasil.
Não significa desqualificar avanços e conquistas preciosos dos últimos anos.
Mas a história apertou o passo.
Talvez até porque a musculatura acumulada no percurso agora o permite.
Mas a verdade é que as engrenagens e canais disponíveis não souberam interpretar o vapor acumulado na fornalha.
Sem meios tons: um viés economicista pretendeu resolver na macroeconomia – a frio – aquilo que pertence ao apanágio da democracia.
Escolhas de futuro e sacrifícios do presente ficaram restritos, em grande parte, à negociação parlamentar.
Com os desvios sabidos e as consequências conhecidas.
As ruas requisitam um aggiornamento da agenda política brasileira.
A inauguração de um novo ciclo histórico depende de programas e projetos que reflitam esse sentimento difuso que brota de norte a sul.
Saturação diante do caos urbano.
Angústia coletiva com o definhamento da dimensão pública da vida.
Opressão da escala individual sobrecarregada de demandas impossíveis de contemplar.
Insensibilidade da representação política tradicional diante desse grito entalado no fundo do peito de milhões que sacolejam diariamente nos ônibus e metrôs lotados.
Tudo isso e muito mais que isso.
Não temos mais o privilégio de sofrer localmente.
A ordem neoliberal tornou-se uma usina de desordem local e global.
Líderes não lideram.
Mercados falam. Governantes cedem.
Os instrumentos convencionais de escrutínio coletivo não respondem aos estímulos.
As urnas decidem; o dinheiro desautoriza. A mídia abjura.
Os fundamentos do sistema perderam a aderência do conjunto.
Como um trem fora dos trilhos, o que seria o fim da História forma hoje um comboio desgovernado, que marcha ora na inércia, ora fora dos trilhos.
Mas não cai. E não cairá por si.
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A liderança do processo brasileiro está em aberto.
Hoje, ninguém é de ninguém.
Mas a ausência de uma plataforma capaz de dar unidade e coerência a aspirações fragmentadas e avulsas pode asfixiar o que se busca proteger.
A singularidade de um movimento avesso às manipulações e falácias da representação convencional.
A exemplo do que ocorreu na Espanha, nos EUA e, mais recentemente, na Itália, em algum momento os indignados brasileiros serão chamados a refletir – talvez precocemente – sobre as escolhas do poder.
O poder de Estado.
Os compromissos que a luta pelo poder impõe.
A impossibilidade de ignorá-la; e, sobretudo, a escolha da melhor estratégia para pautar e influenciar o seu exercício, em cada momento histórico.
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