Trata-se de uma revolta de elite e da classe média estabelecida em favor da preservação dos seus mecanismos de distinção e privilégios materiais e morais.
A crise financeira internacional de 2008 ao mesmo tempo em que explicitou as contradições do capitalismo financeirizado abriu as portas para um novo ciclo de lutas globais: Tunísia, Egito, Bahrein, Iêmen, Líbia, Síria, Espanha, Grécia, EUA, foram palco de diversas experiências de lutas contra ditaduras políticas, recessões econômicas e exclusões urbanas.
Merecem destaque nesse caldeirão as experiências que conseguiram converter insurgências sociais em disputas institucionais mais amplas, passando da micropolítica dispersa para a macropolítica robusta com capacidade de afrontar as estruturas do poder e do capital, como nos casos do Podemos espanhol, do Syriza grego e do Occupy Wall Street norte-americano.
A despeito das inúmeras diferenças entre esses movimentos (alguns dos quais partidos-movimentos), há uma espécie de mínimo denominador comum que os alinhava: parte significativa dessas iniciativas surgiram de baixo para cima se revoltando contra políticas de viés liberal, conservador e direitista.
De alguma forma, o Brasil se inscreve também nesse cenário de lutas globais, sobretudo a partir das Jornadas de Junho de 2013 que trouxeram consigo o esboço de novas formas de organização e ativismo e também uma nova agenda articulando direitos urbanos e direitos humanos, municipalismo associativista e liberdades individuais.
No entanto, nessas plagas tropicais, as forças de esquerda no poder, salvo raras exceções, tiveram pouca capacidade e pouca sensibilidade para perceber o surgimento desses novos atores sociais e dessa nova agenda pública.
O principal partido de esquerda, PT, ensimesmado nas suas estruturas burocráticas assustou-se com o fato inédito de não ser ele o protagonista das primeiras convocações para a ocupação das ruas, e, ao invés de avançar na disputa de hegemonia na sociedade preferiu de saída repulsar as novidades as tachando de ações direitistas; em movimento análogo, os governos petistas, na prefeitura de São Paulo e no âmbito federal, optaram pelo apego iluminista à tecnocracia de planilhas e deram respostas de políticas públicas equivocadas, erráticas e/ou atrasadas.
Essa combinação de medo e preguiça fez com que o pêndulo de uma disputa em aberto oscilasse paulatinamente para a direita, que, a partir de uma associação entre elites, classes médias, mídia e judiciário aprenderam a se apropriar da gramática política das ruas. O segundo turno eleitoral em 2014 evidenciou esse conjunto de tensões, a temperatura política e social seguiu aumentando em 2015 e no início desse ano, delineando o avanço do autoritarismo político e do conservadorismo social que agora explicitam suas faces golpistas e anti-democráticas. Vale destacar: as derrapadas políticas e ambivalências econômicas apresentadas pelo Governo Dilma só contribuíram para jogar água no moinho da crise institucional e social em que agora nos encontramos.
Desse modo, os setores mais progressistas da sociedade se percebem diante de um quadro bastante complexo: se, por um lado, o PT e o governo precisam ser criticados, por outro lado, é preciso atentar para que nessa conjuntura tais críticas podem alimentar o caldeirão do anti-petismo que tem servido somente ao ódio e à intolerância; mais ainda: se, por um lado, Lula e Dilma foram tímidos em nome da conciliação ampla e até mesmo retrocederam em certas agendas, por outro lado, ataca-los nessa conjuntura significa colocar sob risco a própria normalidade do funcionamento das instituições políticas do país. Não resta dúvidas de que nesse momento defender Lula e o governo Dilma significa defender o Estado de Direito Brasileiro e o tripé que o organiza: as instituições democráticas, a constituição federal e a consolidação das leis trabalhistas.
Nesse sentido, é importante explicitar: as forças que hoje lutam pela obstrução e pela queda do governo, e que atuam pela criminalização e pela judicialização da esquerda, o fazem não em nome daquilo que o PT e o governo têm de problemático, mas sim em nome daquilo que ele tem de positivo: as conquistas sociais e econômicas que permitiram a redução da miséria, da pobreza e da desigualdade, em consonância com a ampliação de direitos. É contra isso que se insurge e que se instala um Estado de Exceção no Brasil capitaneado por juízes, promotores e procuradores que se insurgem contra os direitos e a favor dos privilégios seculares que fazem parte da rotina política e social do país.
