Em depoimento ao UOL, Tarso Genro diz que não vai à festa de 40 anos do partido e defende mudança no discurso
ESPECIAL PARA O UOLO Partido dos Trabalhadores faz 40 anos na próxima segunda-feira, 10 de fevereiro, e hoje começa uma grande festa no Rio de Janeiro. Mas eu não pretendo participar. Não me sinto identificado, hoje, com o tipo de visão que o PT construiu de si mesmo.
Acho
que o partido fez transformações democráticas muito positivas na
sociedade brasileira, em particular no governo do presidente Lula.
Mas também acho que ele teve que fazer uma série de modulações na
sua linha política que bloquearem a sua renovação.
Ao
longo destes 40 anos ocorreram composições e renúncias que nunca
ficaram esclarecidas. Não sei se algumas destas concessões não
foram renúncias de princípios. A festa de aniversário é uma boa
iniciativa e tenho certeza que nem vão dar grande importância para
a minha ausência.
Metade da missão cumprida
Já
tive muitas responsabilidades na política. Fui vereador,
vice-prefeito, prefeito, governador e ministro. Também fui
presidente do PT. Assumi como interino na época em que o mensalão
estava no auge [2005]. Eu tinha dois objetivos. Primeiro, concorrer
nas eleições internas. Foi inclusive o que o pessoal do grupo
hegemônico do partido me propôs. E também chamar o PED [Processo
de Eleições Diretas], que seria fundamental para reestruturar o
partido nos estados e na direção nacional.
Uma
missão eu cumpri: o PED foi feito, mas a ideia de reformar as
estruturas do partido não foi possível. Eu bati radicalmente com a
maioria que, vamos dizer assim, controlava o partido e achava
imprudente um processo de renovação/refundação.
Não
foram ações individuais de qualquer dirigente que impediram a
reestruturação. Na verdade, era o pacto hegemônico do partido que,
naquele momento, não pretendia se renovar. E na minha opinião, não
se renovou até hoje.
Isto
aí me fez recuar de ser candidato. Organizei as eleições internas
e voltei para Porto Alegre.
PT ficou obsoleto
A
"autocrítica" que eu defendi não significava transformar
o partido em delegacia de polícia. Quadros do PT cometeram erros ao
longo destes 40 anos e isso não é nenhuma novidade em qualquer
partido de qualquer ideologia. A reestruturação que eu defendia e
defendo vai bem além.
Nós
temos um discurso e um programa ancorado na época em que o partido
foi fundado e ainda agimos como se existisse uma classe trabalhadora
nas fábricas que teria potencial hegemônico na sociedade. Operamos
como se o nosso trabalho fosse organizar esta classe de pessoas para
lutar por uma utopia. Isto mudou radicalmente.
Não
adianta, por exemplo, o PT prometer se renovar e pregar a restauração
da CLT. Os processos de trabalho foram fragmentados e hoje temos
autônomos, horistas, PJs, precários, intermitentes... Trata-se,
neste caso, de organizar um outro sistema público protetivo que
envolva estes excluídos das legislações trabalhistas, que irão
aumentar.
Acho
que o partido não acompanhou estas mudanças. E, a esta nova
organização do trabalho, soma-se a tensão social resultante de
questões de gênero, cultura, preconceito racial e condição
sexual. Precisamos absorver as suas demandas e oferecer propostas
concretas.
Vou
exemplificar usando a declaração de um amigo dirigente do Partido
Socialista chileno sobre como eles foram atropelados pelas
manifestações que assolaram aquele país. "Fomos pegos de
surpresa, não sabemos o que ocorreu. Estamos fora. Queremos ficar
dentro."
Isto
é o que está acontecendo conosco também. Mas não é só o PT que
está fora. São mudanças que atingiram o mundo todo e levam toda
esquerda a dificuldades. Estamos falando em vão, com formas
discursivas que amplos setores da sociedade não prestam mais
atenção.
Luta pela hegemonia
Aqui
no Brasil também existe a possibilidade de movimentos de rebeldia
política e econômica. Eles não têm direção, um organizador, e
podem ser aproveitados pelo fascismo, como a equipe "ideológica"
em rede do [Jair] Bolsonaro está aproveitando até agora.
Temos
que aprender urgentemente como falar com este mundo novo do trabalho
nestes tempos de relações sociais em rede. A luta é pela
hegemonia. E a luta da hegemonia se faz através de valores.
Nós,
da esquerda, precisamos determinar nossos compromissos e buscar
convergências com outros campos políticos. Avaliarmos as condições
das alianças e decidirmos unir (ou não) forças sociais, dependendo
de cada situação concreta.
