Os riscos do julgamento do mensalão
Rudá Ricci
Não sou dos que ficam destilando ódios contra ministros que julgam o mensalão. Trata-se de um poder. Mas me vejo no direito de expor meus temores e receios. Como já citei neste espaço, havia dois caminhos para se analisar a ação em curso. A primeira, proposta pelo MP, de juntar todas acusações a partir de uma narrativa, com começo, meio e fim. Se didática, tal metodologia indicaria um curso lógico que induziria a um resultado previsto. Foi o caminho adotado pela maioria e facilitou a vida de analistas e imprensa, tanto que muito antes do julgamento do "núcleo político" (a noção de núcleos já induzia ao relacionamento entre acusados) já se anunciava a sentença, que se confirmou logo depois das manchetes serem publicadas.
O outro caminho era justamente o inverso: cada acusado seria julgado em si, analisando cada prova. A narrativa seria montada a posteriori.
O que me leva a certo temor é como a adoção de uma trilha de julgamento levou a deduções que não me parecem muito sólidas. Quando ouvi um ministro perguntar se seria razoável uma liderança partidária nacional desconhecer a trama ilícita engendrada por militantes do andar de baixo do poder hierárquico quase pulei da cadeira. A pergunta já é uma declaração, em si, de dúvida. É como afirmar que um pai sabe de tudo o que ocorre na vida dos filhos adultos, que já não residem no seu lar. Dever saber não é saber. Para tanto, é preciso ter provas. Não se trata, aqui, de defesa de algum dos acusados das práticas do mensalão. Trata-se de defender a noção de direito. Porque, se tal metodologia vingar pelo judiciário tupiniquim, qualquer narrativa lógica começará a substituir provas concretas de ilícito. Mesmo a mais plausível das narrativas, em termos de acusação judicial, precisa estar fundamentada em provas incontestáveis. Mas a pergunta do ministro deixa claro que tais provas não eram tão incontestáveis, lançando mão da dedução lógica.
No mais, o julgamento vai entrando nos trilhos. Vários juristas apostam que terminará próximo do carnaval de 2013. Terminará num total anticlímax. Não apenas porque o carnaval é festa catártica, que lava alma e memória, mas porque é bem provável que muitas penas sejam revistas para baixo.
Logo depois, virá a revanche, com o julgamento do mensalinho mineiro. Se o judiciário adotar a mesma lógica da narrativa, continuaremos com o banho de sentenças vindas da dedução lógica. E o país mergulhará no marketing do ranking dos mais ou menos sujos.
O sistema partidário estará ainda mais naufragado em suas mazelas e o próprio tema da corrupção será ainda menos aceito como valor a distinguir o voto. Porque todos serão iguais e, portanto, corrupção não será indicador adequado para distinguir.
Enfim, este julgamento parece selar a sorte da política brasileira nos próximos anos.
Aumentam as chances dos temas morais e éticos serem escanteados para o folclore político ou manchetes sensacionalistas da grande imprensa. Como tema nacional, é muito provável que interfira em percentual marginal dos votos colhidos nas próximas eleições.
Rudá Ricci é Sociólogo, Mestre em Ciências Políticas e Doutor em Ciências Sociais. Diretor Geral do Instituto Cultiva e membro do Fórum Brasil do Orçamento (www.forumfbo.org.br). Membro do Observatório Internacional da Democracia Participativa.
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