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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

O PT FICOU OBSOLETO, diz o petista Tarso Genro

Em depoimento ao UOL, Tarso Genro diz que não vai à festa de 40 anos do partido e defende mudança no discurso
TARSO GENROESPECIAL PARA O UOL


O Partido dos Trabalhadores faz 40 anos na próxima segunda-feira, 10 de fevereiro, e hoje começa uma grande festa no Rio de Janeiro. Mas eu não pretendo participar. Não me sinto identificado, hoje, com o tipo de visão que o PT construiu de si mesmo.

Acho que o partido fez transformações democráticas muito positivas na sociedade brasileira, em particular no governo do presidente Lula. Mas também acho que ele teve que fazer uma série de modulações na sua linha política que bloquearem a sua renovação.

Ao longo destes 40 anos ocorreram composições e renúncias que nunca ficaram esclarecidas. Não sei se algumas destas concessões não foram renúncias de princípios. A festa de aniversário é uma boa iniciativa e tenho certeza que nem vão dar grande importância para a minha ausência.



Metade da missão cumprida

Já tive muitas responsabilidades na política. Fui vereador, vice-prefeito, prefeito, governador e ministro. Também fui presidente do PT. Assumi como interino na época em que o mensalão estava no auge [2005]. Eu tinha dois objetivos. Primeiro, concorrer nas eleições internas. Foi inclusive o que o pessoal do grupo hegemônico do partido me propôs. E também chamar o PED [Processo de Eleições Diretas], que seria fundamental para reestruturar o partido nos estados e na direção nacional.

Uma missão eu cumpri: o PED foi feito, mas a ideia de reformar as estruturas do partido não foi possível. Eu bati radicalmente com a maioria que, vamos dizer assim, controlava o partido e achava imprudente um processo de renovação/refundação.

Não foram ações individuais de qualquer dirigente que impediram a reestruturação. Na verdade, era o pacto hegemônico do partido que, naquele momento, não pretendia se renovar. E na minha opinião, não se renovou até hoje.

Isto aí me fez recuar de ser candidato. Organizei as eleições internas e voltei para Porto Alegre.


PT ficou obsoleto

A "autocrítica" que eu defendi não significava transformar o partido em delegacia de polícia. Quadros do PT cometeram erros ao longo destes 40 anos e isso não é nenhuma novidade em qualquer partido de qualquer ideologia. A reestruturação que eu defendia e defendo vai bem além.

Nós temos um discurso e um programa ancorado na época em que o partido foi fundado e ainda agimos como se existisse uma classe trabalhadora nas fábricas que teria potencial hegemônico na sociedade. Operamos como se o nosso trabalho fosse organizar esta classe de pessoas para lutar por uma utopia. Isto mudou radicalmente.

Não adianta, por exemplo, o PT prometer se renovar e pregar a restauração da CLT. Os processos de trabalho foram fragmentados e hoje temos autônomos, horistas, PJs, precários, intermitentes... Trata-se, neste caso, de organizar um outro sistema público protetivo que envolva estes excluídos das legislações trabalhistas, que irão aumentar.
Acho que o partido não acompanhou estas mudanças. E, a esta nova organização do trabalho, soma-se a tensão social resultante de questões de gênero, cultura, preconceito racial e condição sexual. Precisamos absorver as suas demandas e oferecer propostas concretas.

Vou exemplificar usando a declaração de um amigo dirigente do Partido Socialista chileno sobre como eles foram atropelados pelas manifestações que assolaram aquele país. "Fomos pegos de surpresa, não sabemos o que ocorreu. Estamos fora. Queremos ficar dentro."

Isto é o que está acontecendo conosco também. Mas não é só o PT que está fora. São mudanças que atingiram o mundo todo e levam toda esquerda a dificuldades. Estamos falando em vão, com formas discursivas que amplos setores da sociedade não prestam mais atenção.



Luta pela hegemonia

Aqui no Brasil também existe a possibilidade de movimentos de rebeldia política e econômica. Eles não têm direção, um organizador, e podem ser aproveitados pelo fascismo, como a equipe "ideológica" em rede do [Jair] Bolsonaro está aproveitando até agora.

Temos que aprender urgentemente como falar com este mundo novo do trabalho nestes tempos de relações sociais em rede. A luta é pela hegemonia. E a luta da hegemonia se faz através de valores.

Nós, da esquerda, precisamos determinar nossos compromissos e buscar convergências com outros campos políticos. Avaliarmos as condições das alianças e decidirmos unir (ou não) forças sociais, dependendo de cada situação concreta.

Acho que a frente ampla do Uruguai é uma inspiração. É uma aliança composta por organizações sociais, partidos e personalidades. Os uruguaios, antes de nós, entenderam esta nova pluralidade, esta nova fragmentação da sociedade e constituíram uma forma de organização política que teve abrangência e princípios.

Eles perderam as eleições ano passado, mas a sua derrota não permitiu a ascensão do fascismo, que espreita sempre os momentos de crise. Eles aglutinarem mais setores sociais e por isso suas conquistas democráticas foram mantidas.



PT tem que aprender a dividir

Para compor uma frente de esquerda o PT precisa trabalhar com a possibilidade de não indicar o candidato em uma chapa na eleição presidencial. E acho que se o PT não está preparado, tem que se preparar para isto. Eu defendo Lula ou [Fernando] Haddad como candidatos, mas nossa opinião tem que ser avalizada sinceramente por todas as forças convergentes.

Não é pelo fato de o PT ter o maior número de votos na esquerda, e ele tem de fato, que deve ter sempre as cabeças de chapas. O partido tem que conduzir o projeto de alianças pela questão programática e avaliar qual candidato tem mais chance de vencer a eleição. Não podemos ser hegemônicos pré-datados.

