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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Por que tantos jovens ainda querem ser jornalistas, apesar de tudo?

Ricardo Kotscho faz uma avaliação das dificuldades em torno da profissão de jornalista, agravadas no Brasil com a ascensão de Jair Bolsonaro. "Quando um presidente da República se sente à vontade para ofender e humilhar jornalistas quase todos os dias no circo montado no Alvorada, e ninguém reage, estamos vivendo no pior dos mundos", afirma.

domingo, 21 de outubro de 2018

Apesar de você, o amor vencerá a bala


Apesar de você
Marcelo Rubens Paiva*
Apesar de você, florescerá na primavera, a solidariedade existirá, o altruísmo continuará vital como o ar
Apesar de você, as cores do arco-íris continuarão as mesmas, ele sempre estará entre o céu e a terra, continuará lindo a nos emocionar. Mulheres continuarão a desejar mulheres, homens se beijarão e se amarão: o amor não tem limites, o desejo não tem barreiras. A composição familiar nunca mais será a mesma. Os jovens não deixarão de mudar padrões, quebrar regras. O amor vencerá a bala. A Inteligência sempre vencerá a burrice.
Drummond continuará arquiteto das palavras, Niemeyer, o poeta das formas. Ambos continuarão gauche na vida. Livros poderão ser proibidos, mas jamais serão esquecidos, poderão estar escondidos nos labirintos das estantes, no labirinto da nossa memória.
Apesar de você, a palavra será a melhor arma, o pensamento, livre, as ideias brotarão, os questionamentos serão infinitos, é da nossa essência, é nossa vocação.
Apesar de você, florescerá na primavera, a solidariedade existirá, o altruísmo continuará vital como o ar. Apesar de você, a bondade estará entre nós. Vamos esperar para tudo melhorar, vamos esperar para o dia amanhecer sem ódio, sem tiros, vamos esperar a tempestade passar.
Apesar de você, Dom Quixote lutará contra moinhos de vento, Riobaldo, contra o amor por outro jagunço, Canudos, contra as tropas da insensatez, Zumbi, contra a escravidão. A dívida social não será paga. A história dos negros não será reescrita nem recontada. Uma ditadura continuará a ser assassina, e a tortura, nunca mais! Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
Hoje é dia 20 de outubro. Hoje é celebrado o dia do poeta. Hoje é dia de Manuel Bandeira. Apesar de você, podemos ir embora pra Pasárgada, onde somos amigos do rei, termos o amor que quisermos, na cama que escolhermos e, se aqui não somos felizes, lá a existência será uma aventura, lá faremos ginástica, andaremos de bicicleta, montaremos em burros brabos e, cansados, nos deitaremos na beira do rio, porque em Pasárgada tem tudo, é outra civilização, nos sentiremos seguros, e no dia mais triste, o mais triste de todos, amaremos quem quiser, porque lá somos amigos do rei.
Apesar de você, toda a cultura será acessível, Brecht proporá a revolução, a angústia estará na solidão, a dor da alma não terá cura, até o dia em que decidirmos não sofrer mais e agir. Sofreremos por causa de você, superaremos apesar de você. Nossos ancestrais não sairão do lugar, seus ensinamentos irão nos guiar, apesar de você. Os mortos continuarão vivos entre nós. Continuarão a nos inspirar. Luther King continuará mito. Jesus a nos defender. Simone de Beauvoir nos fez pensar. Gandhi é o mito da paz.
O índio guerreiro vai lutar, vai se esconder e sobreviver, vai defender a sua mata, unir-se aos animais, defender sua família, até o último guerreiro, e mais uma vez o mal não vencerá. Os rios terão o poder de se regenerar, os mares, de se recompor, a fumaça vai se dissipar, as bombas vão se calar. A floresta vai renascer das cinzas. A destruição não nos acometerá.
Cometas vão passar. O Universo continuará a se expandir e ser enigmático. As descobertas nos surpreenderão. O conhecimento será sempre o caminho, não o ponto final. O desconhecido será conhecido, para voltar a ser desconhecido, que será conhecido, e desconhecido. Teorias podem ser reescritas, nunca extintas ou ignoradas.
Michelangelo será eternamente belo. Leonardo, genial. Van Gogh pintará as cores do vento. Pollock, a representar nossa loucura. Picasso, a incongruência. Miró será eternamente arrebatador. Rimbaud será nosso poeta que faz da vida, versos, da sua andança, sentido: “Que venha a manhã, com brasas de satã, o dever é ardor. Ela foi encontrada. Quem? A eternidade é mar misturado ao sol”.
Shakespeare nunca deixará de mostrar o horror de reinos, a loucura de reis. Campos de Carvalho narrarei de cor. Continuará píncaro do espetacular.
Lobos uivarão para a lua. Cachorros latirão uns para os outros. Gatos se esconderão na escuridão. Sabiás cantarão antes do amanhecer, nos despertando com a beleza da sua inconveniência. À noite, será sempre noite, por vezes desesperadora, por vezes longa demais, dolorida e saudosa. Enfim, o sol aparecerá. O ciclo das estações não se alternará. O minuto de daqui a pouco será depois o minuto que se foi. O amanhã será ontem.
A Justiça não será parcial, a defender os que mais têm. A verdade poderá nunca prevalecer. Mas nenhum doutor irá nos convencer do contrário. A polícia continuará a reprimir, a defender o bem de quem os têm. Mas nunca será eliminado o fato de sermos tão desiguais, de que quem não tem luta para dividir. Os grilhões se romperam. As amarras se romperão. Apesar de você.
Hoje é dia de poesia e samba. Todo dia é dia de samba. Apesar de você, o sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente, o amor será eterno novamente. Quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer. Amanhã será um novo dia. Apesar de você.