Acho
que a frente ampla do Uruguai é uma inspiração. É uma aliança
composta por organizações sociais, partidos e personalidades. Os
uruguaios, antes de nós, entenderam esta nova pluralidade, esta nova
fragmentação da sociedade e constituíram uma forma de organização
política que teve abrangência e princípios.
Eles
perderam as eleições ano passado, mas a sua derrota não permitiu a
ascensão do fascismo, que espreita sempre os momentos de crise. Eles
aglutinarem mais setores sociais e por isso suas conquistas
democráticas foram mantidas.
PT tem que aprender a dividir
Para
compor uma frente de esquerda o PT precisa trabalhar com a
possibilidade de não indicar o candidato em uma chapa na eleição
presidencial. E acho que se o PT não está preparado, tem que se
preparar para isto. Eu defendo Lula ou [Fernando] Haddad como
candidatos, mas nossa opinião tem que ser avalizada sinceramente por
todas as forças convergentes.
Não
é pelo fato de o PT ter o maior número de votos na esquerda, e ele
tem de fato, que deve ter sempre as cabeças de chapas. O partido tem
que conduzir o projeto de alianças pela questão programática e
avaliar qual candidato tem mais chance de vencer a eleição. Não
podemos ser hegemônicos pré-datados.
Esta
revisão de procedimentos vale para as políticas partidárias
internas também. O PT tem instâncias democráticas que funcionam,
mas eu creio que existe uma hegemonia que paira sobre estas
instâncias de como e "o quê" elas devem decidir. E esta
capacidade de influenciar recai, principalmente, sobre grupo
paulista.
Separando funções
Nestas
reflexões o PT também precisa compreender que há diferença entre
política partidária e políticas de governo. Até porque as
responsabilidades são diferentes. Você pode pegar a sucessão do
presidente Lula como exemplo.
O
nome da companheira Dilma foi aprovado pelo partido através de uma
proposta do presidente Lula, sem debate. Hoje, a opinião
generalizada do PT é que ela teve uma enorme dificuldade de
compreender de maneira adequada as diferenças internas que o partido
tinha.
Ela
não sofreu golpe exclusivamente por este motivo, mas como o partido
não conseguiu dialogar com a Dilma, e nem a presidenta com o
partido, não foi possível formar um núcleo político dirigente que
processasse a resistência. O Fernando Haddad era prefeito de São
Paulo, por exemplo, e ficou meses tentando marcar uma reunião com a
Dilma. Sem sucesso.
Agora,
você me pergunta se a presidenta Dilma é culpada? Eu não acho
isso. Acho que ela é vítima desta situação, que não foi
enfrentada de maneira adequada pelo conjunto dos nossos dirigentes.
Reestruturação levará 15 anos
Na minha opinião, verei a reestruturação do PT se viver até uns 90 anos [Tarso tem 72 anos]. Acho que estamos numa fase de transição e formulação de uma nova esquerda num momento em que o próprio capitalismo não se reacomodou. As relações pessoais em rede, a fragmentação das relações de trabalho estão em curso. As mudanças continuarão em ritmo acelerado, e nós correndo atrás delas.
Acho
que nos próximos 15 anos deveremos ter alguns governos mais ao
centro, mais à direita e ameaças fascistas como o governo
Bolsonaro. E acredito que o PT vai manter mais ou menos seu status e
eleitorado, permanecendo atuante na sociedade brasileira.
Até
pela força política do presidente Lula. Mas precisamos oferecer
respostas mais consistentes sobre a questão democrática e a
natureza da sociedade que desejamos.
Quase 60 anos de políticas
E
eu trabalho para buscar estas respostas. Continuo filiado ao partido,
me orgulho disso, tenho contatos com companheiros da direção
nacional, deputados e, eventualmente, com o próprio presidente Lula.
E pretendo continuar ajudando com as relações que mantenho.
Mas,
no momento, não tenho aspirações políticas que me seduzam a
concorrer nas eleições. As pessoas ouvem que não vou mais
concorrer e acham que estou "aposentado". Continuo
militante ativo e pensante.
Eu
e um grupo de companheiros elaboramos documentos que submetemos aos
partidos de esquerda. Sigo discutindo e escrevendo artigos. Pretendo
ajudar, com meus limites, não somente ao PT, mas os companheiros de
todos os partidos de esquerda que pensam numa renovação de
paradigmas da esquerda.
A autocrítica de Tarso
Já
fiz várias autocríticas nesta jornada de 58 anos de militância.
