Gonzaga Medeiros, apresentador, animador cultural e compositor do Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas.
PUBLICADO EM 18/06/17 - 03h00
Responsável por batizar a cidade onde nasceu, Fonteira dos Vales ( entre os Vales do Jequitinhonha e Mucuri), ele estreia na rádio Super Notícia FM 91,7 o programa “Viva Viola”, e recebe convidados como Pereira da Viola, Chico Lobo e Saulo Laranjeira.
Ao Magazine ele fala da importância de se preservar a cultura de raiz e o projeto para transformar o instrumento em patrimônio imaterial do Brasil, além de elogiar a nova geração de violeiras
Como a viola entrou na sua vida?
Eu nasci no Vale do Mucuri, interior das Minas Gerais, num lugar chamado Pampã, que é o nome do principal rio de lá, inclusive ele fornece água para toda a cidade. Em 1973, a prefeitura abriu um concurso para mudar o nome da cidade, eu tinha 18 para 19 anos, e a sugestão que apresentei foi a vencedora: Fronteira dos Vales. Fiz essa volta toda para dizer que a poesia sempre esteve na minha vida, eu sempre gostei das palavras, da beleza que elas trazem, porque a cultura do interior é fundada nos causos, que nada mais são do que invencionices de gente que não tem coisa para fazer, não tem cinema, não tem teatro, e esses causos são sempre acompanhados pelo toque bonito e sagrado da viola. Eu brinco de dizer que a única coisa que toco são porcos, porque no interior a gente os criava lá na fazenda. Mas eu sempre fui interessado, e acabei me tornando compositor, graças a um violeiro baiano que conheci na minha cidade, chamado Miguel Gato, que leu a bíblia toda de trás pra frente e de frente pra trás. Eu não sei se ele está vivo hoje, mas foi decisivo na minha história, porque ele trazia muito da folia de reis, da festa de São João, e ainda tinha uma coisa de repentista. Por isso eu gosto muito dos causos rimados, que deixam essa poesia ainda mais à mostra. Por conta disso tudo, quando me mudei para Almenara, (no Baixo Jequitinhonha), comecei a ver muita manifestação musical, e inventei de fazer festivais naquela região, em que as pessoas declamavam suas poesias no palco e tocavam viola. A moda pegou e mexo com isso até hoje. Me tornei um animador cultural.
Qual a importância de ter um programa dedicado à viola no rádio?
Quando surgiu esse convite para apresentar o “Viva Viola” na rádio Super Notícia FM 91,7, todo domingo, das 10h às 12h, posso dizer que fiquei admirado. Porque a viola está na raiz da nossa identidade cultural, ela é um patrimônio da nossa história. Neste programa nós vamos buscar mostrar exatamente isso, a moda de viola que é essa viola de raiz e que, em Minas, sofreu muita influência do Nordeste, porque vinha muita gente da Bahia para cá, à procura de emprego, comida e com fome também de cultura. Você pode notar que o toque da viola é alegre, mesmo que suas músicas falem de saudade, porque o Nordeste é festivo, faz parte da essência deles. A viola tem muita estrada, ela é o encontro das pessoas. Qualquer violeiro tocando bem tem público a qualquer hora. As pessoas param para ouvir um violeiro no boteco, na porta de casa, na praça, ali para ele já vira um palco de teatro. A viola tem esse poder de encanto sobre as pessoas. Brinco de dizer que se um músico quiser tocar uma besteira no violão, na sanfona ou no teclado, ele consegue, mas na viola, não. Ela não deixa, intimida, você só pode tocar coisa bonita na viola.
Além de você, o programa conta com cinco violeiros. Como se deu a escolha deles?