*Marcelo Rubens Paiva é poeta, escritor, autor de diversos livros como o Feliz Ano Velho! Lindo este texto/poema do escritor que teve o seu pai, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva, preso, torturado e assassinado pela ditadura militar.
Publicado no jornal Estado de São Paulo, em 20.10.2018.
Leia sobre o pai do Marcelo, Rubens Paiva:

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Escola sem partido, a lei da mordaça


:
 *Por Durval Angelo
O educador e filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883/1955), considerado um dos grandes pensadores do século XX, dizia a respeito do mister do professor: "sempre que ensinares, ensine a duvidares do que estiver ensinando". Acredito ser esta a missão do educador em sua ação docente: estimular a crítica, levar o aluno a relacionar as situações, a fazer perguntas do lido e do vivido e, principalmente, fazer o aluno a pensar por conta própria. O conhecimento nada mais é do que uma cadeia de perguntas e respostas. Bem antes, o filósofo Sócrates (469-399 a.C.) já concluía que "não posso ensinar nada a ninguém, só posso fazê-los pensar".
Como professor há quase quatro décadas nas redes pública e privada de ensino, acredito que a escola deve ser um ambiente de prática libertadora, onde todos podem se colocar, se contrapor, a partir da pluralidade de temas – com respeito às minorias e de combate a todo tipo de discriminação, seja de etnia, gênero, orientação sexual, religião, estilo de vida. Só que não é o que estabelece um Projeto de Lei intitulado de "Escola Sem Partido", prefiro chamar de "Lei da Mordaça", pois tenta usurpar o pensamento crítico do ambiente escolar.
A proposta tramita em várias casas legisladoras do País e tem como autores, em maioria esmagadora, líderes fundamentalistas. Na Câmara, há três projetos tramitando baseados no Escola sem Partido. O Projeto de Lei (PL) 7180/2014, do deputado Erivelton Santana (PSC/BA), o PL 867/2015, do Izalci Lucas (PSDB-DF) e o PL 1411/2015, de Rogério Marinho (PSDB/RN), este sendo o único não ligado a alguma igreja. No Senado, o pastor evangélico Magno Malta (PR-ES) é autor de texto semelhante, apresentado como PLS 193/2016.
Os projetos são baseados no Movimento Escola Sem Partido, criado em 2004 para combater a "doutrinação ideológica". O próprio nome deste movimento é enganador, pois nos coloca uma dicotomia entre uma escola sem partido ou uma escola com partido. Mas, não se enganem, não é isso que está em jogo. O Escola Sem Partido defende que professores não são educadores e que "formar o cidadão crítico" é sinônimo de "fazer a cabeça dos alunos". É um projeto de escola que remove o seu caráter educacional, defendendo que os professores apenas instruam para formar trabalhadores sem capacidade de reflexão crítica.
Na prática, temas como homossexualidade ou ideologia de gênero não poderão ser discutidos em salas de aula, pois poderão ser considerados conteúdos conflituosos com as convicções religiosas ou morais dos pais e responsáveis, o que é vedado pelos projetos. Assuntos sobre a conjuntura política e econômica do País também não poderão ser trabalhados nas escolas. Segundo o programa, o professor só deve abordar a matéria de forma isolada, sem tratar da realidade do aluno e do que está acontecendo no mundo, sem discutir o que acontece no noticiário ou na comunidade em torno da escola. Ele também proíbe a apresentação de conteúdo ideológico para os estudantes – nesse caso há uma evidente partidarização, pois somente conteúdos considerados de esquerda são citados, como se não houvesse uma ideologia de direita para manter a dominação e as injustiças. O projeto ainda prevê a fixação de cartazes nas salas de aula com uma lista de "Deveres dos Professores", como na época da Alemanha nazista, onde a educação se transformou em um instrumento de doutrinação e massificação da sociedade.
O Escola Sem Partido é tão arbitrário como absurdo e tem como embaixador o ator pornô, Alexandre Frota. A proposta é tema, inclusive, de uma nota técnica do Ministério Público Federal encaminhada ao Congresso Nacional, no dia 22 de julho, no qual aponta a inconstitucionalidade de um dos projetos – PL 867/2015. O documento apresenta que, sob o pretexto de defender princípios como a "neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado", assim como o "pluralismo de ideias no ambiente acadêmico", o Programa Escola sem Partido coloca o professor em constante vigilância, principalmente para evitar que afronte as convicções morais dos pais. "O projeto subverte a atual ordem constitucional por inúmeras razões: confunde a educação escolar com aquela fornecida pelos pais e, com isso, os espaços público e privado, impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem e contraria o princípio da laicidade do Estado – todos esses direitos previstos na Constituição de 88", destaca a nota.
Acredito que a escola deve ter claro a missão de levar o aluno a pensar e refletir. Hoje, mais do que nunca, é preciso reencantar a educação, que se configura como a mais avançada tarefa emancipatória. Todos os povos na sua história, mostram que a educação só vai ter sentido se ela emancipar. Ela tem papel determinante na criação da sensibilidade social, tão necessária para reorientar a sociedade. Uma sociedade onde caibam todos, só é possível em um mundo no qual caibam muitos mundos.
Nesse sentindo, lembro-me da carta deixada por uma das vítimas da segunda guerra mundial, dirigindo uma mensagem aos educadores: "Prezado Professor, sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver. Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educação. Meu pedido é: ajudem seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e saber aritmética, só serão importantes se fizerem nossas crianças mais humanas.".
Essa carta se faz ainda atual, principalmente se considerarmos a conjuntura de propagação de ódio e da intolerância em que vivemos. O papel da escola deve ser em superar o preconceito e dar espaço para a pluralidade do pensamento. É preciso ter claro que, como afirmou Galileu Galilei ( 1564/1642), a educação é limitada: "não se pode ensinar tudo a alguém, só pode ajudá-lo a encontrar por si mesmo". Mesmo assim, a escola não deve se furtar ao papel de preparar alunos para o exercício da cidadania. Que a nossa escola seja uma escola de busca de saberes que reencante o mundo, a vida, as pessoas.
Deputado estadual (PT-MG), líder do governo na ALMG