Esta revisão de procedimentos vale para as políticas partidárias internas também. O PT tem instâncias democráticas que funcionam, mas eu creio que existe uma hegemonia que paira sobre estas instâncias de como e "o quê" elas devem decidir. E esta capacidade de influenciar recai, principalmente, sobre grupo paulista.


Separando funções

Nestas reflexões o PT também precisa compreender que há diferença entre política partidária e políticas de governo. Até porque as responsabilidades são diferentes. Você pode pegar a sucessão do presidente Lula como exemplo.

O nome da companheira Dilma foi aprovado pelo partido através de uma proposta do presidente Lula, sem debate. Hoje, a opinião generalizada do PT é que ela teve uma enorme dificuldade de compreender de maneira adequada as diferenças internas que o partido tinha.

Ela não sofreu golpe exclusivamente por este motivo, mas como o partido não conseguiu dialogar com a Dilma, e nem a presidenta com o partido, não foi possível formar um núcleo político dirigente que processasse a resistência. O Fernando Haddad era prefeito de São Paulo, por exemplo, e ficou meses tentando marcar uma reunião com a Dilma. Sem sucesso.

Agora, você me pergunta se a presidenta Dilma é culpada? Eu não acho isso. Acho que ela é vítima desta situação, que não foi enfrentada de maneira adequada pelo conjunto dos nossos dirigentes.


Reestruturação levará 15 anos


Na minha opinião, verei a reestruturação do PT se viver até uns 90 anos [Tarso tem 72 anos]. Acho que estamos numa fase de transição e formulação de uma nova esquerda num momento em que o próprio capitalismo não se reacomodou. As relações pessoais em rede, a fragmentação das relações de trabalho estão em curso. As mudanças continuarão em ritmo acelerado, e nós correndo atrás delas.

Acho que nos próximos 15 anos deveremos ter alguns governos mais ao centro, mais à direita e ameaças fascistas como o governo Bolsonaro. E acredito que o PT vai manter mais ou menos seu status e eleitorado, permanecendo atuante na sociedade brasileira.
Até pela força política do presidente Lula. Mas precisamos oferecer respostas mais consistentes sobre a questão democrática e a natureza da sociedade que desejamos.


Quase 60 anos de políticas

E eu trabalho para buscar estas respostas. Continuo filiado ao partido, me orgulho disso, tenho contatos com companheiros da direção nacional, deputados e, eventualmente, com o próprio presidente Lula. E pretendo continuar ajudando com as relações que mantenho.
Mas, no momento, não tenho aspirações políticas que me seduzam a concorrer nas eleições. As pessoas ouvem que não vou mais concorrer e acham que estou "aposentado". Continuo militante ativo e pensante.

Eu e um grupo de companheiros elaboramos documentos que submetemos aos partidos de esquerda. Sigo discutindo e escrevendo artigos. Pretendo ajudar, com meus limites, não somente ao PT, mas os companheiros de todos os partidos de esquerda que pensam numa renovação de paradigmas da esquerda.



A autocrítica de Tarso

Já fiz várias autocríticas nesta jornada de 58 anos de militância. Tenho meus arrependimentos. Quem não tem é porque não está na vida. O maior deles foi ter derrotado o então governador Olívio Dutra na prévia do PT em 2002. Impedi o Olívio de tentar a reeleição e perdi.

Resolvi concorrer naquela eleição porque a disputa interna no partido estava muito radicalizada. Foi um erro político de minha parte. O Olívio deveria ter sido candidato. Eu tratei de recuperar as nossas relações pessoais e políticas, mas é um período que eu guardo com uma lembrança amarga.

A minha decisão também causou um incômodo doméstico. A Luciana [Genro, filha de Tarso] deu uma declaração dizendo que achava que o Olívio deveria ter sido o candidato do PT. A partir disso, houve uma pequena rusga entre nós. Durou uns dois dias, mas foi transmitida pela mídia como se fosse uma "crise" de pai contra filha.

Eu e a Luciana temos uma relação extraordinária e amorosa. Até hoje eu brinco com a Luciana quando ela vai fazer campanha aqui em Porto Alegre. Quando ela volta de uma jornada eu pergunto: 'Dos dez votos que tu ganhaste hoje, oito não foram porque és minha filha'? Ela ri e diz: 'só metade'.



Esperança vai vencer o medo

Este episódio com o Olívio foi o ponto baixo de uma trajetória que começou na década de 1960. Quando vivia com meus pais, eu tinha aquela energia que caracteriza alguns jovens. Minha mãe pedia para meu pai me levar nos compromissos do PTB. Ele era da ala janguista do partido, foi vereador, vice-prefeito. Eu acompanhava as discussões, os debates e fui tomando gosto.

Como aquele guri que vai com o pai ao futebol e se apaixona pelo esporte. Entrei no movimento estudantil com 14 anos, fui preso no congresso da UNE em Belo Horizonte em 1966, parei no Dops em Porto Alegre e acabei por me exilar dois anos no Uruguai. Recomecei depois minha carreira advogando nos sindicatos, já em Porto Alegre.
Tudo isto para nesta fase da vida ver um integrante do governo federal fazer um vídeo copiando um líder nazista! Sobre este assunto tenho uma memória pessoal amarga porque minha família por parte de mãe descende de judeus alemães. Meu avô Herman Herz morou na nossa casa e sempre falava dos irmãos.

Um deles, o Carl Herz, era jurista, social-democrata e foi prefeito de um distrito de Berlim na época em que o Hitler tomou o poder. Precisou fugir para Inglaterra. Mas um filho dele não conseguiu escapar. Foi levado para Auschwitz [maior símbolo do holocausto] e morreu lá.