Na verdade, “Viva Viola” nasceu como o nome de um grupo, uma entidade, criada há oito anos, para defender os interesses do instrumento, do qual fazem parte os cinco participantes do programa, que são Pereira da Viola, Wilson Dias, Gustavo Guimarães, Bilora e Joaci Ornelas, além do Chico Lobo, que será nosso convidado especial. E o programa vai receber também outros convidados a cada edição. Inicialmente, haverá músicas tocadas em discos já gravados, mas pretendemos realizar apresentações ao vivo, levando o programa até lugares abertos, com público e tudo mais. A participação de cada um dos violeiros que eu citei tem a ver com essa defesa da moda de viola tradicional e, ao mesmo tempo, a diversidade, pois cada um deles tem um estilo diferente, embora ligado à essa essência. A viola é um instrumento tão versátil que você pode tocar qualquer ritmo nela. O Renato Caetano, por exemplo, toca rock na viola, e muito bem, diga-se de passagem. Ela passeia pelo baião, a catira, o forró, o xaxado, tem a ver com amor, é música para celebrar.
O programa vai ter alguma música especial de abertura?
Não, apenas uma vinheta. Nossa intenção é a cada programa abrir com uma música e uma contação de causo, uma poesia. Dentre os convidados especiais que eu te falei que vamos receber tem ainda o Saulo Laranjeira, Paulinho Pedra Azul, Rubinho do Vale, Tadeu Franco. E vamos tocar músicas antigas e novas. Das mais recentes, uma que gosto muito é a “Deus É Violeiro”, que tem melodia do Wilson Dias e letra do poeta e jornalista João Evangelista Rodrigues, e faz uma homenagem às águas do Brasil, especialmente os rios de Minas Gerais. É um chamamento, uma espécie de conscientização através da beleza. Esse é o poder da música e da moda de viola. E, claro, não vai faltar Tião Carreiro & Pardinho, Pedro Bento & Zé da Estrada, e as músicas dos nossos convidados.
Como você vê o movimento para transformar a viola em patrimônio imaterial brasileiro?
Esse tipo de iniciativa é fundamental, porque ela aumenta o respeito e a valorização em torno dessa cultura. A viola é muito mais do que um instrumento, é um jeito de ver a vida e transmiti-la aos demais. Os efeitos que essa divulgação pode causar são de grande relevância, porque tendem a alcançar a juventude, que hoje em dia parece meio distanciada das suas raízes, do povo, das coisas cotidianas e rotineiras. A preservação desse instrumento sublime que é a viola pode contribuir para algo que já vem, lentamente, acontecendo entre áreas que antes eram apartadas desse círculo. Por exemplo, a cultura da viola tem chegado mais às mulheres e as pessoas que estão nas universidades. Posso citar algumas dessas violeiras que têm feito bonito Brasil afora, como a Bruna Viola, a Letícia Leal e a Sol Bueno. Claro que elas tocam uma viola mais moderna, esfuziante, veloz, mas a raiz está lá, conservada. É bonito de ver o encantamento que a viola gera nas pessoas de todas as idades, basta ter a oportunidade.
Quem são os grandes violeiros do Brasil?
Uma infinidade, desde gente muito famosa até ilustres desconhecidos que animam feiras nesse interior. Renato Teixeira, Almir Sater e Renato Andrade são nomes obrigatórios. Da nova geração, temos o Rodrigo Delage.
Qual a sua avaliação do momento atual para a cultura no Brasil?
A cultura é afetada, como todas as outras áreas, porque as pessoas estão desacreditadas, tristes, sem ânimo, e isso desestimula porque a própria cultura está sendo desestimulada. Além disso, existe uma coisa de dizer que a nossa cultura popular não é comercial, não vende, enquanto qualquer cartaz com dois rapazes bonitos tocando sertanejo universitário parece que traz um sucesso fácil. Respeito todas as manifestações culturais, mas essas pessoas não tocam a viola caipira. No máximo, ela aparece ali para enfeitar. Eu penso que esse programa que vamos estrear é uma excelente oportunidade de levar muita coisa bonita para as pessoas, e quero recitar uns versos do poeta paraibano Dedé Monteiro: “Velha viola de pinho, companheira de minh’alma constante e enternecida, foste tu a intérprete primeira das primeiras ilusões da minha vida”. Bonito, não é?
Fonte: Jornal OTEMPO, no Suplemento Magazine, publicado em 18.06.17, domingo.
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