domingo, 24 de maio de 2015

A morte selvagem do jornalista Evany José Metzker, em Padre Paraíso

A vida de Evany José Metzker, torturado e decapitado enquanto investigava traficantes e pedófilos na região mais pobre de Minas Gerais.

Nas costas do corpo do jornalista estava escrito IMPRENSA
FLÁVIA TAVARES| DE PADRE PARAÍSO, MINAS GERAIS
22/05/2015 - 23h49 - Atualizado 22/05/2015 23h57.
Carteira de identidade do jornalista Evany José Metzker (Foto: Leo Drumond/Nitro/Época)
Na manhã do dia 13, uma quarta-feira, o jornalista Evany José Metzker, também conhecido como Coruja, levantou-se, tomou  café com um pedaço de bolo, que não dispensava, e avisou Cristiane, a filha da dona da pousada Elis, que precisava ir a uma cidade próxima. Metzker havia se comprometido a dar uma palestra naquela tarde no colégio da garota. Prometeu dar notícias se não conseguisse voltar a tempo. A viagem de Padre Paraíso a Teófilo Otoni, a 100 quilômetros dali, tomou-lhe quase o dia todo. A palestra que ele daria, sobre exploração do trabalho infantil, ficaria para a próxima semana. Metzker retornou à pousada, se desculpou com a pupila, saiu para jantar com o amigo Valseque e, no fim do Jornal Nacional, voltou ao hotelzinho de beira de estrada. Pediu que sua conta de três meses fosse encerrada. Disse que iria a Brasília no dia seguinte e, na volta, pagaria os R$ 2.700 que devia. Saiu novamente, deixando o ventilador e a luz do quarto ligados. “Eu vou ali e volto”, avisou. Metzker não voltou.

Na segunda-feira passada, dia 18, a Polícia Militar de Padre Paraíso, no Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, recebeu um telefonema. Moradores da roça haviam visto o que parecia ser um corpo na margem de uma estrada de chão batido, a 20 quilômetros do centro. Uma viatura foi ao local. Dois policiais encontraram um corpo sem a cabeça, que fora decepada já quase na altura dos ombros. As mãos da vítima estavam amarradas sobre a barriga, numa corda alaranjada – a direita sobre a esquerda. O homem estava seminu. Vestia apenas jaqueta, camiseta e meias pretas. Mais adiante, avistavam-se um pé do sapato social e uma calça preta. A armação dos óculos e uma lente estavam em outro ponto. O cadáver se decompunha rapidamente. Estava muito inchado – sobretudo os testículos. O perito apontou, mais tarde, que havia indícios de sangramento anal e hematomas na genitália. O crânio foi encontrado a 100 metros do corpo. Possivelmente fora arrastado por cachorros, que devoraram a pele e os olhos do homem. O maxilar estava quebrado, descolado da cabeça. A cena de horror não continha uma gota de sangue. O corpo fora arrastado até ali e o rastro ainda estava lá. O autor da monstruosidade não se preocupou em ocultar o crime ou a identidade de sua vítima. Deixou o cadáver na lateral da pista, a poucos metros de um barranco profundo. A seu redor, os documentos espalhados: um título de eleitor, um RG, um CPF, três folhas de cheque, dois cartões da Caixa Econômica e uma carteira funcional do jornal Atuação. Todos em nome de Evany José Metzker, de 67 anos. A camiseta preta ainda trazia do lado direito do peito uma coruja amarela, marca do blog de Metzker, Coruja do Vale. Nas costas, em letras maiúsculas, estava escrito: IMPRENSA.