O outro irmão, o Jorge, ficou 60 anos sem conseguir ver meu avô. Então, aquele vídeo toca muito a gente e de uma maneira muito dolorosa. Tão triste, mas muito mais desconcertante, foi ver que num evento na Hebraica o Bolsonaro foi chamado de "Mito" pelo público. Mito é como o Hitler se apresentava na sociedade alemã.

Mas estes fatos só me dão mais impulsos para seguir na luta. Espero chegar aos 90 anos e ver que o PT, a esquerda e o Brasil estarão diferentes e melhores. Quem sabe até me animo, daí, a de participar da festa de aniversário do partido.

Fonte: noticias.uol.com.br/em-depoimento-exclusivo-tarso-genro-e-40-anos-do-pt

Quem é Tarso Genro

Tarso Genro é um militante histórico do Partido dos Trabalhadores, tendo sido presidente Nacional. 

Natural de São Borja, no  Rio Grande do Sul, hoje tem 72 anos. É advogado, jornalista, professor universitário, ensaísta, poeta e político brasileiro.  

Foi duas vezes prefeito de Porto Alegre, ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça, durante o governo Lula (2003-2010). Governador do Rio Grande do Sul no período 2010-2014, vitorioso no primeiro turno com 54% dos votos.

domingo, 26 de julho de 2015

Lula é franco favorito, afirma diretor da Vox Populi


O ex-presidente Lula continua sendo o franco favorito na disputa à presidência de 2018, afirma o presidente do instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, em artigo na revista Carta Capital.
A avaliação é feita com base em uma pesquisa de seu instituto realizada em maio, da qual concluiu: "a soma daqueles que, em graus diferentes, podem ser considerados "eleitores potenciais" de Lula chega a 51% e a dos não eleitores a 42%".
"Mais relevante: essas respostas são quase idênticas àquelas obtidas há dez anos em pesquisa também realizada pelo Vox Populi", acrescenta Coimbra, sobre a mostra feita seis meses antes de Lula ter sido reeleito, em abril de 2006.
"Quem quiser se iludir com pesquisas de intenção de voto para 2018 que exibem números para Lula entre 20% e 25% que o faça. Na melhor das hipóteses, os resultados tornam conjunturais fenômenos que nada de conjuntural possuem", diz ainda.
O presidente do instituto conclui que "a próxima eleição está distante e ninguém sabe como será disputada", mas que, "de uma coisa podemos estar certos: se for candidato, Lula é favorito".
Leia íntegra do artigo: 

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Há tempo para Lula reverter a sanha conservadora

Corra Lula, corra

Lula só vingou porque subverteu a ordem das coisas imposta pelo conservadorismo. Mas descuidou de alçar o novo protagonista em sujeito histórico. Haverá tempo?

por Saul Leblon, no www.cartamaior.com.br
Ricardo Stuckert
Um viés da crítica progressista ao ciclo de governo do  PT guarda certa identidade com a avaliação conservadora desse período.

Não se diga que as intenções de partida e de chegada são as mesmas.

Mas há o risco de conduzirem ao mesmo afunilamento economicista.

Aquele que leva à inútil tentativa de se buscar um equilíbrio macroeconômico exclusivamente ancorado em variáveis de mercado, origem, justamente, de desequilíbrios hoje só equacionáveis satisfatoriamente com um salto de força e consentimento progressista.

Ao se enveredar por esse caminho – como mostra o governo Dilma — fica difícil escapar ao redil do ajuste neoliberal.

Ardilosamente economicista, ele próprio, sonega à democracia o direito --e a capacidade--  de conduzir a agenda do desenvolvimento para além dos limites, finalidades e interesses estipulados pelos detentores da riqueza.

Sobretudo daquela parcela derivada do capital especulativo, cuja supremacia se impôs a todas as latitudes, a partir da desregulação dos mercados financeiros desde o final dos anos 70.

Tal armadilha desguarnece a capacidade de iniciativa na medida em que se abdica do único trunfo capaz de fazer frente à hegemonia dos mercados: dotar o desenvolvimento de um protagonista social, que o conduza pelos trilhos de uma democracia participativa assim revigorada.

É um pouco a renúncia a isso que espeta no governo hoje a angustiante imagem de um refém em seu labirinto, conduzido para onde não quer ir, sem no entanto ter forças para declinar.

Ao embarcar na busca de uma regeneração da economia nos seus próprios termos, setores progressistas correm o risco de se perder nesse círculo de ferro.

Há quem diga que a danação é inevitável. E passe até a enxergar nela a miragem da virtude.

Um caso antigo de conversão na teoria e na prática, com as consequências sabidas?

Fernando Henrique Cardoso.

Eis alguém que não se pode acusar de incoerência entre a obra teórica e o legado público.

A dependência brasileira  em relação aos ditames dos capitais mundiais é inexorável, ‘e o Brasil do PT perdeu seu tempo ao afrontá-la’, pontificava o tucano em artigo retrospectivo, em 2013, por exemplo.

O raciocínio vem de mais longe.

Ao elidir a problematização dos conflitos decorrentes do mutualismo entre o capital local e o internacional  --bem como o seu custo social, FHC –o acadêmico autor da ‘Teoria da dependência’, de 1967; e depois o político protagonista de sua própria teoria-- trocaria a concretude da história pelo fatalismo ideológico, cego às contradições transformadoras da sociedade.

A dinâmica política, desse ponto de vista, estaria previamente dada.

Independente da prática, ela orbitaria apenas como um lubrificante de estruturas prevalecentes, sem nunca alterar o núcleo duro da engrenagem.

