O procurador Rodrigo Janot e o Ministro Edson fachin fizeram acordo de liberdade para Joesley
"O esforço para transformar as delações premiadas num pacote pronto que os 11 ministros do Supremo não podem questionar nem modificar tem dois inconvenientes imediatos," escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "Nada menos que 81% dos brasileiros discordam da sentença que deu liberdade imediata aos irmãos Batista e outros executivos da JBS e acham que Joesley deveria ser preso. Nada menos que 92% dizem que a Justiça 'trata melhor os ricos do que os pobres." Lembrando o AI-2, decreto que ajudou a consolidar a ditadura de 64, PML recorda que ali se questiona a soberania do STF para debater "'atos revolucionários praticados com base na nova ordem.'"
Difícil contestar a
clareza da pesquisa do DataFolha sobre a delação premiada dos irmãos Batista.
Nada
menos que 81% dos entrevistados disseram que, eles deveriam ter sido presos --
em vez de tomar o jatinho para sua residência de luxo em Nova York, conforme
assegurou o acordo de delação premiada assinado por Rodrigo Janot e homologado
pelo ministro Edson Fachin, do STF.
Numa
segunda questão, que ajuda a entender como a maioria dos brasileiros reflete
sobre o sistema judicial no país, o DataFolha perguntou: "Na sua opinião,
a Justiça no Brasil, na apuração de crimes, trata pobres e ricos da mesma maneira?"
Uma maioria de 92% disse que a Justiça "trata os ricos melhor do que
os pobres".
Bingo.
São
questões que têm relevância direta no momento atual. Num julgamento iniciado na
semana passada, que deve encerrar-se nesta quarta-feira, o STF debate a
possibilidade de aceitar os acordos de delação como um pacote pronto.
Produzidos através negociações do Ministério Público com delinquentes
assumidos, não poderiam ser discutidas em plenário depois de homologadas
pelo ministro relator, Edson Fachin.
A
ideia, que até agora vence por 7 votos a 0, é evitar que uma decisão de tamanha
gravidade seja submetida a instância onde reside força do Supremo, como
poder da República -- o colegiado de 11 membros, e não a sentença deste
ou daquele ministro.
É
uma discussão de grande utilidade no momento atual, quando as concessões aos
irmãos Batista, dispensados de cumprir uma única noite numa cela de prisão,
provocam a indignação de 8 entre 10 brasileiros.
Cinco
anos depois, é possível lembrar do julgamento da AP 470, em 2012. Na
época, procuradores e juízes diziam na televisão que era preciso punir "os
ricos e os poderosos", enquanto julgamentos diferenciados para os réus do
PT e do PSDB asseguravam um tratamento escandalosamente desigual para uns e
outros. No exemplo mais clamoroso, nenhum réu tucano cumpriu pena de prisão até
agora.
Não
é que os brasileiros desconheçam o volume da conta bancária de boa parte dos
prisioneiros de Curitiba e não saibam que, entre os prisioneiros, é possível
apontar figurões graúdos do nosso capitalismo. Claro que conhecem. A discussão
é outra.
Num
país onde violência policial é uma ferida que atinge os de baixo -- de
preferência negros -- com brutalidade animal, aprende-se o valor
essencial da liberdade e dos direitos, até pela pedagogia negativa, pela
ausência.
Submetidos
a uma situação permanente de opressão em todos os níveis da existência,
uma grande maioria de brasileiros só conhece o Estado Democrático de Direito de
ouvir falar e não tem a mesma experiência concreta de viver em liberdade do que
eu e você. Mas todos sabem muito bem o que é ir para a cadeia e o que acontece
com pessoas aprisionadas.
Por
essa razão, não têm a menor dificuldade de imaginar o que significa
um cidadão bilionário desembolsar uma alta soma em dinheiro, muitas vezes
obtido com auxílio de atos considerados criminosos e, em troca,
garantir que jamais ficará preso numa cela, nem será impedido de desfrutar as
delícias da vida, como a companhia família e dos amigos, o cinema nos
fins de semana, viagens e assim por diante. Vamos reconhecer que mesmo a
mais civilizada cadeia do planeta é uma prisão -- e basta observar um animal
enjaulado num Zoológico para ter noção do que isso significa.
É
desse universo que estamos falando. A liberdade como direito natural, devido a
toda pessoa na hora do nascimento. Ou algo que pode ser negociado e negociado
por algumas pessoas, que confessam seus crimes e delatam cúmplices. No caso dos
irmãos Batista, foi possível evitar uma única noite passada na prisão.
Dias
atrás, em entrevista neste espaço, a procuradora Ela Wiecko, que disputa a
sucessão de Rodrigo Janot como uma voz crítica, sugere uma reflexão a respeito
das delações premiadas. Sem discordar de seu uso como instrumento de
investigação, a procuradora lembra determinadas distorções. "As penas são
simplesmente flexibilizadas pelo negociador, o que atinge a regra
constitucional de que não há pena sem previsão da lei," diz.
Referindo-se a uma questão ainda mais séria, que envolve um aspecto essencial das
delações, a procuradora acrescenta que " a colaboração premiada estabelece
desigualdade entre autores de crimes análogos, pois a alguns é possibilitada, a
outros não." Conforme Ela Wiecko, os critérios para fixação da pena-base
" são adotados antes da prestação jurisdicional e sem atenção a limites
mínimo e máximo de pena. Nesse momento pode haver desigualdade entre
casos semelhantes cujos procedimentos são atribuídos a membros do Ministério
Público diferentes e Juízos diferentes. São reflexões sobre um instituto
novo que rompeu com o paradigma da obrigatoriedade da ação penal mas que não
pode se desgarrar dos limites postos pela Constituição."
Em
2015, quando a Lava Jato se encontrava em sua fase inicial, o professor
Renato Mello Jorge da Silveira, da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, apontou para um ponto que antecipa o debate colocado pelos 92%
que, dois anos depois, reafirmam a velha noção da Justiça PPP (pobre, preto e
puta) para dizer educadamente que ela "Justiça trata os ricos melhor do
que os pobres."
Lembrando
que as delações premiadas têm como prioridade obter depoimento de testemunhas
em posição de mando, permitindo a quem dava ordens mais uma vez tirar vantagem
de sua posição na hierarquia, o professor concluiu: "beneficia-se o
criminoso de alta gama, aquele que teria mais informações. Pactua-se, portanto,
com quem mais delinquiu. Pune-se a menor criminalidade ou outros, que
simplesmente ficaram aquietados."
Sabemos
que os tribunais não deve funcionar como um programa de auditório, onde as sentenças
se decidem pelo palmômetro.
Mas
é evidente que a visão de 93% da população merece uma reflexão maior,
pois fala de questões reais da Justiça.
Não
custa refletir, também, sobre um fato histórico.
O
esforço para retirar o Supremo de atribuições naturais à mais alta corte de
Justiça tem um antecedente preocupante. Em outubro de 1965, quando o assinou o
AI-2, Castelo Branco tomou medidas típicas para consolidar a ditadura. Entre
outras coisas, foi ali que, contrariando a vontade da maioria dos brasileiros,
a eleição para presidente da República tornou-se indireta. O AI-2 também trouxe
mudanças para o Supremo. Não só sua composição do Supremo -- que passou de 11
para 16 membros -- para também definiu sua pauta, ao excluir decisões que
envolvessem "atos revolucionários praticados com base na nova ordem."
Deu
para entender, certo?
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