Um governador omisso
Tudo bem que Romeu Zema foi eleito governador de Minas Gerais no susto, mas devia ter sido responsável o suficiente para não aceitar uma situação para qual não estava preparado. Ou, segundo seus próprios termos, “estar recusando o cargo”. No entanto, escolheu a pior forma de se eximir de suas atribuições: não governa de fato.
São muitos os exemplos de sua inépcia, ineficácia e inaptidão para a tarefa. Único representante do Partido Novo à frente de um executivo estadual, Zema chegou com a bandeira do desprezo pelo setor público e a voracidade em privatizar tudo. O discurso que o elegeu se tornou o mantra de sua sustentação: atacar o governo que saía.
O que tinha a oferecer era a experiência com suas lojas e postos de gasolina. Para isso, a tarefa de liderar o setor público foi traduzida na lógica do comércio de miudezas: acertar as contas, administrar pessoal e facilitar a vida do empresariado. Tudo para que ele continuasse com seus negócios em paz, com isenções na medida do possível e sem empecilhos burocráticos. E, é claro, privatizar tudo. Nada de projetos para educação, saúde, transporte, segurança, habitação e cultura. O mínimo de Estado.
Jogado no colo de uma função para a qual não tem estatura, Zema tinha ainda como dificuldade a falta de uma turma para chamar de sua, na política e na gestão. Tentou apostar no falso discurso da meritocracia, com processos seletivos entregues a empresas privadas de RH que viram aí um filão original, uma cunha para expandir seus projetos em direção ao setor público, cada vez mais lucrativo no mercado convulsionado do desemprego e da panaceia dos concursos públicos. Há quem diga que eles trabalharam de graça.
Tudo jogo de cena. O governador acabou por se render aos políticos de sempre, às indicações de regra e aos compromissos habituais. Montou uma máquina de pessoas inexperientes e, para piorar, sem qualquer habilidade de negociação, o que o isolou ainda mais no concerto dos poderes, desagradando bancadas, corporações e até mesmo aliados de seu próprio partido que, muitas vezes, votaram contra ele em projetos estratégicos.
Já nos primeiros testes, o novo gestor disse a que veio. Teve atuação vergonhosa no crime da Vale em Brumadinho, atuando como defensor da empresa e da continuidade de sua ação deletéria em termos ambientais, econômicos e humanos. Não foi capaz de demonstrar empatia nem de apontar um reordenamento racional da atividade mineradora. Nem mesmo uma ação dura de fiscalização, acompanhamento e cobrança de responsabilidades.
Com as pesadas chuvas que caíram sobre o estado, repetiu sua atuação de sobrevoo. Se apegou à crise fiscal (tudo é motivo para assacar sua obsessão por contas que não fecham e cobrança do governo anterior) e aprofundou os laços de vassalagem ao governo federal, como menino incapaz de assumir responsabilidades, sempre dependente do irmão mais velho.
Mais uma vez faltou competência e compaixão, não assumiu o papel de líder, não deu a mão, não ofereceu inteligência, nem abriu o caixa. Sempre inadequado em suas manifestações públicas de insensibilidade, Zema dessa vez se excedeu. Queixou-se, ao vivo na TV, de ter sujado os sapatos. Sua imagem, entretanto, já estava enlameada.
Saindo da rota das grandes tragédias naturais e crimes ambientais, o governador preferiu trocar o papel de formulador de políticas sociais pelo de contador geral da caderneta de dever/haver do estado. Na educação, extinguiu dezenas de milhares de vagas de ensino integral. Confessou desconhecer a Fundação Ezequiel Dias (Funed), a mais antiga referência em saúde pública de Minas Gerais. Jurou de pés juntos entregar a Cemig e a Copasa ao mercado.
Sempre que o governador vem a público, o cidadão mineiro já sabe o que esperar: vai falar do atraso da escala de pagamento de servidores, de 13º salário e reafirmar a submissão ao projeto do governo federal em manietar o desenvolvimento de Minas, impedindo investimento, congelando salários de servidores e privatizando estatais. O grande projeto de Zema é não fazer. O plano de recuperação fiscal é seu sonho de consumo para ficar quieto esperando a chuva passar.
A atual situação da pandemia da covid-19 poderia dar ao governador a chance de se redimir da mediocridade que expressou até agora. No entanto, o que os mineiros estão vendo é confirmação de uma rota de equívocos, a sedimentação de um comportamento de fuga à responsabilidade e a ausência do propósito de liderar esforços e propor uma atuação conjunta com a sociedade e os municípios. Parece ter assumido o lugar de espectador, torcendo para que tudo passe logo.