Com a exacerbação da lógica financeira, a partir da desregulação propiciada pelas derrotas da esquerda mundial nos anos 70/80, o enredo mecanicista ganharia, de fato, a robustez de um sujeito hegemônico.

Mercados autorreguláveis, seus agentes racionais e as agências de risco assumiriam então o rosto genérico de um interlocutor dotado de força, mando e ubiquidade.

Irreversível, sob a ótica conservadora, esse determinismo daria estofo ao projeto político do sociólogo que exerceu a Presidência da República de 1995 a 2002, disposto a personificar a teoria da rendição.

Assim o fez.

Com privatizações estratégicas, com o desmonte do Estado interventor (‘sepultar a Era Vargas’) , com o consequente descompromisso público com as grandes obras de infraestrutura, a renúncia a uma política industrial, a redução do Itamaraty a um anexo do Departamento de Estado norte-americano, a desmoralização do planejamento econômico, a desqualificação dos sindicatos, a derrisão de tudo o que remetesse ao interesse público e, finalmente, o deslumbramento constrangedor de um cosmopolitismo provinciano, festejado no Presidente que falava ‘línguas’ e era bajulado no exterior pelo bom comportamento.

Aquilo que na teoria era só uma constatação histórica, transformar-se-ia na determinação política de fazer da servidão uma virtude.

O surgimento do PT e a vitória desconcertante do líder operário em 2002 e 2006 –que fez  a sucessora em 2010 e 2014--  introduziu um ruído insuportável no escopo desse conformismo estratégico com a sorte do país e de sua gente.

Para revalidar a teoria  –e os interesses aos quais ela consagrou uma dominância inconteste, seria preciso desqualificar a heresia de forma exemplar.

Ao esgotar a capacidade de resistência do Estado brasileiro, a longa convalescença da crise mundial deu ensejo ao repto demolidor.

Em duas frentes.

A primeira atribui à heresia intervencionista a raiz da corrupção ‘endógena ao PT’.

Magnificada como singularidade incontrastável pela emissão conservadora, ela cumpre o papel de prostrar e acuar a energia progressista.

Deixa o campo livre assim, para se cuidar do que importa.

O que importa, de fato –com a mal disfarçada sofreguidão dos que já acossam o regime de partilha do pre-sal—  é desmontar aquilo que o acicate conservador denomina de ‘voluntarismo lulopopulista’.

Do que consta?

Da série de heresias contrapostas à lógica dos mercados, que não apenas ameaçam dilatar limites econômicos, como implodir interditos teórico e ideológicos de uma hegemonia conservadora consagrada a duras penas a partir de 1964.

Esse é o ponto do desmonte em que nos encontramos agora.

E nisso se empenham os labores dos centuriões encarregados de varrer para debaixo do tapete do ‘ajuste’ e da ‘consistência macroeconômico e fiscal’ o estorvo que sujou o mercado e a boa teoria nos últimos 12 anos.

Inclua-se nessa montanha desordenada de entulho:

- 60 milhões de novos consumidores ingressados no mercado, a cobrar cidadania plena;

- 22 milhões de novos empregados formais;

- um salário mínimo 70% maior em poder de compra;

- um sistema de habitação popular ressuscitado;

- bancos públicos a se impor à banca privada;

- uma Petrobras e um BNDES fechando as lacunas da ausência de instrumentos estatais destruídos no ciclo tucano;

- políticas de conteúdo nacional a devolver um impulso industrializante ao desenvolvimento brasileiro;

- o desdobramento de um acróstico –os BRICS--  em instrumentos de contrapeso à hegemonia dos mercados financeiros globais...

Etc.

A faxina requerida é tão virulenta que necessita árduo trabalho de escovão e detergente ideológico para dissolver a resistência indevidamente alojada em estruturas de consumo, serviços e participação instituídas para atender a 1/3 da sociedade.

É nessa hora que um pedaço da crítica progressista ao ciclo de governo do PT pode resvalar para a mesma avaliação conservadora do período.

O risco, repita-se, é subordinar a ação a soluções de mercado para desequilíbrios macroeconômicos que só a luta política pode escrutinar.

O que diz o vulgo conservador ecoando o sociólogo da dependência?

Diz que o ‘voluntarismo lulopopulista’  jogou os pobres nos aeroportos sem ter investido antes em saguões e pistas; entupiu as ruas de carros sem planejar as cidades; lotou shoppings com uma gente diferenciada antes de adestra-la nos bons modos.

Enfim, parte-se do pressuposto de que há um roteiro correto a ser observado na luta pelo desenvolvimento.

Um manual supra histórico.

Aquele guardado nas bibliotecas da USP, sob as asas amplas da boa teoria da dependência.

Primeiro, você investe; longos anos a fio, em parceria com o capital estrangeiro que naturalmente abraçará o mutirão por amor à causa.

Depois chama os pobres; cadastra a massa ignara.

Então, só então, eles serão convidados a ingressar em fila indiana na sociedade capitalista.

Sem tumulto, por favor, você aí, um passinho à frente.

Não é assim que as coisas acontecem no fluxo implacável de contradições na história de uma nação.

Lula foi avançando pela linha de menor resistência, é verdade.

Aproveitou a maré alta das commodities no mercado mundial para remar com os botes e pirogas à praia, onde os iates chegam sempre na frente e desta vez não foi diferente.

Os bancos e a república dos acionistas nunca ganharam tanto como no Brasil do ciclo Lula.

A diferença desta vez é que as canoas também chegaram quase perto da areia.

Causando tumultos conhecidos.

Tivesse ele tentado investir antes no piquenique à beira mar, para chamar o povão depois, seu mandato teria ido para beleléu antes de concluir o segundo ano de governo.

No golpe do impeachment de 2005, quem o defenderia?