Metzker tinha profundo orgulho de ostentar o título de repórter. Dizia para o colega Valseque Bomfim, também blogueiro de Padre Paraíso: “Nós somos jornalistas. Investigativos. Temos de investigar”. Valseque resistia em firmar com Metzker uma parceria entre os blogs, como propunha o forasteiro com insistência. Metzker chegara à cidade havia pouco tempo. Valseque passou, então, a frequentar o quarto dele na pousada. “O Metzker não me contava sobre as apurações que estava fazendo. Só falava que queria ajuda, que queria trabalhar junto”, conta Valseque.  Metzker havia montado uma pequena redação em seu quarto. Pediu a Elizete, dona do hotel, um roteador exclusivo, para ter acesso estável à internet. Dispôs três mesas no pequeno cômodo, onde instalou uma impressora, seu notebook e por onde espalhava muitos papéis. Fumava incessantemente seus Hiltons e Hollywoods. O cheiro de tabaco impregnou paredes, colchão e travesseiro, talvez de forma irreversível. Elizete teme nunca mais conseguir alugar o quarto. “Eu chamava ele de Paulo Coelho”, diz Elizete. “Ele tinha cavanhaque, era caladão. Só escrevia, trabalhava e fumava. Nunca chegava depois das 10 da noite e jamais trouxe mulher para cá.” Nos poucos momentos em que se descontraía, Metzker dava conselhos às filhas de Elizete. Inclusive a Cristiane, que queria ser jornalista e para quem ele fez uma carteirinha de repórter aprendiz. Repetia que elas precisavam estudar e levar uma vida regrada, como a dele. Metzker não falava muito do passado, nem com a própria mulher, Ilma. Mas contou às meninas que fora desenhista da polícia. Fazia retratos falados. De fato, desenhava muito bem. Também dizia que fora militar, sem entrar em detalhes. Só vestia roupas sociais e gostava de tingir o cavanhaque, que alternava com um espesso bigode.
 
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Metzker iniciou a carreira de repórter em 2004 e tinha orgulho de se apresentar como jornalista
A profissão de jornalista foi construída a partir de 2004. No ano anterior, Metzker conhecera Ilma. Ele era de Belo Horizonte, mas trabalhava em Montes Claros, dando suporte de informática em um hospital. Ilma estava ali acompanhando o primeiro marido, que tinha câncer. Meses depois da morte do marido, Ilma retomou contato com Metzker. Numa tarde de dezembro de 2003, Metzker foi visitá-la em Medina, uma cidade pequena e charmosa do interior de Minas. Ficou. Lá, montou o jornal Atuação, que imprimia numa gráfica de Montes Claros. Fazia denúncias sobre a administração da cidade, sobre ruas esburacadas e sobre a falta de atendimento nos postos de saúde. Queria mais. Dez anos depois de dar início a sua carreira de repórter, sentia que não era reconhecido por seu trabalho. Em 2014, então, passou a viajar pela região, buscando notícias mais quentes. Mantinha bom relacionamento com policiais, militares e civis, de todas as cidades por onde passava. Seu blog, que lhe rendeu o apelido de Coruja, noticiava muitas ocorrências policiais. Percorreu quase todo o nordeste de Minas, passando por Almenara, Divisa Alegre, Itinga, Araçuaí, Itaobim… Hospedava-se em uma dessas cidadezinhas e, nos finais de semana, voltava a Medina, para ficar com Ilma e com os três filhos dela, que criou como seus. Quando os pequenos anúncios no blog escasseavam, fazia bico bolando logotipos para empresinhas das cidades. Vivia com pouco. Queria construir uma reputação, ser referência. “Aos poucos, as pessoas começaram a procurar ele para contar o descaso das autoridades”, diz Ilma, que nunca viu um diploma de jornalista do companheiro. Metzker lhe garantia que havia estudado. “Ele era muito responsável, só publicava se tivesse certeza, documento.”

Seguindo sua turnê investigativa, no dia 13 de fevereiro deste ano Metzker encontrou morada em Padre Paraíso. Na entrada da cidade, um letreiro enuncia que este é o “Portal do Vale do Jequitinhonha”. É a chegada à região com os piores índices de desenvolvimento de Minas Gerais – a área representa menos de 2% do PIB do Estado. Não há político em campanha que não prometa uma salvação para o infame “vale da miséria”. Padre Paraíso se espalha por dois morros, rasgada ao meio pela BR-116, a estrada que liga o Ceará ao Rio Grande do Sul. São quase 5.000 quilômetros, trafegados pesadamente por caminhões. Padre Paraíso, com seus pouco menos de 20 mil habitantes, é aquele tipo de cidade que nasceu em torno de um posto de gasolina. Casebres ladeados de borracharias e botecos margeiam a estrada. Há um pequeno centro comercial, movimentado e bem popular. A tradicional igreja na pracinha está oprimida pelas dezenas de templos evangélicos que a cercam. A casa mais bonita da cidade é a da prefeita Dulcineia Duarte, do PT. Cabeleireira, ela assumiu a candidatura do marido, Saulo Pinto, impugnada pela Justiça Eleitoral.
 
