Lugarejo fica no município de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha
Foto: Juarez Rodrigues
Morador da Comunidade de Peixe Cru, Seu Juscelino depende de velas para clarear a casa em que vive
A energia elétrica que ajuda no ganha-pão de Juscelino Lodeiro durante o dia, quando o homem que ficou entusiasmado ao avistar pela primeira vez a Usina Hidrelétrica de Irapé, é a mesma que lhe tira o sono, à noite, horário em que ele depende de velas e candeeiros para clarear seu pequeno rancho, num dos extremos de Novo Peixe Cru, distrito de Turmalina, no Alto Jequitinhonha, nordeste de Minas.
O sítio Senhora Aparecida é um dos orgulhos da vida do agricultor que se dedica à fabricação de farinha. “Mas falta algo importante...”, reclama. Ironicamente, o xará do ex-presidente revela que “algo importante” é justamente a energia elétrica. Juscelino esbraveja que, há quatro anos, tenta a instalação do serviço junto à Cemig. Por sarcasmo do destino, o povoado em que ele mora, Novo Peixe Cru, foi erguido pela estatal como contrapartida à construção de Irapé. Sertanejos que habitavam as margens do Jequitinhonha foram realocados pelo governo em outras áreas.
Foi assim que Peixe Cru mudou de lugar e virou Novo Peixe Cru. Na década passada, quase 40 famílias foram transferidas para uma chapada, entre quatro e cinco léguas – cada medida tem seis quilômetros – das antigas moradias. As residências receberam eletricidade e atraíram, anos depois, forasteiros, como o próprio Juscelino.
Ele achou bom negócio comprar a chácara, há quatro anos, mesmo sem energia elétrica na propriedade. “Desde então tento instalar a luz. Aliás, não posso só falar. Tenho que mostrar. Aquele fio que passa ali, ali no meu terreno, é fiação de energia elétrica. Mas não tem ligação para o rancho. Procurei a companhia e não fui atendido”.
O lavrador tem esperança de que um dia a luz chegue à propriedade: “Ainda mais porque energia elétrica não é coisa barata”. O serviço permitiria a Juscelino usar as máquinas, atualmente paradas, no preparo da ração das criações. “Cuido de galinhas e porcos”, contou o homem, também dono de um pangaré cujo couro foi machucado numa cerca de arame.
Apesar da reclamação dele, a Cemig informou “desconhecer a existência de propriedades sem energia no povoado, pois não foram feitos pedidos de ligação nova na comunidade”. A empresa “orienta aos interessados a formalização das solicitações de extensão de rede por meio dos canais de atendimento”.
Enquanto a energia não chega ao rancho de Juscelino, os vizinhos têm elogios e críticas a Novo Peixe Cru. Valdir dos Santos, presidente da associação dos moradores, conta que perdeu dinheiro com a mudança do povoado, pois precisou se desfazer do rebanho e abandonar o ofício de produtor de aguardente.
“Havia água à vontade e eu plantava cana-de-açúcar. Dava pra fazer 25 mil litros de cachaça por ano. Aqui não posso cultivar a lavoura, pois o terreno é numa chapada, é mais seco. Depende de irrigação e o preço fica inviável. Tive de abrir mão de 48 cabeças de gado, porque a terra não é apropriada para criar as vacas à solta (oposto de confinamento)”, explicou Valdir.
Já Reginaldo Pereira, de 27, gostou do atual povoado. “Era difícil chegar ao antigo Peixe Cru, devido ao caminho tortuoso e de terra. Agora, estamos na beirada do asfalto. É bem mais fácil ir a Turmalina. Portanto, mais fácil conseguir emprego na sede do município”.
Fonte: Jornal Estado de Minas, no Caderno Especial "Jequitinhonha, Terra de Contrastes, de 04.06.2017.
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