O povo iria aguarda-lo pacientemente organizar o afável capitalismo brasileiro para depois vir sentar-se à mesa?

De certa forma é isso que Dilma tenta fazer agora.

O ministro Joaquim Levy é o que se chama de um empreiteiro desse tipo de obra.

Desses que acreditam honestamente na planilha: você organiza o capitalismo primeiro, dá ao mercado as condições de preço, rentabilidade, garantias, desregulações... depois as coisas se ajustam naturalmente.

Como num PowerPoint.

Desses que os sábios da Casa das Garças preparam para revelar as virtudes da abertura plena da economia, projeto de uma eventual volta do PSDB a Brasília para completar o que começou.

Um país não cabe em simulações desprovidas de conteúdo histórico.

O ciclo iniciado em 2003 tirou algumas dezenas de milhões de brasileiros da pobreza; deu mobilidade a outros tantos milhões na pirâmide de renda.

Os novos protagonistas formam hoje a maioria da sociedade.

Curto e grosso: Lula criou um novo personagem histórico –mas ainda não um protagonista da própria história.

Sua presença dificulta sobremaneira rodar o software conservador no metabolismo econômico brasileiro.

Ao trazer 60 milhões de novos consumidores para a fila do caixa ele mudou as referências estratégicas da produção, da demanda e da política nacional.

O conservadorismo quer devolver a pasta de dente ao tubo, assepsia que requer um cavalo de pau como poucas vezes se viu na história latino-americana.

Lula esburacou impiedosamente o chão político desse projeto.

Mas o espinho na garganta das elites não deixa de cutucar também a omissão histórica cometida em seus dois governos e agora aprofundada.

É isso que nos devora nesse momento.

Quando esgotou o ciclo de alta das commodities a coerência macroeconômica teria que ser buscada na repactuação do desenvolvimento redesenhado pela organização política das grandes multidões que invadiram a economia e agora cobram a sua maioridade na cidadania.

O passo seguinte teria que ser dado em negociação permanente com elas.

Para que não acontecesse contra elas.

Certos requisitos, porém, não foram preenchidos.

A dúvida é saber se há tempo para providencia-los.

O terreno é mais adverso que nunca e os blindados da crise e do conservadorismo avançam em marcha batida para um enfrentamento de vida ou morte.

Lula, uma parte do PT, forças progressistas e democráticas, movimentos sociais e partidos de esquerda terão o discernimento e a audácia necessários para opor uma frente ampla nesse caminho, antes que seja tarde demais?

Sim, há ajustes a fazer. Todos aqueles em debate e mais alguns que não interessa à emissão conservadora contemplar.

Há duas formas de descascar o abacaxi.

Uma, implica a construção democrática das linhas de passagem negociadas para um novo estirão de crescimento ordenado pela justiça social.

A outra preconiza simplificar a tarefa, terceirizando o timão à ‘racionalidade’ dos livres mercados.

A escolha conservadora dispensa o penoso trabalho de coordenação da economia pelo Estado, ademais de elidir a intrincada mediação dos conflitos inerentes  às escolhas  do desenvolvimento.

O que o jogral conservador reclama é um arrocho neoliberal da mesma cepa daquele que depauperou o mundo do trabalho na Europa.

Mas de consequências ainda mais devastadoras.

Em uma sociedade na qual não existe a gordura do Estado de Bem Estar Social, será preciso cortar no osso.

A mãe de todas as batalhas gira em torno dessa questão.

A questão do método.

Há pouco tempo para escolhas.

Mas há muito a perder se elas não forem feitas.

Corra Lula, corra.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Mais um livro sobre o lulismo


Livro de Luiz Dulci oferece versão oficial sobre lulismo

Hoje será lançado no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo o livro "Um Salto para o Futuro: como o governo Lula colocou o Brasil na rota do desenvolvimento", escrito por Luiz Dulci. Trabalhei com Dulci por um breve período, quando estivemos coordenando programas de formação na Escola Sindical 7 de Outubro. Dulci é gramsciano, um misto de agitação com ponderação, esta soma estranha entre cultura italiana e mineira. Escreve como poucos e é um excelente crítico literário. Durante o governo Lula, foi responsável pelos contatos e negociações com igrejas e organizações populares, base do petismo em sua origem. As relações foram, muitas vezes, tensas, mas Dulci sempre foi respeitado. Ocorre que, em determinado momento, comecei a ouvir de vários bispos progressistas que sempre era bom conversar com o ministro lulista, mas que nada se resolvia. Tive minha cota de frustração que corrobora parte desta leitura episcopal (digamos assim). Logo no primeiro ano do governo Lula, o governo decidiu fazer consultas públicas a respeito do conteúdo do seu primeiro Plano Plurianual (PPA). Soube, mais tarde, que havia resistências internas a este tímido modelito de consulta, envolvendo dois ministros. Dulci liderou todo processo de consulta. Ao final, foram audiências públicas, limitadas a pouco mais de 200 pessoas, em cada capital do país, em apenas um dia. Na parte da manhã, discursos oficiais e à tarde grupos para emendarem um documento pronto, que vinha da Secretaria Geral da República (comandada por Luiz Dulci). Ouve muita  contestação em relação à metodologia adotada - uma concessão momentânea dos dois ministros da linha dura e pragmática - que aumentou ainda mais quando se percebeu que as emendas não foram agregadas ao texto oficial. Dulci sugeriu que estava tentando transformar os comitês organizadores das audiências do PPA (grupos formados por representantes de ongs, igrejas, sindicatos, empresários e movimentos sociais de cada Estado) em estruturas de monitoramento da execução do PPA. A tentativa ficou... na tentativa. Mais adiante, todas modalidades de controle social sobre as políticas governamentais foram minguando e se resumiram aos comitês de consulta, sem nenhum poder de fogo.
Dulci continuou até o fim, junto à Lula. E se incorporou ao Instituto Lula, após a eleição de Dilma.
Ler e ouvir Luiz Dulci é sempre enriquecedor. Mas gostaria de tê-lo com mais poder. O Brasil, é bem provável, seria bem melhor.