Tenho meus arrependimentos. Quem não tem é porque não está na
vida. O maior deles foi ter derrotado o então governador Olívio
Dutra na prévia do PT em 2002. Impedi o Olívio de tentar a
reeleição e perdi.
Resolvi
concorrer naquela eleição porque a disputa interna no partido
estava muito radicalizada. Foi um erro político de minha parte. O
Olívio deveria ter sido candidato. Eu tratei de recuperar as nossas
relações pessoais e políticas, mas é um período que eu guardo
com uma lembrança amarga.
A
minha decisão também causou um incômodo doméstico. A Luciana
[Genro, filha de Tarso] deu uma declaração dizendo que achava que o
Olívio deveria ter sido o candidato do PT. A partir disso, houve uma
pequena rusga entre nós. Durou uns dois dias, mas foi transmitida
pela mídia como se fosse uma "crise" de pai contra filha.
Eu
e a Luciana temos uma relação extraordinária e amorosa. Até hoje
eu brinco com a Luciana quando ela vai fazer campanha aqui em Porto
Alegre. Quando ela volta de uma jornada eu pergunto: 'Dos dez votos
que tu ganhaste hoje, oito não foram porque és minha filha'? Ela ri
e diz: 'só metade'.
Esperança vai vencer o medo
Este
episódio com o Olívio foi o ponto baixo de uma trajetória que
começou na década de 1960. Quando vivia com meus pais, eu tinha
aquela energia que caracteriza alguns jovens. Minha mãe pedia para
meu pai me levar nos compromissos do PTB. Ele era da ala janguista do
partido, foi vereador, vice-prefeito. Eu acompanhava as discussões,
os debates e fui tomando gosto.
Como
aquele guri que vai com o pai ao futebol e se apaixona pelo esporte.
Entrei no movimento estudantil com 14 anos, fui preso no congresso da
UNE em Belo Horizonte em 1966, parei no Dops em Porto Alegre e acabei
por me exilar dois anos no Uruguai. Recomecei depois minha carreira
advogando nos sindicatos, já em Porto Alegre.
Tudo
isto para nesta fase da vida ver um integrante do governo federal
fazer um vídeo copiando um líder nazista! Sobre este assunto tenho
uma memória pessoal amarga porque minha família por parte de mãe
descende de judeus alemães. Meu avô Herman Herz morou na nossa casa
e sempre falava dos irmãos.
Um
deles, o Carl Herz, era jurista, social-democrata e foi prefeito de
um distrito de Berlim na época em que o Hitler tomou o poder.
Precisou fugir para Inglaterra. Mas um filho dele não conseguiu
escapar. Foi levado para Auschwitz [maior símbolo do holocausto] e
morreu lá.
O
outro irmão, o Jorge, ficou 60 anos sem conseguir ver meu avô.
Então, aquele vídeo toca muito a gente e de uma maneira muito
dolorosa. Tão triste, mas muito mais desconcertante, foi ver que num
evento na Hebraica o Bolsonaro foi chamado de "Mito" pelo
público. Mito é como o Hitler se apresentava na sociedade alemã.
Mas
estes fatos só me dão mais impulsos para seguir na luta. Espero
chegar aos 90 anos e ver que o PT, a esquerda e o Brasil estarão
diferentes e melhores. Quem sabe até me animo, daí, a de participar
da festa de aniversário do partido.
Fonte: noticias.uol.com.br/em-depoimento-exclusivo-tarso-genro-e-40-anos-do-pt
Quem é Tarso Genro
Tarso Genro é um militante histórico do Partido dos Trabalhadores, tendo sido presidente Nacional.
Natural de São Borja, no Rio Grande do Sul, hoje tem 72 anos. É advogado, jornalista, professor universitário, ensaísta, poeta e político brasileiro.
Foi duas vezes prefeito de Porto Alegre, ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça, durante o governo Lula (2003-2010). Governador do Rio Grande do Sul no período 2010-2014, vitorioso no primeiro turno com 54% dos votos.
Quem é Tarso Genro
Tarso Genro é um militante histórico do Partido dos Trabalhadores, tendo sido presidente Nacional.
Natural de São Borja, no Rio Grande do Sul, hoje tem 72 anos. É advogado, jornalista, professor universitário, ensaísta, poeta e político brasileiro.
Foi duas vezes prefeito de Porto Alegre, ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça, durante o governo Lula (2003-2010). Governador do Rio Grande do Sul no período 2010-2014, vitorioso no primeiro turno com 54% dos votos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário