Audiência de testemunhas deve terminar em novembro. Ocorrido em 1998, esquema de desvio que operou na campanha de Eduardo Azeredo tem tramitação lenta no Judiciário estadual. No STF, Barbosa, encantado com o caso federal, deixou de lado esquema tucano. Entre os réus, figuram o publicitário Marcos Valério e o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia
15 DE OUTUBRO DE 2013 ÀS 05:38
por Lúcia Azevedo, especial para a Rede Brasil Atual
Belo Horizonte – A fase de audiência de testemunhas de um dos processos do mensalão do PSDB, em tramitação na 9ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte, pode ser encerrada ainda este ano. O esquema de arrecadação ilegal de recursos para a campanha à reeleição, em 1998, do então governador mineiro, Eduardo Azeredo, e seu vice, Clésio Andrade, do PMDB, tem um emaranhado de ações judiciais. O hoje deputado Azeredo e o atual senador Clésio Andrade respondem a processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Embora tenha tido como relator inicial Joaquim Barbosa, o mesmo da Ação Penal 470, o mensalão do governo federal parece ter despertado mais vontade no ministro, que acabou deixando de lado o julgamento do caso mineiro, sete anos mais antigo e tido por ele mesmo como a gênese das irregularidades que depois seriam levadas a Brasília.
Ontem (14), a juíza Neide da Silva Martins ouviu testemunhas de defesa de três réus, implicados na liberação de recursos da Companhia de Água e Saneamento de Minas (Copasa), e Companhia Mineradora de Minas (Comig), em 1998, para patrocínio de eventos esportivos. De acordo com a denúncia do Ministério Público, essa era uma das vertentes do desvio de recursos para a campanha eleitoral, que também utilizava empréstimos fictícios e recursos ilegais de empresas privadas. Segundo a juíza, cerca de 50 testemunhas de acusação e de defesa já foram ouvidas. Ela espera encerrar a fase de oitivas até novembro e marcou a próxima audiência para dia 21 de novembro.
A próxima fase será de interrogatório dos réus, o que deverá ocorrer no ano que vem. O caso mineiro envolve personagens conhecidos como o empresário Marcos Valério e ex-diretores do Banco Rural. O esquema mineiro foi denunciado em 2007, pelo Ministério Público Federal, com base em investigação da Polícia Federal e desdobrado em diversos processos que tramitam nos judiciários de Minas e Brasília.
Na 9ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas, onde o processo é público, os réus respondem a ação penal pelo crime de peculato – praticado por funcionários públicos contra a administração pública –, em primeira instância. Entre eles o ex-vice-governador Walfrido dos Mares Guia, o ex-secretário de Estado e coordenador financeiro da campanha de 1998, Cláudio Mourão, o ex-secretário da Casa Civil e Comunicação Eduardo Guedes, ex-presidentes e ex-diretores do extinto banco estadual Bemge, e das empresas públicas Copasa e Comig. Por serem parlamentares e possuírem foro privilegiado, o deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e o senador Clésio Andrade (PMDB-MG) são réus em ação penal no STF.
De acordo com o promotor do Patrimônio Público do Ministério Público Estadual, João Medeiros, falta ouvir testemunhas de dois réus apenas. Sobre o andamento dos processos, ele avalia que a tramitação na justiça estadual não pode ser comparada ao andamento processual do STF, onde estão as ações contra Eduardo Azeredo e Clésio Andrade. “São ritos diferentes e o processo em Minas está andando. São muitos réus e já foram juntadas muitas alegações. É um ritmo normal que, infelizmente, não anda como deveria, mas esse não é um problema somente da Justiça em Minas, mas uma realidade no Brasil”, justifica.
