Herdeiras da arte de Isabel Mendes, a filha Glória e a neta Andréia mostram trabalhos em BH
Eduardo Tristão Girão - EM Cultura - 28.11.2010
Andréia estuda Belas Artes e retorna ao Vale do Jequitinhonha
A neta de Dona Isabel, Andréia Pereira de Andrade, veio de Santana do Araçuaí para estudar na Escola Guignard e retornou à sua terra para dar continuidade à arte da avó
Não é só arte: trata-se de longo processo baseado no contato direto do homem com elementos da natureza. É preciso escavar a terra, modelar o barro e assá-lo em fornos de argila beirando os 1.000 graus centígrados até obter a forma final de flores, laçarotes e cabelos penteados à perfeição, emoldurando olhar penetrante, nunca triste ou alegre. Sempre enigmático. Para dar cor, nada de produtos químicos: só pigmentos naturais. Avó - O rosto tem traços mais fortes, nem sempre é delicado
O já reconhecido (e valorizado) trabalho de Isabel Mendes, de 84 anos, ceramista do Vale do Jequitinhonha que criou algumas das mais belas bonecas de barro de Minas Gerais, já encontrava eco nas criações de sua filha, Glória.
Dona Isabel Mendes, a mestra da cerâmica, deixa exemplo para filha e neta
Agora, mais do que nunca, a história se repete com a neta da mestra, Andréia Pereira de Andrade. Presente na 21ª edição da Feira Nacional de Artesanato, que termina neste domingo, em Belo Horizonte, ela é a prova de que a arte de dar vida e alma ao barro ainda será perpetuada por muitos anos.
Ela tem 29 anos e nasceu em Santana do Araçuaí, distrito de Ponto dos Volantes, no Vale do Jequitinhonha. Cresceu tendo não apenas o essencial exemplo da avó, mas também vendo os pais trabalharem com o barro.
Começou a modelá-lo ainda criança e, aos 14 anos, vendeu sua primeira peça, exibida com a produção da família numa exposição no Rio de Janeiro. Chegou a pensar em cursar arquitetura, mas optou por trilhar o mesmo caminho da mãe e da avó, inaugurando a terceira geração dedicada ao ofício.
No entanto, foi a primeira a buscar orientação fora do círculo familiar: em 2005, veio morar em Belo Horizonte exclusivamente para estudar artes plásticas na Escola Guignard, onde chegou com a vantagem de 10 anos de mão na massa. Especializou-se em pintura e cerâmica e construiu na escola, com os colegas, um forno de barro típico dos artesãos do Jequitinhonha. Terminado o curso, deu aulas em Portugal e na Espanha, em janeiro do ano passado, e há seis meses retornou para Santana do Araçuaí.
“Sempre tive intenção de fazer um curso e mostrar a arte do Vale do Jequitinhonha. Nunca quis ficar em Belo Horizonte. Estou num momento em que tenho de aprender a voltar para o Vale e retomar o que deixei lá. Sempre tive consciência disso, de que seria importante buscar formação fora e continuar nesse caminho”, afirma Andréia.
Hoje, integra espécie de trindade estética com a mãe e a avó: as bonecas de cada uma delas têm traços característicos que as diferenciam entre si, embora elementos comuns sejam nítidos quando as peças são observadas juntas.
Ela diz nunca ter se preocupado especificamente em ter traço próprio:
“Saiu assim. E é incrível como as minhas peças, da minha mãe e da minha avó ficam parecidas entre si”. A julgar pela fila de espera formada por compradores das peças da família, o “padrão de qualidade Isabel” tem sido mantido.
O tempo de espera entre o ato da encomenda e o recebimento de uma única peça chega a seis meses. Vendas para o exterior só não aumentam (ainda) por questão de transporte, dada a fragilidade do material.
Mãe - Há mais detalhes e o rosto é mais finamente trabalhado
Sem falar nos valores. O preço de uma boneca vai de R$ 600 a R$ 8 mil, em média, variando em função do tamanho e grau de detalhamento – a família teve notícia de que uma das peças dela chegou a ser vendida por R$ 15 mil no Rio de Janeiro.
