sábado, 22 de novembro de 2014

Empresário tucano diz que nunca se roubou tão pouco.

Nunca se roubou tão pouco.

Onde estavam os escandalizados quando houve evasão de R$ 1 trilhão? 
Deixemos de cinismo.
Ricardo Semler, empresário

Não sendo petista, e sim tucano, 
sinto-me à vontade para 
constatar que essa onda de 
prisões de executivos é um passo 
histórico para este país


Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. 
Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 
90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.


Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 
mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.


Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos "cochons 
desdix pour cent", os porquinhos que cobravam por fora sobre a totalidade da 
importação de barris de petróleo em décadas passadas.


Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite 
escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam 
os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão — 
cem vezes mais do que o caso Petrobras — pelos empresários?


Virou moda fugir para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá 
com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?


Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da 
presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido 
no desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom 
brasileiro. Tanto faz o partido.


Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco 
Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que 
essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.


É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. 
Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia 
para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.


Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os
pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas
 econômicas.


Mas Dilma agora lidera a todos nós, e o país num momento de muito orgulho e
esperança.Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar
à frente, e velozmente, neste quesito.


A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos
parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada
sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas.


O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras
incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.


É lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com habeas
corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado.
 Daqui não se volta atrás como país.


A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado.
Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas.
O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a
desnudar o volume barrento.


Boa parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e
votos que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos
que os brasileiros reconduzem desde sempre.


Cada um de nós tem um dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um
pagamento  sem recibo para médico, deu uma cervejinha para um guarda
ou passou escritura de casa por um valor menor?


Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. 
Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido.


O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade,
e sem arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto,
não permitamos que o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado,
cada de nós sabe o que precisa fazer em vez de resmungar.


Ricardo Semler, empresário, é sócio da Semco Partners. Foi professor 
visitante da Harvard Law SCHOOL e professor de MBA no MIT - 
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA)

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