FICHA TÉCNICA:

Título: Um Salto Para o Futuro – Como o governo Lula colocou o Brasil na rota do desenvolvimento
Autor: Luiz Dulci        
Editora: Editora Fundação Perseu Abramo                        
ISBN: 978-85-7643-145-9      
Páginas: 128pp
Ano: 2013    
Edição: 1a.
Preço: R$ 25,00

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Bancos querem reduzir crédito de cidadãos de baixa renda

A crise pode afetar a credibilidade do governo Dilma

Agora a crise já chega até a ponta, até o consumidor de baixa renda. Matéria publicada no jornal Valor Econômico ("Bancos têm que remodelar o crédito para a baixa renda") informa que de 2005 a 2012, mais de 42 milhões de novos clientes ingressaram no mundo do crédito bancário brasileiro. O jornal destaca que foi um dos fenômenos mais velozes e impressionantes de "bancarização". O teto de comprometimento da renda mensal precisou ser revista. Os bancos afirmam que até então não havia histórico de comportamento desses novos clientes. O Bradesco afirma que a inadimplência de pessoa física chegou ao terceiro trimestre a 6,2% e sustenta que o comprometimento do orçamento mensal deve ser revista de 30% para 10% ou 12%. O que me parece estranho, já que todos estudos indicam que os devedores de baixa renda são, no mundo (veja caso do Banco do Povo, em Bangladesh) os mais corretos e fiéis. No Brasil, os dados oficiais também corroboraram esta máxima. Mas a inadimplência, segundo o Banco Central, chegou em novembro 0,1% abaixo da máxima histórica (que é de 7,9%).
Os bancos privados avaliam que não havia como não passar por esta situação. São excluídos históricos do sistema bancário que ingressaram com voracidade. Um dos resultados da inserção pelo consumo realizado pelo lulismo. E é por este motivo que esta notícia é importante para a vitalidade do lulismo e governo federal. 2013 começa com nuvens pretas para este poderoso bloco político.
Fonte: Blog do Rudá Ricci

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O lulismo é um fordismo tupiniquim


O pós-lulismo

Zé Eli da Veiga publica um interessante o oportuno artigo no Valor Econômico que leva o título de "Vislumbre do pós-lulismo". O artigo sugere, a partir da leitura do livro de André Singer, no "pulo do gato" de Lula: manter a ordem e driblar qualquer confronto com o empresariado, com  o objetivo de melhorar as condições de vida das camadas miseráveis, principalmente as concentradas no nordeste.
Zé Eli não tem a mesma boa vontade com o PT, para quem evoluiu com desconcertante rapidez para o reformismo gradualista de tipo conservador.
Voltando ao lulismo, Zé Eli sustenta que o lulismo só poderá ser superado em meados deste século. O cálculo é básico: a miséria, nas suas contas, só será superada em 2030, possivelmente em 2060, caso as bases do lulismo sejam alteradas, em especial, por algum ataque predatório agromineral exportador.
Em seguida, desfila um início de agenda pós-lulista e destaca o enfrentamento com os interesses patrimoniais  e o ataque às salvaguardas do desenvolvimento sustentável.
Zé Eli apoiou Marina Silva nas eleições presidenciais passadas.
Embora não consiga projetar a perenidade das bases do lulismo ao longo do século, tendo a concordar com a tese geral do autor. Mas, gostaria de destacar as bases do lulismo. O lulismo é uma adaptação tupiniquim do fordismo (ou fordismo keynesiano), nascido nos EUA a partir de 1933 e que se espraiou pela Europa em derivações mais ousadas e até para a Ásia. A Escola da Regulação francesa (inspirada nos estudos de Michel Aglietta, André Orléan, Bernard Billaudot, Benjamin Coriat, Alain Lipietz e, principalmente, Robert Boyer), ampliou o conceito de fordismo. O geógrafo norte-americano David Harvey apresentou de maneira didática o conceito em seu livro A Condição Pós-Moderna. A base desta teoria é a compreensão das crises cíclicas do capitalismo (ademais, já destacadas por inúmeras escolas teóricas), mas (e aí está o "pulo do gato") que podem ser domesticada por um aparato regulatório que desenvolvepolíticas anticíclicas a partir de um pacto com agentes econômicos e políticos. Tal pacto tem na capacidade de investimento e orientação econômica a partir do Estado e no financiamento das atividades produtivas e do consumo de massas suas pedras de toque.
O fordismo tupiniquim, ou fordismo lulista, possui uma adaptação muito peculiar. Se apoia em cinco eixos:
1) A concentração do orçamento público na União e aumento da dependência dos entes federativos inferiores, em especial, os municípios, que passam a gerir programas do arcabouço anticíclico, via convênios com ministérios e empresas estatais;
2) O financiamento do grande capital, via BNDES e orientação dos investimentos via pré-sal e PAC;
3) O financiamento do mercado de consumo interno, focado nos produtos de alto valor agregado (ideia central de Henry Ford para catapultar a exportação dos produtos norte-americanos), via bolsa-família, crédito doméstico com taxas de juros em queda e aumento real do salário mínimo;
4) O financiamento de ONGs, movimentos sociais (grande parte já formatado como organização e não mais como movimento) e centrais sindicais, criando ambiente de investimentos estável;
5) A coalizão presidencialista, de onde se diminuiu em muito a incerteza política, já que o poder de fogo das oposições é mínimo.

