A família do carroceiro Manoelito Pereira dos Santos, 48 anos, exige rigor na apuração de sua morte.
O carroceiro, enterrado na manhã desta quinta-feira, foi morto a tiros por dois agentes penitenciários na tarde de quarta-feira (19) no pátio da policlínica de Araçuai onde estava, segundo seus familiares, em busca de um curativo para um ferimento nas mãos.
De acordo com funcionários da policlínica ele chegou muito nervoso no local, com um machado em punho e gritando: “Vocês vão me dar, vocês vão me dar”, mas sem explicar exatamente o que queria. Ainda segundo relato de funcionários, ele entrou na farmácia da policlínica e ameaçou a atendente que distribuia remédios e uma farmacêutica que conseguiu fugir da sala.
No horário da confusão, dois agentes da penitenciária de Araçuai escoltavam presos que recebiam atendimento médico. Na tentativa de impedir que o carroceiro agredisse alguém, eles acabaram atirando contra o rapaz que morreu três horas após dar entrada no hospital da cidade.
Ele foi baleado no punho, tórax e região da virilha. Os agentes penitenciários alegaram legítima defesa.
” Os agentes evitaram uma tragédia maior dentro da policlínica”, argumentam os funcionários.
A família afirma que houve erro e despreparo dos agentes durante a abordagem. “ Eles poderiam ter atirado nas pernas . Colocaram a vida de muita gente em risco. Vamos até o fim para exigir justiça neste caso”, disse uma irmã do carroceiro.
Outra de suas irmãs disse que desde segunda-feira ele estava em busca de atendimento no Caps- Centro de Atenção Psicossocial- , onde faz tratamento há 5 anos.“ No Caps não tinha nem médico nem a medicação. Marcaram uma consulta para o dia 4 de outubro. Conseguimos atendimento somente à noite no hospital. Ele foi sedado e liberado para ir para casa”, disse ela.
“Na quarta-feira ele saiu para apanhar lenha e acreditamos que tenha se ferido e procurado atendimento na policlinica. Como demorou ser atendido, deve ter ficado nervoso e sem intenção de ferir ninguém mas de chamar a atenção” acrescentou a dona de casa.
“ A carroça era seu instrumento de trabalho e diversão. Era um homem honesto e de poucas palavras. Sabemos que ele levou o machado para não deixar dentro da carroça, com medo de ser furtado. Se ele estivesse muito surtado, ele teria quebrado a farmácia que estão dizendo que ele invadiu. Não acreditamos na versão da polícia nem dos funcionários da policlinica. Vamos exigir a reconstituição deste crime”, garante a dona de casa, Márcia Ramos, prima do carroceiro.
Inquérito
Os dois agentes se apresentaram à polícia no mesmo dia . As armas usadas foram recolhidas. Foi lavrado auto de prisão em flagrante mas não foi ratificada a prisão porque, segundo a delegada de Policía Civil, Ana Paula Balbino, os agentes agiram em legítima defesa, descaracterizando desta forma crime de homicídio doloso( quando há intenção de matar). “Neste caso há uma grande chance de não serem sequer pronunciados e tampouco condenados”, explica um advogado especialista em Direito Penal, ouvido pela reportagem.
“ A investigação ainda está em curso. Vamos ver quais os próximos passos”, informou a delegada que já ouviu testemunhas mas preferiu não detalhar os depoimentos.
O inquérito será encaminhado para o Ministério Público.
REVOLTA
A família do carroceiro Manoelito é remanescente de quilombolas, descendentes de escravos, com reconhecimento do governo federal através da Fundação Palmares.
Irmãs e sobrinhas do carroceiro estão indignadas com a morte do rapaz. “ Se ele fosse branco e rico, ou filho de um delegado ou juiz, esses agentes estariam presos. Estamos perdendo nossos familiares sem que haja punição para os responsáveis”, denuncia Márcia Ramos. “ Será que por sermos descendentes de escravos vamos ter de suportar mais esta injustiça?”, indaga a dona de casa.
Ela lembrou que três pessoas da família já foram assassinadas e até hoje ninguém foi preso. Primeiro mataram um primo na saída de um forró, depois outro em uma tentativa de assalto no centro da cidade e agora o Manoelito. É uma dor muito grande porque não estamos vendo Justiça”, desabafou.
Ele era o braço direito da minha mãe e ganhava seu pão honestamente. Não vamos deixar este caso ficar impune”, afirma a irmã Marinês Pereira.
“ Pobre de mim. Agora estou triste e só, cortada por dentro por esta dor que nunca vai sair. Eles não poderiam ter feito isso com meu filho.”, lamentou dona Heroína Pacheco Santos, 87 anos mãe do carroceiro. Ela não quer mais ficar sozinha na casa onde morava com o filho, na região conhecida por Pipoca.
” Era ele quem me ajudava e me fazia companhia. E agora o que será de mim?” lamentou a aposentada.
Fonte: Sérgio Vasconcelos / Gazeta de Araçuaí
Nenhum comentário:
Postar um comentário