RUDÁ RICCI
Aceitar os embargos infringentes não significa que as penas serão revistas. Trata-se de um expediente das democracias: dar oportunidade, até o esgotamento, de defesa de quem pesa a denúncia de um crime
Fiquei indignado e apreensivo com a maneira desrespeitosa e pouco democrática com que as redes sociais e até mesmo grande parte da imprensa tratou o voto de Celso de Mello. As tentativas foram de desmoralizar o ministro decano. Não sou ingênuo a ponto de desconsiderar fraquezas humanas e idiossincrasias de autoridades públicas, mas há que se levar
em consideração algumas observações básicas:
1) O STF é a instância máxima do Poder Judiciário. Se achincalhamos
esta instância, colocamos em risco um dos pilares fundamentais da estabilidade democrática. Tratar-se-ia de crise institucional. Não uma
crise política passageira ou brincadeira de rua. É necessária que tenhamos
um mínimo de maturidade para não transformar crítica em desmoralização institucional. E quem viveu sob as sombras da ditadura teria a obrigação
moral de respeitar esta linha amarela no chão (aliás, respeita-se mais a
linha amarela do metrô do que esta da democracia);
2) Não estamos lidando, neste caso dos ministros do STF, com mandatos eletivos. São ministros por meritocracia. Formam uma elite, um colegiado técnico. Ora, é evidente que não podem votar sob pressão política ou
estariam rasgando seu estatuto institucional. Erram como todos humanos,
mas não estão na órbita da representação social. Nem mesmo interpretam
o "espírito
da lei", mas a coerência e estrutura logica do arcabouço legal, instigados
por uma denúncia de desvio de comportamento socialmente esperado
(este "socialmente" não é a voz e o clamor das ruas, mas aquele
plasmado em leis). Portanto, que critiquemos, mas não desmoralizemos
esta instância maior;
3) Se alguém errou no acolhimento dos embargos infringentes foram 6 ministros e não apenas Celso de Mello. E é aí que se localiza minha indignação. O que se fez foi um jogo de cena que me parece imperdoável
entre pares. Prolongar a exposição de voto para isolar, numa única sessão,
o voto do decano foi cruel. Durante uma semana, editores da grande
imprensa e toda espécie de abutres políticos interpretou que seria
importante jogar sob os ombros do ministro toda ameaça velada de perseguição moral caso acatasse os embargos infringentes. Pergunto ao internauta: "esta pressão teria qual efeito sob sua decisão?".
Evidentemente que o efeito contrário ao desejo dos Rambos de plantão.
Ora, se Celso de Mello aceitasse a pressão cruel, teria que se explicar
para o resto da vida ou terminaria no limbo dos seres humanos sem importância. Veja o quanto foi primária esta decisão infeliz de isolar o
voto de um ministro decano, aquele mais antigo, que possui um currículo
que precisa se fechar com alguma coerência. Trata-se, reafirmo, de um investidura pública certificada por mérito intelectual e competência
técnica;
4) Finalmente, aceitar os embargos infringentes não significa que necessariamente as penas serão revistas. Trata-se de um expediente das democracias: dar oportunidade, até o esgotamento, de defesa de quem
pesa a denúncia de um crime. Perceba que se esta fase for esgotada,
fica muito mais difícil apresentar qualquer recurso à tribunais internacionais como se os sentenciados tivessem sido presas de julgamento político.
Enfim, a democracia brasileira (quantos já repetiram esta frase?) é nova
e frágil. Não vamos debilitá-la ainda mais.
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