Esta estrutura lógica é o que denomino de lulismo. Neste sentido, concordo com Zé Eli que estamos diante de um pacto, ou bloco no poder, que deve se manter por um grande ciclo, tal como ocorreu com o getulismo. Alguns autores, ainda afetados pelas disputas (partidárias ou até acadêmicas) ainda resistem a compreender o peso histórico desta trama. Com Zé Eli aposto minhas fichas que este é o mais poderoso modelo estatal-desenvolvimentista que emergiu a partir da crise do regime militar, aberta em 1977.
Sobre a data de sua hegemonia, não arriscaria. A política é composta por muitas variáveis e elas se desdobram de maneira competitiva, nem sempre associadas o que a transforma numa arena que projeta muitas tendências, não apenas uma. Em outras palavras, e para prestar uma homenagem ao lulismo, a política é uma caixinha de surpresas.
Publicado pelo cientista político Ruda Ricci, no seu Blog

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

FHC quer redefinir a agenda da oposição ao lulismo


PSDB tenta superar a pauta udenista

Privatização e combate ao Bolsa-família são as principais bandeiras 
O Estadão de hoje publica matéria sobre a tentativa de FHC em redefinir a agenda da oposição ao lulismo. Ressurgem as bandeiras da privatização de estatais e intelectuais como André Lara Resende e Armínio Fraga. FHC avalia que o modelo do bolsa-família já esgotou.
Uma mudança importante que supera o fundamentalismo conservador empregado por Serra nas últimas duas eleições e o udenismo capitaneado, agora, pelo PPS.
De qualquer maneira, terão que afinar o discurso. Lembremos que o tema das privatizações derrotou a aspiração de Alckmin. Já o bolsa-família está sendo a pedra de toque da popularização eleitral do PT.
Análise do cientista político Rudá Ricci, no seu Blog

terça-feira, 19 de junho de 2012

O PT virou história




João Gualberto Jr.
Publicado no Jornal OTEMPO em 19/06/2012

O PT virou história
Lula, o animal político, voltou revigorado do câncer. Talvez se trate de uma questão que, em economia, conceitua-se demanda reprimida. Em razão do tratamento, foi obrigado a ficar calado e em repouso.Agora, clinicamente curado, ele dá vazão a seu melhor elã, e oportunamente. A doença e todos os votos de restabelecimento que recebeu - inclusive de celebridades internacionais - deram ao ex-presidente uma auréola mística, mais luminosa do que qualquer outra que julgava sustentar antes.

Quando estadistas evidenciam-se mais do que os partidos que integram e quando suas plataformas político-administrativas assumem um caráter tão personalista, esses atores são alçados à condição de mito. Na história, entram no formato de verbetes, como a era Thatcher, a doutrina Mitterrand, a doutrina Truman, o Getulismo ou até o Brizolismo.

"O PT ficou menor do que o Lula", analisa o cientista político Rudá Ricci, um dos primeiros a cunhar o termo "lulismo". Sim, leitor, esse conceito já existe, como se, agora, assistíssemos à história sendo construída. O professor, que acompanhou, em São Paulo, o nascimento das movimentações que viriam a amalgamar o PT, avalia que sua estrela principal: fez de seu rosto a marca da instituição; estrangula politicamente e deixa à míngua correntes internas dissidentes; e conduz com mão de ferro todas as articulações relacionadas ao projeto nacional de poder.

A maneira como Lula vem tocando as negociações municipais, nas duas últimas semanas, só corrobora essa análise. Ela faz recordar o discurso de algumas alas petistas, tanto em Belo Horizonte quanto em outras capitais, de que o partido respira democracia e todas as decisões são tomadas de baixo para cima, originadas dessa entidade (também mágica) denominada base. Que santa lorota.

Deixemos que a imagem de Lula com Maluf fale por si. Convém mesmo é comentar o processo em Recife. Como é possível um prefeito, candidato à reeleição, ao que consta popular e, portanto, um projeto político considerável, ser sacado do páreo? É o caso de João da Costa, que é petista e promete levar a luta por sua candidatura até à Justiça se for preciso. Entretanto, um afago e uma conversa mais franca, no tom certo e na rouquidão exata, podem convencê-lo do contrário. A avaliação nacional (entenda-se lulista) é a preponderância do arranjo nacional com o PSB do governador Eduardo Campos, desafeto do atual prefeito.

Internamente, pode-se até discordar de posições tramadas por Lula. Contudo, tem-se a impressão de que a figura dele, hoje, é o único consenso que restou na legenda, de cuja origem histórica - a abertura política e a popularização do poder - está a cada processo sucessório mais distanciado. Quem é o maior culpado por essa fragmentação incontornável? Ora, virtudes e defeitos não distinguem paternidade.
joaogualberto@otempo.com.br

sábado, 9 de junho de 2012

O lulismo contra o petismo


As tensões no interior do PT


Lula começa a abrir flancos em demasia no interior do PT. Os dois barulhos mais ouvidos partem de Recife e de Marta Suplicy, em São Paulo. Digamos que as duas localidades estão, no momento, no olho do furacão das eleições de 2016, ladeados por Minas Gerais.
Lula exagera e pode ter que pagar caro por neocoronelismo.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Lula voltou e sacode a política nacional