Ilma Chaves Silva Borges, viúva do jornalista Evany José Metzker (Foto: Leo Drumond/Nitro/Época)
É uma cidade de passagem. Caminhoneiros estacionam nos postos para descansar, beber, farrear. Numa rua paralela à rodovia, um pequeno bar de madeira abriga as negociações entre os motoristas e os aliciadores de menores para prostituição. “Este é um dos problemas mais graves que temos aqui”, diz o tenente Sandro da Costa, da Polícia Militar. “Já flagramos uma criança de 10 anos fazendo sexo oral em um mendigo por R$ 5.” Não há descrição mais bem acabada da miséria. “Muitos pais vendem os filhos para a prostituição, é a fonte de renda da família”, completa o tenente. À noite, algumas garotas se exibem na margem da BR-116, e, numa nova modalidade de crime, quando o caminhoneiro desce para negociar o programa, garotos o abordam, assaltam e agridem. Metzker se interessava pelo assunto. Começou a investigar a rede de prostituição infantil nas cidades da região. Seria o tema de sua palestra na escola da aprendiz de repórter. Não se sabe quanto ele avançou na apuração.

Padre Paraíso tem um pequeno destacamento da Polícia Militar, com 13 homens e duas viaturas. Uma está com os pneus carecas; a outra, sem freio. A caminhonete, que alcançava as áreas rurais mais longínquas, ficou destruída num acidente em 2013. Não foi reposta. A propósito, o acidente aconteceu porque o soldado que a dirigia adormeceu. Como a delegacia de Padre Paraíso fecha às 18 horas e nos finais de semana, qualquer ocorrência nos intervalos tem de ser registrada em Pedra Azul, a mais de 150 quilômetros dali. Os PMs levam o criminoso na viatura, frequentemente sentado ao lado da vítima, que vai depor. Dirigem por horas, prestam esclarecimentos e voltam sonolentos pela BR. É em Pedra Azul também que a delegada de Padre Paraíso, Fabrícia Nunes Noronha, dá seus plantões semanais – ela manteve a rotina mesmo depois de o corpo de Metzker ter sido encontrado. Padre Paraíso não tem comarca, juiz. A lei está longe.

Com tão pouca vigilância, o crime prospera. Em 2014, foram seis vítimas de assassinato. Neste ano, já foram cinco. Dois dos crimes mais recentes são bárbaros, como o que matou Metzker. Um deles foi uma chacina, que vitimou três idosos e uma criança de 7 anos. No outro, um casal de caseiros foi morto a marteladas. “O ranço de violência da cidade vem dos tempos dos garimpos”, diz o tenente Costa. “A cultura é de resolver tudo na bala, na morte.” O tráfico de drogas foi substituindo, aos poucos, o lucro com as pedras águas-marinhas que rendiam fortunas. O crack se espalhou. Metzker tentava mapear as estradas vicinais, de terra, que serviam de rota de fuga de traficantes – e seu corpo foi encontrado justamente numa delas. Ele passou a se interessar também por outros dois esquemas criminosos na área: a compra e venda de motos roubadas, que são depois usadas como mototáxi, e o aterro de terrenos protegidos pelas leis ambientais. Se já estão livres das investigações policiais, os bandidos certamente não querem um jornalista fuçando em seus negócios. Fazer jornalismo em regiões como o Vale do Jequitinhonha é mais do que profissão, do que um diploma que autorize alguém. É um ato de coragem, de enfrentamento da falta de estrutura mínima de segurança, da miséria humana explorada por criminosos.

Não está claro se Metzker estava no faro de algo certeiro. Em seu blog, ele publicou apenas histórias menos ameaçadoras, como a do uso de carros públicos para fins particulares ou a de um garoto que tinha sérios problemas bucais e estava sem atendimento. Elizete, a dona da pousada, provocava Metzker: “Tô achando o senhor muito fraquinho. Essas historinhas aí não estão com nada”. O jornalista replicava, pacientemente. “Calma, menina. Muita coisa ainda vai mudar nesta cidade.” A polícia recolheu o notebook e as anotações de Metzker para tentar identificar alguma pista. A delegada Fabrícia, primeira a comandar a investigação, insiste que há a possibilidade de um crime passional. Ilma, a mulher de Metzker, nega com firmeza. “Ele me dava notícia de cada passo que dava. A gente trocava recado sem parar. Ele nunca tinha ido a Brasília antes, a história não fecha.” Na noite em que desapareceu, Metzker enviou a última mensagem pelo WhatsApp para a mulher, dizendo que ia jantar e que eles se falariam mais tarde. “Nunca vou esquecer o que aparece no celular: ‘Metzker, visto pela última vez às 19h03’”, Ilma chora. 

