sábado, 27 de outubro de 2012

Julgamentos do Judiciário podem se basear em deduções prévias sem provas


Os riscos do julgamento do mensalão

Rudá Ricci
Não sou dos que ficam destilando ódios contra ministros que julgam o mensalão. Trata-se de um poder. Mas me vejo no direito de expor meus temores e receios. Como já citei neste espaço, havia dois caminhos para se analisar a ação em curso. A primeira, proposta pelo MP, de juntar todas acusações a partir de uma narrativa, com começo, meio e fim. Se didática, tal metodologia indicaria um curso lógico que induziria a um resultado previsto. Foi o caminho adotado pela maioria e facilitou a vida de analistas e imprensa, tanto que muito antes do julgamento do "núcleo político" (a noção de núcleos já induzia ao relacionamento entre acusados) já se anunciava a sentença, que se confirmou logo depois das manchetes serem publicadas.

O outro caminho era justamente o inverso: cada acusado seria julgado em si, analisando cada prova. A narrativa seria montada a posteriori.

O que me leva a certo temor é como a adoção de uma trilha de julgamento levou a deduções que não me parecem muito sólidas. Quando ouvi um ministro perguntar se seria razoável uma liderança partidária nacional desconhecer a trama ilícita engendrada por militantes do andar de baixo do poder hierárquico quase pulei da cadeira. A pergunta já é uma declaração, em si, de dúvida. É como afirmar que um pai sabe de tudo o que ocorre na vida dos filhos adultos, que já não residem no seu lar. Dever saber não é saber. Para tanto, é preciso ter provas. Não se trata, aqui, de defesa de algum dos acusados das práticas do mensalão. Trata-se de defender a noção de direito. Porque, se tal metodologia vingar pelo judiciário tupiniquim, qualquer narrativa lógica começará a substituir provas concretas de ilícito. Mesmo a mais plausível das narrativas, em termos de acusação judicial, precisa estar fundamentada em provas incontestáveis. Mas a pergunta do ministro deixa claro que tais provas não eram tão incontestáveis, lançando mão da dedução lógica.

No mais, o julgamento vai entrando nos trilhos. Vários juristas apostam que terminará próximo do carnaval de 2013. Terminará num total anticlímax. Não apenas porque o carnaval é festa catártica, que lava alma e memória, mas porque é bem provável que muitas penas sejam revistas para baixo.

Logo depois, virá a revanche, com o julgamento do mensalinho mineiro. Se o judiciário adotar a mesma lógica da narrativa, continuaremos com o banho de sentenças vindas da dedução lógica. E o país mergulhará no marketing do ranking dos mais ou menos sujos.

O sistema partidário estará ainda mais naufragado em suas mazelas e o próprio tema da corrupção será ainda menos aceito como valor a distinguir o voto. Porque todos serão iguais e, portanto, corrupção não será indicador adequado para distinguir.

Enfim, este julgamento parece selar a sorte da política brasileira nos próximos anos. 

Aumentam as chances dos temas morais e éticos serem escanteados para o folclore político ou manchetes sensacionalistas da grande imprensa. Como tema nacional, é muito provável que interfira em percentual marginal dos votos colhidos nas próximas eleições.
 
Rudá Ricci é Sociólogo, Mestre em Ciências Políticas e Doutor em Ciências Sociais. Diretor Geral do Instituto Cultiva e membro do Fórum Brasil do Orçamento (www.forumfbo.org.br). Membro do Observatório Internacional da Democracia Participativa.

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