À exceção dos parlamentares, também são réus no processo que tramita na 9ª Vara Criminal de Belo Horizonte os ex-diretores da empresa de publicidade SMP&B Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz; o ex-diretor financeiro da Copasa Fernando Moreira Soares; os ex-diretores da Comig Lauro Wilson de Lima Filho e Renato Caporali; os ex-diretores do extinto banco estadual Bemge José Afonso Bicalho, Jair Afonso de Oliveira, Sylvio Romero e o ex-gerente comercial Eduardo Mundim. Eles são acusados de serem corresponsáveis pela liberação de recursos para os eventos esportivos Enduro da Independência, Iron Biker – Desafio das Montanhas e Campeonato Mundial de Motocros, em 1998/99.
A denúncia do MPF, formulada quase uma década após o início do esquema, diz respeito ao desvio de recursos públicos do estado de Minas Gerais, diretamente ou de empresas estatais, que foram para a campanha eleitoral do então governador de Minas, Eduardo Azeredo. Naquela ocasião, o PSDB declarou ter utilizado R$ 8,5 milhões, mas ao menos R$ 53 milhões foram aplicados de forma fraudulenta em empresas de Marcos Valério. O que implica o então governador diretamente no caso é um recibo assinado por ele, de R$ 4,5 milhões, para a SMP&B e a DNA, agências de publicidade de Valério.
Outra vertente do esquema era o repasse de verbas de empresas privadas com interesses econômicos nos negócios do governo estadual, como empreiteiras e construtoras. As operações ocorriam por intermédio das empresas de Marcos Valério e seus sócios à época, Clésio Andrade, Cristiano Paz e Ramon Holllerbach, em conjunto com o Banco Rural, que autorizava empréstimos fictícios.
Segundo o MPF, eles utilizavam serviços profissionais e remunerados de lavagem de dinheiro operados pelos sócios da SMP&B Comunicação para garantir uma aparência de legalidade às operações, inviabilizando a identificação da origem e a natureza dos recursos. Dos cofres públicos, foram identificados pelo menos R$ 3,5 milhões. O destino do dinheiro foi a campanha eleitoral derrotada de reeleição da chapara Azeredo-Clésio Andrade.
O presidente do PSDB de Minas, deputado federal Marcus Pestana, nega a existência do esquema tucano. “Não houve mensalão em Minas. O Eduardo Azeredo era candidato a governador e não tratava de finanças da campanha. Outras pessoas cuidaram disso e, se porventura erraram, vão pagar por isso. O Azeredo é uma das pessoas mais honradas que conheço e esse assunto está sendo tratado na Justiça”, afirmou.
À época da apuração, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, hoje aposentado, denunciou o envolvimento de Eduardo Azeredo e Walfrido dos Mares Guia, então governador e vice-governador, respectivamente, por desvios de recursos públicos da Copasa e da Comig, no total de R$ 1,5 milhão de cada, e o desvio de R$ 500 mil do Grupo Financeiro do Banco do Estado de Minas Gerais – Bemge. Os crimes apontados foram peculato, lavagem de dinheiro e, no caso dos ex-diretores dos bancos, gestão fraudulenta e temerária. Tais denúncias resultaram em diversas ações que estão em andamento tanto na esfera estadual quanto federal da Justiça, bem como no Supremo.
O líder do Bloco Minas Sem Censura, de oposição ao governo estadual do PSDB, deputado estadual Sávio Souza Cruz (PMDB), discorda: “Está demonstrado que o ‘valerioduto’ foi inventado em Minas Gerais, no governo do PSDB, que tinha à frente o governador Eduardo Azeredo.” E critica a lentidão do julgamento do caso mineiro, ao menos cinco anos anterior ao caso do PT. “Eles estão conseguindo, até agora, omitir o escândalo original da utilização do ‘valerioduto’, que é a triangulação de empresas de publicidade, bancos, com desvio de recursos públicos, que é basicamente a lógica do esquema. Isso foi inventado em Minas pelos tucanos. É incrível que esses atores ainda tenham a hipocrisia de vir a público exigir apuração séria do caso petista, se posicionar contra embargos e supressão de instâncias.”
