COLUNA INTERFACES
*Juliana Lemes
Anualmente, a chuva chega de forma mais
intensa em algumas regiões do país. Equipamentos modernos e atualizados
anunciam com certa antecedência o que está por vir. As autoridades municipais
preparam-se para o acolhimento aos desalojados, porque sabem que é uma
realidade nesses períodos. Cenário propício para o acionamento de recursos
emergenciais, aqueles que dispensam licitação.
Desastre para uns, oportunidade para
outros. E a gente se questiona, será que ações poderiam ter sido planejadas em
tempo hábil para evitar a morte de pessoas? Nesses momentos de solidariedade
coletiva, podemos perceber a grandeza do acolhimento da população não afetada
àqueles que precisam de amparo material e moral. Afinal, muitos perdem tudo que
construíram ao longo da vida em algumas horas.
Para tratar desse assunto, contei
com a colaboração de Roberdan Silva Barroso, que pesquisou sobre áreas de risco
no município de Teófilo Otoni e as implicações socioambientais que afetam os
moradores. No estudo, o autor ressalta que episódios marcantes relacionados às
fortes chuvas aconteceram no Brasil nas duas últimas décadas, ficando na
memória das populações. Segundo ele, ganhou o palco das notícias os casos do
“Vale do Itajaí – SC (2008), Morro do Bumba – RJ (2010), São Luiz do Paraitinga
– SP (2010), Região Serrana – RJ (2011), Baixada Fluminense – RJ (2013), a
parte leste de Minas Gerais e todo o Estado do Espírito Santo (2013), Salvador
– BA (2015) e a Grande São Paulo – SP (2019).
O ano 2020 não começou fora da
curva, colocando em alerta a população mineira, a capixaba e também a
fluminense”. Inúmeros desabrigados, perdas materiais, danos ambientais e
mortes. Alguns tratam os recentes acontecimentos de desastres “naturais”, mas
há quem defenda que foram desastres “sociais”, pois eram previsíveis, portanto,
evitáveis.
Por isso, muito importa “a análise
da dinâmica do espaço urbano. Isto é, entender a formação, o desenvolvimento e
a maneira como as cidades se organizam. Trata-se de olhar menos para as nuvens
e o clima para destacar mais o processo de urbanização brasileira para entender
os problemas que nos afligem.
As cidades evidenciam um enorme
contraste entre os seus bairros residenciais, cujas áreas bem servidas e
melhores são ocupadas pela classe alta (condomínios fechados, mansões e/ou
casas luxuosas), enquanto que as áreas periféricas e mais sujeitas aos
problemas ambientais restam para os empobrecidos (as favelas, cortiços,
moradias em encostas íngremes e/ou na beira de córregos e rios, entre outros).
Essa forma de ocupação é o reflexo da desigualdade socioeconômica, cujo preço
da terra no espaço urbano limita o acesso a quem pode pagá-la.
Agravando mais ainda este contexto,
tem-se a especulação imobiliária (prática que promove o encarecimento do valor
dos terrenos e edificações com o objetivo de aumentar os lucros nas
vendas). A necessidade por moradias no
país ainda é alta, pois o déficit habitacional está longe de um desfecho. A
inviabilidade de adquirir um terreno e/ou imóvel dentro dos padrões habitáveis
devido ao custo elevado conduzem os mais carentes para as áreas inseguras,
denominadas ‘áreas de risco’.
O planejamento urbano tem se
mostrado pouco eficiente para evitar essas formas que sustentam a exclusão
existente no interior das cidades. Em razão disso, na ocorrência dos desastres
a maioria afetada é justamente a mais humilde, que sente a difícil necessidade
de um recomeço em suas vidas”. Assim, o olhar diferenciado para o problema é
urgente, uma vez que ano após ano, a cena se repete com novos atores.
O setor público responde à demanda
com ações paliativas (emergenciais – distribuição de água, cestas básicas e
roupas), sem ousar um planejamento que inclua e mobilize estratégias junto à
população moradora de áreas de risco. O cenário perfeito para as tragédias
anunciadas.
Imagem: amorimcartoons.com.br.
Co-autoria do texto: Roberdan Silva Barroso, trechos do TCC
apresentado em 2019 – Curso de Serviço Social/UFVJM).
Juliana Lemes da Cruz. Doutoranda em Política Social – UFF. Pesquisadora GEPAF/UFVJM. Coordenadora do Projeto MLV. Contato: julianalemes@id.uff.br
O Blog do Banu publica, todos os domingos, a coluna Interfaces, que foi pensada para oportunizar aos leitores a aproximação de assuntos contemporâneos ou atuais que influenciam seu cotidiano e que, geralmente, não são problematizados. Tem por objetivo contribuir com análises e provocar reflexões sobre temáticas relevantes à realidade local, por meio do diálogo entre as distintas áreas do saber, de forma clara e breve.
Essa coluna é publicada também no jornal Diário Tribuna, de Teófilo Otoni.
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