sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

É possível o PT se refazer a partir de suas bases sociais


PUBLICADO EM 06/01/17 - 03h00, no jornal OTEMPO.
Leonardo Boff

No fim de semana de 3 e 4 de dezembro, coube-me viver nas cercanias de Belo Horizonte uma experiência portadora de esperança: políticos, em sua maioria do Partido dos Trabalhadores, fizeram seu 21º Encontro Anual para debater os caminhos da política a partir das bases e dos movimentos populares de Minas Gerais. Algo os unia: a articulação entre fé e política. A fé confere uma espécie de mística de engajamento com os mais pobres (projeto de Jesus), e a política se oferece como o campo onde se realiza tal propósito.

Creio que aqui se mostra um exemplo, que já dura 21 anos, de como o PT, imerso em grave crise, pode molhar suas raízes e retomar sua caminhada. Há aí uma mística, feita de ideias e valores poderosos que informam as práticas, seja no sentido secular, seja no sentido cristão, como expressão do Reino, o sonho de Jesus se construindo na história.

Em encontros como esses não há desalento, mas alegria pela luta junto ao povo. O que se faz em Minas deveria ser feito em todas as bases do PT pelo Brasil afora. Aí, sim, haveria a retomada de um projeto de povo e de nação soberana com ética e paixão.

Agrego a meu testemunho a reflexão crítica e pertinente de Frei Betto em “A Hora da Autocrítica”: “continuo a fazer coro com o ‘Fora, Temer’ e a denunciar a usurpação do vice de Dilma como golpe parlamentar. Porém, as forças políticas progressistas, que deram a vitória ao PT em quatro eleições presidenciais, devem fazer autocrítica.

“Não resta dúvida de que os 13 anos do governo do PT foram os melhores de nossa história republicana. Não para o FMI e para os grandes corruptores; nem para os interesses dos Estados Unidos; nem para os que defendem o financiamento de campanhas eleitorais por empresas e bancos; nem para os invasores de terras indígenas e quilombolas.

“Os últimos 13 anos foram melhores para 45 milhões de brasileiros que, beneficiados pelos programas sociais, saíram da miséria; para quem recebe salário mínimo, anualmente corrigido acima da inflação; para os que tiveram acesso à universidade; para o mercado interno, fortalecido pelo combate à inflação; para milhões de famílias beneficiadas pelos programas Luz para Todos e Minha Casa, Minha Vida; e para todos os pacientes atendidos pelo programa Mais Médicos.

“No entanto, nós erramos. O golpe foi possível também devido aos nossos erros. Em 13 anos, não promovemos a alfabetização política da população. Não organizamos as bases populares. Não valorizamos os meios de comunicação que apoiavam o governo nem tomamos iniciativas eficazes para democratizar a mídia. Não adotamos uma política econômica voltada para o mercado interno.

“Nos momentos de dificuldades, convocamos os incendiários para apagar o fogo, ou seja, economistas neoliberais que pensam pela cabeça dos rentistas. Não fizemos nenhuma reforma estrutural. Hoje, somos vítimas da omissão quanto à reforma política.

“Em que baú envergonhado guardamos os autores que ensinam a analisar a realidade pela ótica libertadora dos oprimidos? Por que abandonamos as periferias; tratamos os movimentos sociais como menos importantes; e fechamos as escolas e os centros de formação de militantes?

“Fomos contaminados pela direita. Aceitamos a adulação de seus empresários; usufruímos de suas mordomias; fizemos do poder um trampolim para a ascensão social. Trocamos um projeto de Brasil por um projeto de poder.

“Agora chegou a fatura dos erros cometidos. Deixemos, porém, o pessimismo para dias melhores. É hora de fazer autocrítica na prática e organizar a esperança”. 

Leonardo Boff é teólogo, defensor da Teologia da Libertação, escritor, autor de quase 700 livros como "A águia e a galinha", "Igreja, Carisma e Poder", "Jesus Cristo libertador", "Saber Cuidar"e muitos outros.  É professor emérito de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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