O convênio com a prefeitura para executar o Projovem foi de R$,16 milhão. A Polícia Federal e a Controladoria Geral da União (CGU) recolheram toda a documentação durante Operação Esopo em Araçuai, no Médio Jequitinhonha
Foto: arquivo
Noi povoado de Baixa-Quente zona rural de Araçuai, o Projovem funcionava em um pequeno barracão
O esquema de desvios de verbas do governo federal, comandado pelo presidente do IMDC- Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania-, Deivson Oliveira Vidal, preso durante a Operação Esopo, tinha ramificações em Araçuai, no Vale do Jequitinhonha,
nordeste de Minas, através do lobista Marcus Vinicius Silva, o Marquinhos, então chefe de gabinete do ex-prefeito municipal, Aécio Jardim (PDT). Era ele quem fazia os contatos entre o IMDC e a prefeitura, para execução do programa Projovem Trabalhador.
Na segunda-feira, agentes da Polícia Federal e auditores do Controladoria Geral da União (CGU) levaram todos os documentos referentes ao convênio de cerca de R$1,6 milhão.
Suspeito de envolvimento no esquema, o médico e ex-prefeito Aécio Jardim não foi localizado. Atualmente ele reside em Salinas, onde trabalha no hospital municipal.
Na época, ele argumentou que a prefeitura não tinha ingerência financeira no projeto, tendo em vista que os recursos eram repassados pelo Ministério do Trabalho e Emprego diretamente para o IMDC, responsável pela montagem dos cursos.
Com prisão decretada, o ex-chefe de gabinete da prefeitura e ex-assessor do deputado Ademir Camilo, Marcos Vinicius Silva, o Marquinhos, está foragido.
De acordo com as apuração da PF, o IMDC fechava contratos para realização de cursos de formação profissional, festivais culturais e perfurações de poços artesianos.
Os recursos eram repassados pela União e pelos estados, mas sofriam desvios sem os serviços serem realizados.
Segundo estimativa da PF, o rombo nos cofres públicos pode ter chegado a R$ 400 milhões em cinco anos.
Frustrações
A implantação dos cursos do Projovem Trabalhador alimentou a esperança de centenas de jovens no município de Araçuai, onde, para a maioria dos moradores, a única chance de emprego é uma viagem em ônibus, que, todo ano, leva o pessoal para o corte de cana no interior de São Paulo ou para a colheita de café, no sul de Minas.
Porém, o sonho de uma profissão digna e um futuro melhor acabou se transformando em frustração por causa da falta de estrutura para funcionamento dos cursos.
O programa foi implantado na cidade por meio de convênio entre a prefeitura e o IMDC, com a previsão de atender cerca de 1 mil pessoas. O valor do convênio, de acordo com informações da prefeitura, foi de R$ 1,6 milhão, com a contrapartida de R$ 75 mil do município.
Em várias comunidades, os cursos foram ministrados em locais improvisados, em más condições de funcionamento.
No povoado de Baixa Quente, a 13 quilômetros da sede, o anúncio do curso de ciência da computação despertou a esperança do servente de pedreiro Alex Martins, de 23 anos, de alcançar uma profissão mais rentável. Foi só um sonho. O jovem e se matriculou no curso, mas diz que não aprendeu nada. Não teve aulas práticas. “Só deram explicações por meio de livros. Não cheguei perto de um computador”, lamenta.
Para piorar, o local da capacitação foi um barracão improvisado, sem móveis, com os alunos obrigados a levar cadeiras de casa.
“Foi só enrolação. Usaram a gente e nos iludiram”, protesta Alex, apontando suposto uso eleitoral a favor do deputado Ademir Camilo, que teve 1.590 votos em Araçuaí na última eleição.
Outra que fez o mesmo curso em Baixa Quente foi Paula Fernandes Ribeiro, de 21 anos. Ela se diz revoltada com a situação. “Disseram que o curso ia ser muito bom. Para mim, foi malfeito. Não teve começo nem fim. Até hoje, nem certificado do curso, nem notícia do dinheiro da bolsa”, lamenta.
Walisson Fernandes da Silva, de 24, trabalhava no corte de cana e apostou no Projovem para fugir do sofrimento imposto pela rotina das usinas de açúcar e álcool de São Paulo. Matriculou-se no curso de administração, com duração de um semestre, e deveria receber uma bolsa de R$ 100 por mês, que só teria sido paga uma vez. E o ensino ficou aquém do esperado. “Agora, vou ter que repensar minha vida. Talvez volte para o corte de cana”, diz Wallisson.
O Projovem funcionou em várias comunidades rurais de Araçuaí, na maioria em locais improvisados e salas de aulas das escolas municipais.