O senador Clésio Andrade, hoje no PMDB, é apontado pelo Ministério Público Federal como um dos participantes do esquema mineiro de desvio de verbas públicas e lavagem de dinheiro na campanha de 1998, quando foi candidato a vice-governador na chapa de Azeredo. Sávio Souza Cruz, crítico da lentidão do Judiciário estadual, questiona a razão de o senador Clésio estar sendo julgado no STF: “Ele não era parlamentar, era simples candidato a vice-governador pelo então PFL e que não teve êxito. O que ouvi de pessoas ligadas a ele é que ele espera ser absolvido e gostaria de ser julgado antes de 2014. Na época ele não era do PMDB, veio depois, mas a gente espera que isso ocorra e que ele demonstre sua inocência nesse processo.”
Na Câmara dos Deputados, em Brasília, a assessoria de comunicação de Eduardo Azeredo informou que o parlamentar aguarda o pronunciamento da Justiça para falar do assunto. No Senado, a assessoria de comunicação de Clésio Andrade informou que ele estava em trânsito, solicitou envio de e-mail, mas ainda não havia retornado até o fechamento desta reportagem.
Como funcionava
O tamanho do patrocínio, em 1998, para o Enduro Internacional da Independência, foi o que chamou atenção da Polícia Federal para o esquema. A SMP&B Publicidade tinha direito de exploração exclusiva do evento, para onde foi repassado o dinheiro de patrocínio das empresas estatais, em torno de dez vezes mais que os valores destinados à realização da prova. Também foram incluídos outros dois eventos, o Iron Biker – O Desafio das Montanhas e o Campeonato Mundial de Supercross, na tentativa de despistar sobre o volume de recursos destinado ao Enduro.
Mas as investigações da PF revelaram movimentações financeiras diretamente relacionadas com o Campeonato Mundial de Supercross, em transações envolvendo a Lonton Trading e a empresa Action Group International Limited, a SMP&B, numa triangulação contábil que evidenciou o ciclo da lavagem de dinheiro.
Ao citar o funcionamento do esquema em Minas na denúncia de 2007, o MPF descreveu: “Com os supostos contratos de publicidade aprovados, Marcos Valério antecipava recursos financeiros aos participantes do esquema e para a campanha de Eduardo Azeredo e Clésio Andrade, distribuindo-os a seus ‘colaboradores’. Para tanto, efetuava empréstimos junto a instituições financeiras que posteriormente eram pagos com os recursos públicos obtidos ilicitamente ou pela própria instituição bancária. Neste último caso, os recursos da instituição financeira eram transferidos por meio de contratos simulados de publicidade, simulacro de acordos no Judiciário e amortizações onerosas para a instituição financeira.”
Os ex-diretores do Grupo Rural e do Grupo Bemge também foram acusados de crimes contra o sistema financeiro nacional, por empréstimos temerários, com objetivo de movimentar recursos para a campanha eleitoral ao governo do estado e remunerar os acusados por serviços prestados.
A ligação entre os mensalões
Os personagens dos dois esquemas, o federal e o estadual, estão interligados via diferentes processos que tramitam no Judiciário. Quando o STF abriu investigação sobre a denúncia relacionada ao PT, determinou o desmembramento do inquérito em vários outros, que foram remetidos às procuradorias da República nos estados para as investigações.
Durante a apuração em Minas, o Ministério Público Federal encontrou a ligação entre os dois esquemas, com a diferença de que o de Eduardo Azeredo e outras 14 pessoas denunciadas ocorreu em 1998. O então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, afirmava que “(...) o esquema delituoso verificado no ano de 1998 foi a origem e o laboratório dos fatos descritos na denúncia já oferecida em inquérito”, que resultou na Ação 470. E com participação dos mesmos personagens: Marcos Valério, suas empresas e o Banco Rural. Porém, o procedimento final do STF foi diferente nos dois casos. Enquanto todos os réus do esquema federal foram julgados pela própria Corte, o caso do PSDB acabou desmembrado, e apenas réus com foro privilegiado respondem ao Supremo.
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