A prova desse argumento se evidencia em uma visada de olhos quando se observa o perfil dos manifestantes que foram às ruas nesse último domingo (13/03/2016), trata-se majoritariamente de homens, brancos, adultos ou de meia-idade, de classe média e alta, com acesso à boa escolaridade. Além disso, são atores sociais que aderem menos a partidos políticos e movimentos organizados e mais a lideranças individuais midiáticas e muito conservadoras, esse grupo social prefere o mundo dos negócios ao universo da política institucional, nessa conjuntura se sentem mais representados pelo judiciário, pelas policias e pela igreja do que pelos poderes executivo, legislativo e pelos representantes eleitos. Em última instância, preferem defender a arena privada da família e dos “bons costumes” à esfera pública da política e da democracia (vide pesquisa Datafolha).
É curioso e sintomático que uma parcela da sociedade acredite que há hoje em curso no Brasil um processo de combate à corrupção, trata-se de uma percepção distorcida e equivocada. Não há combate à corrupção possível a ser protagonizada por juízes com relações partidárias, policiais federais descontrolados, promotores que agem ao arrepio de lei, tudo isso apoiado por lideranças político-partidárias e parlamentares investigadas por desvio de recursos públicos e outros tantos mal-feitos, todos endossados por uma parcela da elite e da classe média que não cansa de reproduzir as ilicitudes do dia-a-dia, com seus pequenos subornos, sonegações de impostos e toda sorte das pequenas imoralidades presentes no tal “jeitinho” de quem gosta de se apresentar seguindo a lógica da “carteirada” e do “você sabe com quem está falando?”.
Disso decorre a pergunta: o que se quer combater de fato quando se fala em corrupção? Ora, trata-se de uma revolta de elite e da classe média estabelecida em favor da preservação dos seus mecanismos de distinção e privilégios materiais e morais. No período de crescimento econômico, ainda que indignadas, as frações da elite brasileira conviveram com a mobilidade social e a ascensão das classes populares, mas no momento de reversão do ciclo econômico, quando o emprego, a renda e a mobilidade passaram a se desacelerar o acotovelamento geral se converteu em revolta e ódio contra os de baixo. Isso não significa que as classes populares e trabalhadoras estejam satisfeitas com o rumo do governo e do país, mas a se considerar o perfil dos manifestantes do último domingo, fica claro que quem está catalisando os impulsos e desejos golpistas é parte significativa das camadas mais abastadas.
Esse é mais um dos paradoxos brasileiros, ao contrário do que se passa em parte dos ciclos de lutas globais, aqui temos uma revolta da elite e da classe média contra um governo de viés progressista e de esquerda. Essa inversão revela como parte da elite nacional tem nomeado de indignação aquilo que na verdade traduz a sua própria indignidade.
Merecem destaque nesse caldeirão as experiências que conseguiram converter insurgências sociais em disputas institucionais mais amplas, passando da micropolítica dispersa para a macropolítica robusta com capacidade de afrontar as estruturas do poder e do capital, como nos casos do Podemos espanhol, do Syriza grego e do Occupy Wall Street norte-americano.
A despeito das inúmeras diferenças entre esses movimentos (alguns dos quais partidos-movimentos), há uma espécie de mínimo denominador comum que os alinhava: parte significativa dessas iniciativas surgiram de baixo para cima se revoltando contra políticas de viés liberal, conservador e direitista.
De alguma forma, o Brasil se inscreve também nesse cenário de lutas globais, sobretudo a partir das Jornadas de Junho de 2013 que trouxeram consigo o esboço de novas formas de organização e ativismo e também uma nova agenda articulando direitos urbanos e direitos humanos, municipalismo associativista e liberdades individuais.
No entanto, nessas plagas tropicais, as forças de esquerda no poder, salvo raras exceções, tiveram pouca capacidade e pouca sensibilidade para perceber o surgimento desses novos atores sociais e dessa nova agenda pública.
O principal partido de esquerda, PT, ensimesmado nas suas estruturas burocráticas assustou-se com o fato inédito de não ser ele o protagonista das primeiras convocações para a ocupação das ruas, e, ao invés de avançar na disputa de hegemonia na sociedade preferiu de saída repulsar as novidades as tachando de ações direitistas; em movimento análogo, os governos petistas, na prefeitura de São Paulo e no âmbito federal, optaram pelo apego iluminista à tecnocracia de planilhas e deram respostas de políticas públicas equivocadas, erráticas e/ou atrasadas.