Andréia garante que não há intenção de alterar processos para agilizar a produção. “A qualidade das bonecas, do acabamento e dos detalhes é a diferença. A maioria dos artesãos quer fazer em quantidade”, justifica.
Debaixo da terra
Apesar de alguns parentes também saberem fazer bonecas de barro, somente Andréia, Glória e Isabel se dedicam profissionalmente à atividade. As três moram em Santana do Araçuaí e cada uma trabalha em seu ateliê. A produção é canalizada para a loja da associação de artesãos da cidade, fundada por Glória e o marido, João, nos anos 1980. São 28 profissionais filiados, todos com peças vendidas por lá. Isabel já não ensina mais, mas a filha e a neta estão sempre prontas a orientar os artesãos que buscam ajuda.
Por causa da idade, Isabel leva até três meses para fazer uma boneca – Andréia e Glória produzem, cada uma, entre três e seis por mês. Com tempo seco, que é o ideal, a modelagem de uma peça com nível médio de detalhamento leva 15 dias. Para secar, mais uma semana. Depois disso, a peça é pintada e levada para assar em forno de barro por seis a oito horas. Só então é finalizada. Não há controle exato da temperatura do forno, que é medida levando-se em consideração a cor da fumaça.
Neta - O rosto é mais ovalado e os olhos são mais puxados
Barro e pigmentos (sempre naturais) empregados na produção envolvem pesquisa contínua. “Viajamos, fazemos testes e, se der certo, a gente volta para buscar mais”, conta Andréia. O barro é obtido escavando a terra dois a três metros abaixo da superfície, onde é mais puro e contém menos areia, sementes e raízes. Depois de seco, é peneirado e molhado, quando está pronto para ser amassado.
O pigmento, chamado na região de “água de barro”, tem modo de extração e uso diferentes. A família já viajou para outros estados, como Espírito Santo e Bahia, além de cidades próximas a Santana do Araçuaí, para obter novas variedades. Para localizá-las, contam também com o olhar atento de clientes e amigos, que eventualmente notam cores diferentes na terra dos locais por onde viajam.
A matriarca
Filha de paneleira que vendia utilitários de barro na região, Isabel fazia bonecas de barro para brincar, escondida da mãe. Aprendeu sozinha e sempre modelou rostos com feições mais sérias. As famosas bonecas, que começaram a ser feitas nos anos 1970, têm origem em moringas de barro cujas tampas eram cabeças. Tornaram-se populares graças à Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha – que comprava a produção de artesanato local para revenda – e a um francês, colecionador de arte, que as comprava para sua galeria em São Paulo. Foi aí que o valor das peças começou a ser multiplicado.
21ª Feira Nacional de Artesanato
Sábado (das 10h às 22h) e domingo (das 10h às 21h), no Expominas (Avenida Amazonas, 6.030, Gameleira).
Ingresso: R$ 7. Informações: (31) 3282-8280.
Fonte: Jornal Estado de Minas. EM Cultura
Um comentário:
Prezadas Senhoras,
Minha tia conviveu com a Dona Izabel por muitos anos.
Minha tia chamada Rita conviveu com ela por muitos anos e ganhos algumas peças de Izabel ao longo da relação delas...
Minha tia faleceu há dois anos e deixou comigo as bonecas de Izabel.
Algumas pessoas de leilões informaram que nenhuma boneca das fotos pertence à Izabel, mas mesmo assim, têm interesse de comprar de mim ,,,, Não entendi.
Gostaria de saber se você reconhece algumas das bonecas das fotos.
As bonecas estão encaixotadas e se precisar tiro outras fotos.
A minha tia Rita me disse que são umas das "primeiras" feitas por Izabel e que não correspondem tanto a esse formato mais atual dos últimos anos.
Vocês poderiam me dar uma luz?
Conhecem pela lembrança algumas dessas bonecas ou peças?
Atenciosamente
Roberto Carlos
062- 9955.4976
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