domingo, 15 de setembro de 2019

Diamantina: Ex-Reitor denuncia que golpe à democracia na UFVJM não deve ser aceito


O ex-reitor da UFVJM, Gilciano Saraiva, não comparece à posse oficial de Janir Alves Soares, denuncia golpe na democracia e autonomia universitária, e se recusa a aceitar como normal todo o processo. Mais ainda: denuncia toda a tramóia da nomeação do novo reitor, alguns políticos com atuação em Diamantina e os colegas professores com sede de poder que participaram dessa trama. 
Gilciano escreveu uma Carta Aberta à comunidade acadêmica e à população dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri, norte e noroeste de Minas, regiões que têm campus instalado nas cidades de Diamantina, Teófilo Otoni, Janaúba e Unaí.



Professor Gilciano Saraiva Nogueira, ex-reitor da UFVJM(2015-2019).

Carta Aberta à comunidade da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri 

Fui convidado para participar da solenidade de transmissão dos cargos de reitor e de vice-reitor da UFVJM aos professores Janir Alves Soares e Marcus Henrique Canuto, respectivamente. 

Durante os quatro anos de nosso mandato à frente da UFVJM defendemos a democracia e demos nossa palavra que procederíamos à transmissão do cargo de reitor, independentemente de quem fosse o escolhido, desde que a vontade da comunidade fosse respeitada. Contudo, por não concordar com o duro golpe contra a democracia e autonomia sofrido pela UFVJM, decidi não participar da solenidade. 

A comunidade desta universidade é composta por discentes e servidores docentes e técnico-administrativos altamente intelectualizados e com enorme capacidade de discernimento. Assim sendo, as decisões na instituição são tomadas de maneira coletiva, envolvendo os diversos órgãos colegiados - conselhos, congregações, colegiados e comissões - que seguem normas, resoluções, regimentos e regulamentos construídos pela própria comunidade. Portanto, é indiscutível a competência da comunidade acadêmica para escolher o seu reitor e é uma barbaridade qualquer tipo de interferência externa nessa escolha. 

O atual governo federal tem considerado normal dividir a nação entre amigos e inimigos – estes últimos, principalmente os considerados “de esquerda”. Uma das consequências dessa divisão tem sido o ataque sem reservas à democracia e à autonomia das universidades públicas federais.

 Alguns políticos que atuam em Diamantina, inconsequentes ou que não entendem a importância da autonomia universitária no processo de escolha do reitor, consideraram normal o posicionamento absurdo do atual governo federal e aproveitaram para interferir diretamente na nomeação do dirigente máximo da UFVJM, sem se preocupar com os impactos negativos desse ato antidemocrático nos rumos da principal instituição pública federal da cidade e região. 

Alguns membros da comunidade acadêmica, ávidos pelo poder, julgando natural o posicionamento do atual governo federal e desfrutando do oportunismo de alguns políticos que atuam em Diamantina, aproveitaram para emplacar seus planos e chegar ao poder a todo custo. Não se preocuparam com a aprovação da comunidade acadêmica, não tiveram limites para macular a imagem de seus adversários, mas tiveram a coragem para ludibriar autoridades do Estado, cujas funções são exatamente promover a justiça e defender a sociedade e a democracia. 

Eu nunca vou considerar normal vilipendiar a democracia. Portanto, eu não concordo e não aceito as atitudes dos membros da comunidade acadêmica ávidos pelo poder a todo e qualquer custo, dos políticos oportunistas que atuam em Diamantina e do governo federal que sacramentou a ruptura democrática na UFVJM. Eu tenho certeza de que a maioria esmagadora da comunidade acadêmica e das populações de Diamantina, do Vale do Jequitinhonha, do Vale do Mucuri, do Norte e do Noroeste de Minas também não acha normal e repudia o ataque violento contra a democracia e autonomia da UFVJM ocorrido no processo de escolha do reitor para o mandato 2019-2023. 

Toda essa gente que considera normal e trivial atropelar a democracia e a autonomia universitária tem ignorado as lições do ilustre republicano diamantinense Juscelino Kubistchek de Oliveira, que era um defensor implacável e visceral da democracia em nosso país. Ele acreditava que de uma democracia sem continuidade não se esperam resultados benéficos duradouros. E ele enxergava as universidades como instrumentos preferenciais da democracia. 

Lembro a todos que a pelerine do reitor é branca porque representa todas as áreas do conhecimento. A passagem dela, de um reitor que está deixando o cargo para um reitor que o está assumindo, representa a essência da democracia. E como a democracia na UFVJM foi ferida de morte, essa essência se perdeu momentaneamente, não fazendo sentido esse ato de passagem. Nessa página infeliz da história da UFVJM, o que faz sentido é apenas o poder que a pelerine branca representa sobre os ombros de quem a veste agora. 

Coincidentemente ou propositadamente, a solenidade de transmissão do cargo de reitor ocorre em 12 de setembro, dia do aniversário de JK. Então eu vou aproveitar e respeitá-lo, não participando dessa solenidade. Com isso, também manifesto o meu respeito à vontade popular e continuo comungando com os ideais democráticos do maior estadista brasileiro. 

Infelizmente eu passei pela triste experiência de sofrer calúnias, difamações e denúncias totalmente levianas e infundadas, com objetivos explícitos de desonrar a minha imagem e desqualificar os meus méritos como administrador público. Tudo isso para que o meu nome não fosse escolhido pelo atual governo federal, mesmo sendo o primeiro da lista tríplice por ter vencido a consulta à comunidade acadêmica. O meu nome acabou sendo rejeitado sem nenhuma justificativa técnica que me desabonasse. O principal argumento foi a falta de apoio de políticos vinculados ao atual governo federal, uma vez que pesava contra o fato de eu ter recebido o ex-presidente Lula na universidade, em outubro de 2017, e entregado uma placa de agradecimento em razão de a UFVJM ter sido criada durante seu governo. 

Apesar de ter sido injustamente preterido, não mantenho ressentimentos e não nutro espírito de revanchismo. Pelo contrário, sinto-me em paz e muito satisfeito pelo reconhecimento da comunidade acadêmica da UFVJM e pelo sentimento de missão cumprida. 

Nós recebemos uma universidade convulsionada, com uma enorme dívida, e entregamos uma instituição estabilizada e organizada administrativa e financeiramente. Nós fortalecemos o regime democrático dentro da UFVJM. Tenho convicção de que fui correto em todos os meus atos administrativos e fui justo com todos que dependeram de mim.

Inspirado nas palavras do aniversariante Juscelino Kubistchek, eu também posso dizer: o meu mandato foi forte, pois eu administrei perdoando. 

Que a minha ausência na solenidade de transmissão do cargo de reitor não seja vista como uma deselegância com os conselheiros do Consu e, muito menos, um descaso com a nossa instituição e comunidade. Mas que seja considerada um grito pela defesa inegociável da democracia e da autonomia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. 

Diamantina, 12 de setembro de 2019.

Gilciano Saraiva Nogueira Ex-reitor da UFVJM

Nenhum comentário:

Postar um comentário