Num certo futuro, 2017
será também lembrado, relativamente ao Brasil, por um paradoxo: quase 100% dos
brasileiros passaram o ano rejeitando o presidente ilegítimo, reprovando seu
governo e suas iniciativas, mas só manifestaram este sentimento na solidão da
entrevista reservada com o pesquisador dos institutos, presencialmente ou por
telefone. Não foram às ruas, não protestaram, não bateram panelas.
Mas foram
também as pesquisas que captaram a reação silenciosa, o crescimento constante
do apoio à candidatura do ex-presidente Lula em todas as camadas sociais, agora
inclusive nas camadas AB, segundo o instituto Ipsos.
2017 não foi,
definitivamente, um ano de grande participação política, principalmente se
comparado com 2015 e com o primeiro semestre de 2016, quando aconteceram
grandes protestos a favor do impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff.
Houve também grandes manifestações contra o golpe assim travestido, que a mídia
ocultou ou sub-divulgou.
Mas em 2017, afora os protestos pouco
massivos de setores organizados, como sindicatos e movimentos
sociais, prevaleceu o silêncio. Inclusive quando Temer enfrentou o risco
de afastamento por evidências de corrupção e obstrução da Justiça, e a maioria
pediu seu impedimento. Mas só nas pesquisas. Calaram-se as
panelas, esvaziaram-se as ruas, foram-se os empregos, a
impopularidade fritou o governo Temer e Lula assumiu a dianteira nas pesquisas.
Ele não para de crescer,
apesar das acusações, da condenação em primeira instância, do risco de ser
condenado novamente, da possibilidade de ser preso e impedido de
candidatar-se. Lula cresce pelo que é, pela esperança que representa e
também porque traduz o arrependimento dos que foram manipulados.
Enquanto
ele crescia só entre os mais pobres e os de menor escolaridade, havia a
explicação simplificadora: é natural que tenham saudade dele os que
mais ganharam com suas políticas sociais e com o conforto do crescimento
econômico proporcionado por seus governos.
Mas agora Lula cresce também
nas classes médias, chegando a ter, segundo o Ipsos, o apoio de 35% entre
os entrevistados da classe AB, índice que era de 14% há seis meses atrás. Ele
chega também a 42% entre os que têm ensino superior, contra uma marca de apenas
26% meses atrás. E simultaneamente, seus índices de rejeição
continuam caindo em todos os estratos sociais.
Na pesquisa Datafolha
divulgada no início de dezembro os índices de Lula, entre os
entrevistados de maior renda e instrução, já haviam apresentado algum
crescimento em relação à pesquisa anterior mas não foram destacados.
Da mesma
forma o PT também vem recuperando-se na preferência dos brasileiros,
obtendo, na última pesquisa Datafolha que tratou dos partidos, 18%
de preferência contra 5% do PMDB e 4% do PSDB.
Este crescimento de Lula nas
classes médias representa, inequivocamente, a volta de eleitores que embarcaram
na onda do impeachment e que também se iludiram com a Lava Jato.
Dos que, antes do golpe, acreditaram que todo o mal vinha
do PT e que Dilma estava quebrando o Brasil. Que a simples derrubada do
governo, apesar de eleito, traria dias melhores. Que um golpe não teria
consequências mais graves, não iria ferir como feriu a ordem institucional, nem
semearia as incertezas que fizeram a economia atolar-se ainda mais na recessão
e no desemprego.
A partir do caso JBS, não restaram ilusões sobre a
natureza corrupta do governo Temer nem sobre a venalidade da maioria golpista
do Congresso, que unida ao governo, voltou completamente as costas para a
população. A massa que foi manobrada percebeu tudo isso e,
arrependida, calou-se, imobilizou-se. E passou a externar sua preferencia
por Lula.
A Lava Jato, depois de ter
criado a lenda de que o PT institucionalizou e aprimorou a corrupção, acabou
revelando, por força de sua expansão e das próprias contradições, que os
partidos do golpe eram de fato os fundadores do velho sistema de pilhagem do
Estado. A crescente rejeição ao juiz Sergio Moro é também uma evidência dessa
desilusão.
A massa que foi manobrada
não voltou às ruas e não bateu panelas quando percebeu o logro. Foi
imobilizada por um sentimento mais forte que o arrependimento, que é a
vergonha.
Mas foi fazendo o caminho de volta, e declarando aos
pesquisadores a preferência pela candidatura de Lula, e agora corre o risco de
ser novamente lograda, com o impedimento de sua candidatura.
Publicado por Tereza Cruvinel, jornalista, cientista política, no Brasil 247.