A volta de Lula

Lula voltou com o velho estilo. Já desorganizou toda arrumação da casa, embaralhou tudo e se tornou, mais uma vez, o maior personagem da política tupiniquim. Confesso que já havia esquecido como é o estilo metalúrgico do rapaz.
Comprou a briga com o Gilmar Mendes. Vamos ver se o ministro do STF tem peito para aguentar.
Ontem o ex-Presidente foi ao programa do Ratinho. Campanha explícita, no já conhecido estilo campanha de Dilma Rousseff. Vai ser advertido, multado, e ele continuará do mesmo jeito. É impressionante como vai peitando todos móveis da casa, arrastando tudo enquanto anda. Não há outro político como ele na atualidade. O Brasil já teve vários com este dom. Carlos Lacerda, para citar um, era genial nesta performance. Jânio Quadros também tinha este charme natural de elefante com dor de dente. Tem algo de  humor sádico nesta  história toda.
O fato é que alguns dirão que torço pelo Lula. Toda vez que posto algum comentário deste gênero, vários amigos me alertam, revelando uma ponta de irritação. Mas como são amigos, me toleram.
Eu não sou lulista e passei da fase de cultivar ídolos. Minha leitura é sociológica. E como gosto de humor, me divirto com esta ruptura com o script. A oposição fica ensandecida. Não sabe como lidar e quase sempre cai na arapuca, repercutindo e polarizando com alguém que é muito popular. Um erro de iniciante. Mas a emoção fala mais alto, quase desespero, e impede uma jogada mais inteligente.
Como filho de italianos, chego a dar gargalhadas com Lula.
Lula é o bem e o mal da política tupiniquim contemporânea.
Análise do cientista político Rudá Ricci, também professor da PUC Minas

quarta-feira, 25 de abril de 2012

DATALULA


DATALULA

O Datafolha está virando anticlímax para a oposição ao lulismo. A cada pesquisa, uma nova pá de cal. As dificuldades aumentam porque abrem um fosso entre a nacionalização do lulismo e acantonamento da oposição. Dilma, mesmo com dificuldades na Corte, vai nadando de braçada até a entrada do Pré-Sal, em maio do próximo ano. Aí, dificilmente terá para alguém. O que projeta a possibilidade real de reeleição e joga Aécio Neves numa grande dúvida. 

Em Minas Gerais, muitos jornalistas já se perguntam se Aécio voltará para o Estado, disputando o governo estadual. Aécio não quer, mas a hipótese vai se esboçando como razoável na medida em que as pesquisas se tornam quase desmoralizantes para a oposição.
O que pode abater a escalada lulista é a queda de consumo interno. É quase improvável outro fator desestabilizante. Nem mesmo casos de corrupção, já que corroem todo sistema partidário (e praticamente todo Estado tupiniquim) até a medula.
Se estou certo, as eleições de outubro se tornam, para o lulismo, apenas um jogo de quebra-cabeças para encurtar a distância entre o governismo e o queremismo, sina da política brasileira.

Publicado pelo cientista político Rudá Ricci, no seu Blog

domingo, 11 de março de 2012

Lula, o líder político da cultura pop

Lula, o líder político da cultura pop

Eu havia comentado por aqui que ainda retornaria para aprofundar o livro de Tales Ab´Sáber, sobre o lulismo. A parte mais interessante do livro é a que começa próximo da página 40 (em diante). A partir daí, Tales abandona a tentativa de ser sociólogo ou analista político e se aproxima de uma leitura mais afeta à psicologia. E aí, ganhamos uma leitura instigante. Selecionei algumas passagens (não reproduzi todas literalmente e, em alguns momentos, articulei passagens distintas do livro, para dar uma linha de continuidade à argumentação do autor). 
A tese central é a que Lula conseguiu emergir como um político da cultura pop, fincada no consumo fácil e imediato. É popular, enfim, não um líder com projeto popular para o país. O que o faz quase seguidor do interesse geral e não formador político. Tales detalha um pouco mais a personalidade carismática de Lula, como uma contradição em si, com um pé na mudança e outro no patrimonialismo.
Vamos à seleção de excertos que reproduzo:

Lula foi a liderança esperançosa de todos nós, com alguns traços messiânicos, embora muito esmaecidos, da tradição imaginária dos revolucionários de esquerda
(...) seu primeiro imaginário carismático foi o bom selvagem civilizado e civilizador,  antiburguês, que protava conhecimento prático
 
(...) Porém, Lula sempre se colocou no espaço público de modo relativamente soft, agregador, mediador, cordial
 
(...) Lula foi, durante muito tempo. o herói das classes médias críticas que tinham resistência ao processo de negociação franco e cínico de uma outra fração de sua própria classe
 
Seu sistema de poder pessoal, articulado com o teatro de sua linguagem e corpo, foi bem mais longe do que esta face do seu carisma
Lula também foi um igual na apropriação patrimonialista brasileira, líder e garantia plena de liberdade e impunidade pragmática, o que permitiu a entrada de seu grupo no clube do clientelismo brasileiro, os antigos proletários sindicalistas, agora novos gerentes da máquina pública
As três frentes de seu modo de governar são: a) o líder popular benevolente; b) o recém chegado patriarca dos patriarcas; c) o generoso e relativamente pouco exigente chefe de equipe burocrática modernizadora
A duplicidade contraditória dessas três faces é uma operação de manipulação e redução de uma parte do público político, dos cidadãos, à verdadeira regressão de um ego não totalmente integrado
Com a emergência do lulismo, o Brasil deixou de ser sub, ou emergente, tornando-se mercado central vital. Noutras palavras, as práticas sociais do todo de nossa vida local se integraram no espírito próprio do mercado global
A cultura do governo Lula foi a da universalização do consumo, da emergência do sujeito pós-moderno, do consumo como cultura. O que não for consumo que silencie
Lula é o político imantado pelo deslocamento do fetichismo da mercadoria sobre si próprio, o seu carisma pop. Lula, em alguma medida conseguiu ser Paul McCartney...
Publicado no Blog de Rudá Ricci, cientista político e professor da PUC MG, em BH