Peter Sloterdijk: “O regresso à frivolidade não vai ser fácil”
Para o grande filósofo alemão é evidente a necessidade de um “escudo universal para a humanidade”.
Peter Sloterdijk em uma foto de 2019.VICENS GIMENEZ / © VICENS GIMENEZ
Do outro lado do telefone, a voz de
Peter Sloterdijk está fraca. O grande filósofo alemão explica que não está
muito bem neste dia, mas imediatamente desata a falar e lança as ideias que o
novo universo da pandemia estruturam
em sua cabeça.
No centro, um conceito que já havia trazido à tona e que agora
assume um novo significado, o da coimunidade, do compromisso
individual voltado à proteção mútua, que marcará a nova maneira de estar no
mundo, segundo o autor de Crítica da Razão Cínica e da
trilogia de Esferas.
Sloterdijk (72 anos, Karlsruhe) não acha que o
mundo se tenha tornado grande demais para nós, nem que tenha chegado a hora do
recolhimento nacional. Pelo contrário, acredita que a extrema interdependência
ficou evidente e requer “uma declaração geral de dependência universal”.PERGUNTA. A dimensão da pandemia paralisou e atordoou as sociedades. O que
acontecerá quando despertarmos e o medo diminuir?
RESPOSTA. O mundo em sua concepção como gigantesca esfera de consumo se
baseia na produção coletiva de uma atmosfera frívola. Sem frivolidade, não há
público nem população que mostre inclinação ao consumo. O vínculo entre a atmosfera frívola e
o consumismo foi rompido. Todo o mundo espera agora que esse vínculo volte a
ser reconectado, mas vai ser difícil. Depois de uma disrupção tão grande, o
retorno aos padrões de frivolidade não será fácil.
P. Nessa esfera
frívola, pensávamos ser capazes de controlar a natureza com tecnologia
sofisticada, mas o vírus nos deixou de joelhos.
Nossa maneira de estar no mundo mudará?
R. O problema é
a atmosfera frívola e que não aprendamos nada novo com esta pandemia. Se
olharmos para a história das sociedades modernas, elas estiveram impregnadas de
surtos relativamente regulares, mas, no passado, as pessoas tendiam a voltar
aos seus hábitos comuns de existência. O novo agora é que vemos que, por causa
da globalização, a interconectividade das vidas humanas na Terra é mais forte e
precisamos de uma consciência compartilhada da imunidade. A imunidade será a
grande questão filosófica e política após a pandemia.
P. Como essa ideia de proteção mútua se insere na situação atual?
·
· R. O conceito
de coimunidade implica aspectos de solidariedade biológica e
de coerência social e jurídica. Essa crise revela a necessidade de uma prática
mais profunda do mutualismo, ou seja, proteção mútua generalizada, como digo
em Você Tem que Mudar a Sua Vida.
“A imunidade será a grande questão filosófica e política após a
pandemia”
P. A comunidade
internacional parece caminhar na direção oposta. Atualmente, vemos mais competição do que cooperação.
R. Vejo, no
futuro, a competição pela imunidade ser substituída por uma nova consciência da
comunidade, pela necessidade de promover a comunidade, fruto da observação de
que a sobrevivência é indiferente às nacionalidades e às civilizações.
P. Hoje os
países fecham as suas fronteiras e se recolhem a si mesmos.
R. Sim, mas as fronteiras são para os moradores de ambos os lados. Não
devemos interpretar de modo errado. O bem-estar da saúde nacional também ajuda
os vizinhos. Se controlamos nossos problemas de saúde, também ajudamos nossos
vizinhos, e não devemos interpretar esse auto-cuidado como uma regressão
nacionalista. Ao contrário, se todos forem cuidadosos em seu território, darão
uma enorme contribuição aos demais.
P. O
Estado-Nação reemerge com força no meio da emergência, mas, ao mesmo tempo,
nunca os países dependeram tanto uns dos outros.
R. Nos dois
últimos séculos, a maior preocupação das entidades políticas, dos
Estados-nação, girou em torno da independência. No futuro, precisamos de uma
declaração geral de dependência universal; a ideia básica de comunidade. A
necessidade de um escudo universal que proteja todos os membros da comunidade
humana não é mais algo utópico. A enorme interação médica em todo o mundo está
provando que isso já funciona.
P. Nossas
democracias correm perigo ou as liberdades serão reabilitadas após os estados
de alarme?
R. Em todo o
mundo, agora, estão lembrando que a necessidade de um Estado forte é algo que
acompanhará nossa existência por um longo período, porque parece que é único
disponível para solucionar problemas. Isso é complicado porque poderia
corromper nossas demandas democráticas. No futuro, o público em geral e a
classe política terão a tarefa de monitorar um retorno claro às nossas
liberdades democráticas.
P. As forças populistas agora parecem deslocadas, mas cresce o medo de que
se alimentem da frustração. Que impacto o senhor acha que a pandemia terá no
populismo?
R. Todo mundo
precisa entender que esses movimentos não são operacionais, que têm atitudes
pouco práticas, que expressam insatisfações, mas que de modo algum são capazes
de resolver problemas. Acho que serão os perdedores da crise. O público terá
entendido que você não pode esperar nenhuma ajuda deles.
Fonte: El País
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