Presos
O presidente do IMDC, Deivson Oliveira Vidal, e toda a diretoria da Oscip foram presos. Eles estão na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem.
Ao todo, a Justiça expediu 25 mandados de prisão temporária, entre eles os de ex-prefeitos de sete cidades de Minas Gerais – mas três não haviam sido cumpridos até a noite de terça-feira (10)– e 44 mandados de busca e apreensão.
Outras 11 pessoas foram alvo de mandados de condução coercitiva – quando o investigado é obrigado a prestar depoimento sem necessariamente ser preso –, entre elas o ex-diretor do Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Idene) Walter Antônio Adão; Simone Vasconcelos, ex-braço direito do empresário Marcos Valério que, assim como ele, foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento no esquema do mensalão; e Paulo Roberto Pinto.
O esquema tinha ainda braço na Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). O superintendente de Administração e presidente da Comissão de Licitações da entidade, Nelson de Souza Dabés Filho, foi detido para depoimento. A Superintendência da Receita Federal em Minas participou das investigações.
Como funcionava
1 – As prefeituras conseguiam a liberação de recursos públicos federais para capacitação profissional, festivais culturais e perfuração de poços artesianos.
2 – Os processos de licitação para contratar os serviços e obras eram montados pelo poder público municipal.
Em parte dos casos, as concorrências nem sequer tinham os editais lançados.
3 – Alegando notória especialização, as prefeituras direcionavam os contratos para o Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC).
4 – O instituto não executava os serviços, mas embolsava as verbas.
5 – Os recursos eram distribuídos em seguida entre os integrantes da quadrilha.
Esquema grosseiro
O delegado da Polícia Federal que coordenou a Operação Esopo, Marcelo Freitas, classificou o esquema investigado como “grosseiro”. Segundo ele, as prefeituras conseguiam os recursos para os serviços e direcionavam as licitações para o IMDC, que, na melhor das hipóteses, executava parcialmente os serviços. O dinheiro era então distribuído para a quadrilha. “Os saques eram feitos na boca do caixa. Em um deles, foram retirados R$ 850 mil”, afirmou Freitas.
O delegado da Polícia Federal que coordenou a Operação Esopo, Marcelo Freitas, classificou o esquema investigado como “grosseiro”. Segundo ele, as prefeituras conseguiam os recursos para os serviços e direcionavam as licitações para o IMDC, que, na melhor das hipóteses, executava parcialmente os serviços. O dinheiro era então distribuído para a quadrilha. “Os saques eram feitos na boca do caixa. Em um deles, foram retirados R$ 850 mil”, afirmou Freitas.
Segundo o chefe de Operações Especiais da CGU em Minas, Israel José Reis de Carvalho, a demora em fechar o cerco à quadrilha ocorreu ao menos em parte pela participação de integrantes dos governos federal e estadual.
Paulo Roberto Pinto, secretário-executivo do Ministério do Trabalho, chegou a determinar a retirada do IMDC da lista de organizações com as quais a pasta não poderia manter parceria por suspeitas de irregularidades. O ministério fechou com a Oscip convênio para o Programa Pró-Jovem, de qualificação profissional.
A PF apurou ainda que, ao tomar conhecimento do esquema, servidores das prefeituras deixaram seus cargos e montaram Oscips para repetir as fraudes.
Marcelo Freitas negou a participação, ao menos por enquanto, de parlamentares no esquema, mas afirmou que os que repassaram emendas para a Oscip poderão vir a ser investigados. As prisões decretadas são temporárias.
Alguns dos investigados
» Deivson Oliveira Vidal, presidente do Instituto MDC, é apontado como o líder da organização criminosa e principal operador financeiro do esquema de desvios
» Paulo Roberto Pinto, ex-ministro interino do Trabalho e atual secretário-executivo da pasta
» Anderson Brito Pereira (PDT), assessor do ministro do Trabalho, Manoel Dias
» Geraldo Riesenbeck (PDT), diretor de Contratos e Convênios do Ministério do Trabalho
» Antônio Fernando Decnop Martins (PDT), ex-subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério do Trabalho
» Walter Antônio Adão, diretor do Instituto de Desenvolvimento do Norte de Minas (Idene), entre 2007 e 2011
» Marcus Vinícius da Silva (PDT), assessor do deputado federal Ademir Camilo (PSD-MG) e ex-chefe de Gabinete da Prefeitura de Araçuaí- está foragido.
» Osmânio Pereira (PTB), ex-deputado federal e presidente do Instituto Mário Penna.
Fonte: Estado de Minas e Gazeta de Araçuaí
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