A morte brutal de Metzker não mobilizou as forças policiais do Estado de Minas Gerais imediatamente. Depois que o corpo foi liberado do IML e seguiu para Medina, três investigadores de Padre Paraíso começaram lentamente as diligências. A delegada Fabrícia viajou na noite de terça-feira para seu plantão rotineiro em Pedra Azul. Um dos investigadores avisou logo que só atenderia a reportagem na quarta-feira se fosse até as 16h30, quando ele iria para a faculdade. Apesar da barbárie, o silêncio foi absoluto. O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, do PT, não disse palavra sobre o caso. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também não. Nem mesmo o secretário de Direitos Humanos da Presidência da República, Pepe Vargas, pronunciou-se. Todas essas autoridades, mesmo provocadas por ÉPOCA, permaneceram caladas. (Na tarde da sexta-feira, Pepe finalmente falou. Disse que o caso é grave e vai acompanhá-lo.)

Após ÉPOCA noticiar em seu site a falta de empenho nas investigações, o governo de Minas se mexeu. Uma equipe de Belo Horizonte chegou a Pedro Paraíso na noite de quarta-feira: um delegado, quatro investigadores e uma escrivã. Na quinta-feira pela manhã, eles estavam no local onde o corpo foi encontrado. De lá, seguiram para a delegacia, onde pediram o material apurado até ali pelos policiais da cidade. Antes do meio-dia, o acesso ao inquérito já estava bloqueado para os investigadores locais. Não havia nenhuma pista de quem decapitou o jornalista Metzker.
 
Valseque Bomfim, blogueiro que publicava notícias policiais (Foto: Leo Drumond/Nitro/Época)
Emerson Morais, o delegado de Belo Horizonte que assumiu o caso, comandou as investigações, em 2013, do assassinato de Rodrigo Neto, jornalista de Ipatinga, no Vale do Aço de Minas. Rodrigo denunciava a atuação de policiais corruptos e homicidas da região. Um mês depois, o fotógrafo Walgney Carvalho também foi morto, depois de ter dito pela cidade que sabia quem havia assassinado Rodrigo. Um policial civil foi condenado pela morte de Rodrigo. Um outro rapaz, conhecido como Pitote, ainda será julgado por envolvimento nos dois crimes. O delegado Morais foi procurado pelo blogueiro Valseque, o amigo de Metzker. Valseque contou que fora ameaçado. Um amigo disse a ele que um homem havia perguntado por Valseque num bar. Quando soube que Valseque estava na cidade, comentou que “pegaram o homem errado”. Seu blog, Lente do Vale, publica o mesmo tipo de matérias que o de Coruja.

Metzker não pôde ser velado – o cheiro do corpo decomposto extravasava mesmo com a urna lacrada. Não houve flores. A filha mais velha, Sara, não teve tempo de chegar de Belo Horizonte para se despedir do pai. À meia-noite de segunda-feira, dez parentes e amigos acompanharam o corpo até o cemitério de Medina. O caixão de Metzker ainda não foi coberto com terra ou cimento. Aguarda a documentação para o sepultamento completo. O caso segue aberto, assim como a sepultura de Metzker. 
Fonte- Revista Época, em 22.05.15

sábado, 23 de maio de 2015

Juiz decreta segredo de justiça nas investigações de assassinato de jornalista em Padre Paraíso

Jornalista e blogueiro Evany Metzker foi encontrado morto e decapitado, em Padre Paraíso, na segunda-feira, 18.05.


O juiz da primeira vara da comarca de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, Ricky Bert Biglione Guimarães, decretou segredo de justiça para as investigações do assassinato do jornalista Evany José Metzker, em Padre Paraíso. O jornalista foi visto pela última vez no dia no dia 13 de maio e o corpo encontrado no dia 18.05.

Evany José Metzker, de 67 anos, foi decapitado em Padre Paraíso – Foto: Reprodução

Em nota, a Superintendência de Imprensa do Governo de Minas Gerais informou que o segredo de justiça foi solicitado pelo delegado Emerson Morais, do Departamento de Investigações de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de Minas Gerais, chefe da equipe que investiga o crime na cidade. 

De acordo com o delegado, o segredo de justiça é importante em função da complexidade do caso, da dificuldade de se apurar evidências e da multiplicidade de possibilidades de motivações para o crime.

“O segredo de justiça é fundamental para assegurar o bom andamento das investigações, com preservação dos depoimentos, das diligências realizadas e pendentes de realização, além da restrição dos indícios já apurados”, afirmou o delegado Emerson Morais.

Fonte: Estado de Minas

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Polícia vasculha vida de jornalista decapitado, em Padre Paraíso, em busca de pistas sobre motivação do crime

Policiais estão atrás de pistas para esclarecer assassinato de Evany Metzker, que foi decapitado e tinha sinais de tortura. Filho fala ao jornal Estado de Minas e diz estar com medo de ser morto.