Chegou, no olho do furacão da pandemia, a ir a Brasília para conversar com Bolsonaro, mas tratou apenas da dívida do estado, como se o novo coronavírus fosse apenas um detalhe. E para mostrar que além de saúde não entende nada de política, trouxe na bagagem seu apoio explícito aos devaneios ditatoriais de Bolsonaro, recusando duas vezes se aliar aos seus pares governadores. Antes do galo cantar, deve negar a democracia pela terceira vez.
De volta para casa, tem falhado na montagem de uma estrutura de isolamento social, de testagem, de atendimento clínico, de proteção dos profissionais de saúde e de garantia de condições de vida para a população. Os dados são aparentemente inconfiáveis, com uma desproporção absurda ente casos suspeitos e confirmados. Não se trata de uma divergência razoável, mas que chega a quase dez vezes.
Minas Gerais testa pouco e Zema disse que não há dinheiro para testar mais, quando todos os estados anunciam programas na área. A instituição que deveria receber investimento para os testes, a Funed, no entanto, não faz parte do repertório de conhecimento do governador. A irresponsabilidade da negação em expandir os exames (deveria se esforçar para fazê-los e não descartar sumariamente a orientação da OMS), sugere a intenção de esconder a situação real da doença.
Num estado que tem hospitais apenas em cidades-polo, ele não se prontificou a organizar uma rede de atendimento regionalizada, a partir da fundação hospitalar do estado, a Fhemig. Não investiu em hospitais de campanha, como temos visto em outras regiões (chegou a dificultar a criação de uma unidade da PBH no Mineirão, administrado pelo estado), não treinou ou convocou profissionais de saúde. Não se tem notícia da compra de respiradores e outros insumos imprescindíveis, como temos visto em muitos estados, que se mobilizam heroicamente para buscar as máquinas que podem salvar vidas de seus cidadãos. Usa os dados preliminares, aparentemente tranquilizadores, como biombo para sua inação. Diz que Minas fez seu dever de casa, quando na realidade, até hoje, ele não protagonizou nenhuma ação.
Sua única atitude assertiva tem sido a que aponta para a saída do isolamento social. O gestor tem pressa em retomar as atividades econômicas, em abrir o comércio, em ver as pessoas circulando nas ruas. Anunciou a divulgação de protocolos de flexibilização e chegou a comemorar o fato de que as UTIs do estado estão subutilizadas para covid-19. Dados, novamente confusos, que vão de 3% a 86% de acordo com a fonte e a região do estado. O otimismo nunca é o melhor conselheiro em matéria de epidemiologia. A morte é irreversível.
Seus números e opiniões sobre questões referentes à doença já receberam repetidas censuras de especialistas e cientistas. Assim como o presidente, Zema parece olhar o presente com olhos insensíveis postos no depois de amanhã: mortes inevitáveis e lojas abertas. A defesa do falso dilema entre economia e vida apenas esconde a incapacidade de explicitar que o que está em jogo é a oposição entre o lucro ou as pessoas.
Nessa cruzada em direção à insensatez, o gestor estadual convocou professores para voltar às escolas sem qualquer planejamento prévio de trabalho a ser feito. Foi impedido pela Justiça, mas deve voltar à carga. Não é um modo de valorizar a educação das crianças que estão em casa, mas de se vingar de uma categoria que tem sido crítica ao governo. O movimento seguinte foi ameaçar com o atraso do pagamento. Em alguns momentos a ruindade rima com a maldade.
A democracia permite, ao longo do tempo, a correção dos rumos e o novo julgamento das propostas de governo, dos projetos para a sociedade, da definição de caminhos para a economia e do caráter dos governantes. Em alguns momentos, contudo, esse otimismo da história padece de um momento sem volta. A omissão, quando se trata da vida, pode ter consequências aterradoras e irreversíveis.
*João Paulo Cunha
2 comentários:
Zema e um cocô na praça é a mesma coisa, todos passa e vira o rosto. Essa merda não vale nada não tem atitude, aqui em BH tem o Kalil no Estado ninguém.
Disse tudo, Marcelo Ramos. Que ele apareça no Vale do Jequitinhonha para levar bosta,tomate podre e ovo gouro na cara!Eis aqui um ex-funcionário da MGS sendo obrigado à ser demitido da MGS pela lei na qual obriga o estado à dispensar 80 mil terceirizados da empresa e sem órgãos para realocação,fomos exonerados por injusta causa!
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