Essa combinação de medo e preguiça fez com que o pêndulo de uma disputa em aberto oscilasse paulatinamente para a direita, que, a partir de uma associação entre elites, classes médias, mídia e judiciário aprenderam a se apropriar da gramática política das ruas. O segundo turno eleitoral em 2014 evidenciou esse conjunto de tensões, a temperatura política e social seguiu aumentando em 2015 e no início desse ano, delineando o avanço do autoritarismo político e do conservadorismo social que agora explicitam suas faces golpistas e anti-democráticas. Vale destacar: as derrapadas políticas e ambivalências econômicas apresentadas pelo Governo Dilma só contribuíram para jogar água no moinho da crise institucional e social em que agora nos encontramos.
Desse modo, os setores mais progressistas da sociedade se percebem diante de um quadro bastante complexo: se, por um lado, o PT e o governo precisam ser criticados, por outro lado, é preciso atentar para que nessa conjuntura tais críticas podem alimentar o caldeirão do anti-petismo que tem servido somente ao ódio e à intolerância; mais ainda: se, por um lado, Lula e Dilma foram tímidos em nome da conciliação ampla e até mesmo retrocederam em certas agendas, por outro lado, ataca-los nessa conjuntura significa colocar sob risco a própria normalidade do funcionamento das instituições políticas do país. Não resta dúvidas de que nesse momento defender Lula e o governo Dilma significa defender o Estado de Direito Brasileiro e o tripé que o organiza: as instituições democráticas, a constituição federal e a consolidação das leis trabalhistas.
Nesse sentido, é importante explicitar: as forças que hoje lutam pela obstrução e pela queda do governo, e que atuam pela criminalização e pela judicialização da esquerda, o fazem não em nome daquilo que o PT e o governo têm de problemático, mas sim em nome daquilo que ele tem de positivo: as conquistas sociais e econômicas que permitiram a redução da miséria, da pobreza e da desigualdade, em consonância com a ampliação de direitos. É contra isso que se insurge e que se instala um Estado de Exceção no Brasil capitaneado por juízes, promotores e procuradores que se insurgem contra os direitos e a favor dos privilégios seculares que fazem parte da rotina política e social do país.
A prova desse argumento se evidencia em uma visada de olhos quando se observa o perfil dos manifestantes que foram às ruas nesse último domingo (13/03/2016), trata-se majoritariamente de homens, brancos, adultos ou de meia-idade, de classe média e alta, com acesso à boa escolaridade. Além disso, são atores sociais que aderem menos a partidos políticos e movimentos organizados e mais a lideranças individuais midiáticas e muito conservadoras, esse grupo social prefere o mundo dos negócios ao universo da política institucional, nessa conjuntura se sentem mais representados pelo judiciário, pelas policias e pela igreja do que pelos poderes executivo, legislativo e pelos representantes eleitos. Em última instância, preferem defender a arena privada da família e dos “bons costumes” à esfera pública da política e da democracia (vide pesquisa Datafolha).
É curioso e sintomático que uma parcela da sociedade acredite que há hoje em curso no Brasil um processo de combate à corrupção, trata-se de uma percepção distorcida e equivocada. Não há combate à corrupção possível a ser protagonizada por juízes com relações partidárias, policiais federais descontrolados, promotores que agem ao arrepio de lei, tudo isso apoiado por lideranças político-partidárias e parlamentares investigadas por desvio de recursos públicos e outros tantos mal-feitos, todos endossados por uma parcela da elite e da classe média que não cansa de reproduzir as ilicitudes do dia-a-dia, com seus pequenos subornos, sonegações de impostos e toda sorte das pequenas imoralidades presentes no tal “jeitinho” de quem gosta de se apresentar seguindo a lógica da “carteirada” e do “você sabe com quem está falando?”.
Disso decorre a pergunta: o que se quer combater de fato quando se fala em corrupção? Ora, trata-se de uma revolta de elite e da classe média estabelecida em favor da preservação dos seus mecanismos de distinção e privilégios materiais e morais. No período de crescimento econômico, ainda que indignadas, as frações da elite brasileira conviveram com a mobilidade social e a ascensão das classes populares, mas no momento de reversão do ciclo econômico, quando o emprego, a renda e a mobilidade passaram a se desacelerar o acotovelamento geral se converteu em revolta e ódio contra os de baixo. Isso não significa que as classes populares e trabalhadoras estejam satisfeitas com o rumo do governo e do país, mas a se considerar o perfil dos manifestantes do último domingo, fica claro que quem está catalisando os impulsos e desejos golpistas é parte significativa das camadas mais abastadas.
Esse é mais um dos paradoxos brasileiros, ao contrário do que se passa em parte dos ciclos de lutas globais, aqui temos uma revolta da elite e da classe média contra um governo de viés progressista e de esquerda. Essa inversão revela como parte da elite nacional tem nomeado de indignação aquilo que na verdade traduz a sua própria indignidade.
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