Jornalista e blogueiro Evany Metzker foi decapitado. Seu corpo foi encontrado na região de Pioneiras, zona rural de Padre Paraíso, a 20 km da cidade..
Postado em 22/05/2015 06:00 / atualizado em 22/05/2015 07:18, jornal Estado de Minas.

As publicações que o jornalista Evany José Metzker, de 67 anos, fazia nos blogs Coruja do Vale e Lentes do Vale, as páginas que ele mantinha na internet e suas relações com políticos, autoridades e moradores da região dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri estão sendo vasculhadas pela Polícia Civil em busca de pistas que expliquem seu assassinato, ocorrido de maneira violenta. 

Desaparecido desde o dia 13.05, ele foi encontrado na segunda-feira, na zona rural de Padre Paraíso, no Vale do Jequitinhonha, decapitado e com sinais de tortura. Metzker mantinha um blog na internet e no Facebook onde noticiava crimes violentos, roubos, assaltos, circulação de veículos roubados e carteiras falsas que vêm sendo registrados na região, principalmente em Padre Paraíso, e também críticas contra administrações municipais e cobranças para a melhoria da segurança pública na cidade.

Somente este ano, em Padre Paraíso, foram registrados pelo menos quatro execuções. Duas delas foram de jovens baleados a luz do dia com tiros na cabeça. Um casal também foi executado em janeiro com tiros na testa e na nuca. Ano passado, uma família inteira foi chacinada na zona rural da cidade, entre elas um garoto de sete anos. Nenhum dos homicídios foi esclarecido. Em uma de suas postagens no Facebook, Metzker acusava o município de ser uma cidade sem lei. Seus textos eram, algumas vezes, alvo de comentários raivosos, tanto no Coruja do Vale quanto no Lentes do Vale, por “mancharem a imagem da cidade”.

No dia do seu desaparecimento, uma operação da Polícia Militar, determinada pela Justiça, cumpriu mandados de busca e apreensão na cidade em busca de armas e drogas. Padre Paraíso é cortada na zona urbana pela BR-116 e é tida como rota de exploração sexual infantil, tráfico de drogas e roubo de carga que, de acordo com moradores, sob controle de uma organização criminosa sediada no Rio de Janeiro. Relatam ainda que os criminosos promovem lavagem de dinheiro por meio da compra de grandes extensões de terra na região. O lugar onde o corpo de Metzker foi encontrado, segundo moradores, seria o mesmo onde são feitos pousos clandestinos de helicópteros.

TEMOR 
Nessa quinta-feira à tarde, o Estado de Minas localizou o estudante W. M, de 17, filho de Metzker, que, além de muito chocado, confessou estar amedrontado. Ele disse que tem convicção de que o pai foi morto por causa do trabalho e teme pela própria vida. “Tenho medo de ser o próximo alvo. O meu medo é que essa quadrilha que fez isso com meu pai, ao tomar conhecimento da minha existência, possa querer me eliminar também, até por achar que eu possa querer algum tipo de vingança”, disse o adolescente, matriculado no primeiro período de um curso universitário.

O estudante mora com a mãe, que viveu com Evany Metzker durante cinco anos, enquanto ele morou em Montes Claros, antes do jornalista se mudar para Medina (Vale do Jequitinhonha), há mais de 11 anos. O adolescente contou que teve muito pouco contato com o pai e que tomou conhecimento da morte dele pela televisão. “Mesmo com o pouco contato que tinha com ele, foi um choque muito grande. Afinal de contas, era meu pai”, afirmou. “Achei uma grande covardia ele ser morto com as mãos amarradas e ainda ter a cabeça decepada.”

Ele revelou ainda que ficou tão abalado e amedrontado, diante da crueldade em que o jornalista foi assassinado, que não fez esforço para ir ao sepultamento, que ocorreu em Medina, na madrugada de terça-feira. “Não fiquei sabendo direito onde e quando seria o enterro. Mas fiquei com muito medo e nem me interessei em ir ao sepultamento do meu pai”, declarou.

Repercussão internacional

A morte do jornalista Evany José Metzker causou repercussão internacional e foi noticiada em jornais da Espanha, Argentina, Inglaterra e Alemanha. A equipe do Departamento de Investigações de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), enviada da capital para Padre Paraíso, por determinação do governo do estado, esteve ontem no local em que o corpo foi encontrado. Os policiais liderados pelo delegado Emerson Morais, o mesmo que investigou em 2013 a morte de dois jornalistas no Vale do Aço, mortos por integrantes da polícia, foram em busca de algum vestígio que possa ajudar na sequência das investigações, iniciadas, na segunda-feira, pela equipe da delegada de Padre Paraíso, Fabrícia Noronha.

Nesta fase da investigação, estão sendo ouvidas pessoas do convívio de Metzker, assim como há uma tentativa de reprodução dos últimos passos da vítima. Até agora, oito pessoas já foram entrevistadas e ouvidas formalmente em cartório, pelas duas equipes. Segundo o delegado Emerson Morais, os trabalhos continuam nos próximos dias, sem prazo previamente determinado para a conclusão, porque não há somente uma linha de investigação. “Nenhuma linha investigativa pode ser descartada. Temos de trabalhar com todas as possibilidades, com apuração detalhada, criteriosa e abrangente”, enfatizou.

Ainda de acordo com o delegado Emerson Morais, não há qualquer registro formal de ameaças que Metzker tenha recebido. No entanto, as possíveis ameaças serão investigadas, inclusive com novo depoimento da viúva, Ilma Chaves Silva Borges. O jornalista era considerado na cidade uma pessoa polêmica. Algumas relatam que ele investigava exploração sexual infantil ou afirmam que ele era “pouco cauteloso” no exercício da profissão e que vinha conquistando inimigos.Ele mantinha três perfis no Facebook. Um deles era lotado de páginas de meninas e jovens em poses eróticas.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Dois outros jornalistas do Vale do Jequitinhonha afirmam ter recebido ameaças de morte

Profissionais procuraram o sindicato após a morte do repórter Evanir José Metzker para dizer que as ameaças são recorrentes na região. Segundo as denúncias, Evanir era destemido e não tinha receio de continuar as investigações.


 Luiz Fernando Motta / Estado de Minas / 20.05.15
Reprodução/Facebook
A hipótese de que o assassinato do jornalista Evanir José Metzker, de 67, esteja ligado à sua atividade profissional é reforçada por dois repórteres da Região do Vale do Jequitinhonha que afirmam já ter recebido ameaças. As denúncias foram apresentadas ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais após a morte do repórter. Segundo o presidente Kerison Lopes, os jornalistas, que não querem se identificar, disseram que as ameaças eram recorrentes e que Evanir era destemido e não tinha receio de continuar as investigações.

Além dessa hipótese, a Polícia Civil trabalha com a possibilidade de crime passional. De acordo com Kerison, os dois jornalistas reforçam que o assassinato está ligado às denúncias que Evany investigava e escrevia em seu blog “Coruja do Vale”. A família do jornalista também é convicta em afirmar que o crime está ligado à sua atividade profissional. Segundo a viúva de Metzker, o jornalista investigava a prostituição infantil e o roubo de cargas. O jornalista foi encontrado em Padre Paraíso na tarde dessa segunda-feira, cinco dias após seu desaparecimento.

O crime será tema de uma audiência pública que deverá acontecer na segunda-feira, em Medina, cidade onde Evany morava. “O clima na região é de medo. A reunião precisa acontecer lá para levarmos mais conforto para a população. Esse tipo de crime tenta semear o medo para outros profissionais da região e precisamos mostrar que estamos unidos”, diz o presidente do sindicato. O requerimento para a realização da audiência deverá ser aprovado nesta quinta-feira pela Comissão de Direitos Humanos e pela Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Uma equipe do Departamento de Investigação de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) foi enviada na tarde desta quarta-feira a Padre Paraíso para assumir o comando das investigações. O governo do estado atendeu à reivindicação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais e pediu uma “apuração rigorosa" no caso da morte do jornalista.


Ipatinga

O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais lembra que estava em Ipatinga, na Região do Vale do Aço, quando recebeu a notícia da morte de Metzker. “Foi uma coincidência. Estava gravando um documentário sobre as mortes do jornalistas Rodrigo Neto e Walgney Carvalho quando recebi a ligação sobre o crime em Padre Paraíso”.

Segundo Kerison, o medo até hoje permeia os profissionais da região. Rodrigo Neto, de 38 anos, foi morto em março de 2013. Trinta e sete dias depois, Walgney, de 43 anos, também foi assassinado.
A polícia prendeu dois suspeitos e as investigações confirmaram a relação dos crimes com a atividade profissional das vítimas. 

No entanto, o presidente do sindicato diz que a região ainda sofre com os reflexos dos crimes. “Nem todos os culpados foram julgados e presos e infelizmente eles cumpriram o objetivo de calar a voz dos comunicadores", avalia.

Repercussão internacional

Segundo Kerison, o caso do jornalista Evanir José Metzker teve repercussão internacional. “TVs e agências de notícias do mundo todo têm nos procurado por causa do assassinato. A crueldade do crime chama a atenção de todos. Precisamos de uma rápida solução do caso e a punição dos culpados para que nossa imagem não seja manchada internacionalmente”, diz.

Federalização
O sindicato defende a federalização dos crimes contra o jornalista. Dessa forma, a apuração ficaria a cargo da Polícia Federal. Um projeto de lei do deputado Vicentinho (PT-SP) tramita na Câmara dos Deputados. "Lutamos para que esse projeto tramite mais rápido. Essa seria uma medida de impacto para coibir futuros assassinatos. Nesse momento de comoção, precisamos de alguma vitória", avalia Kerison.
Fonte: Estado de Minas