04 de Janeiro - Quarta-feira - 09:09
SEXTO DIA
Andanças por Almenara e Belmonte, na Bahia.
O
Rio Jequitinhonha, que nasce tímido entre as serras cobertas de Mata
Atlântica lá no meio de Minas, aos poucos vai ganhando corpo,
enfrentando os obstáculos, descendo caminhos sinuosos e servindo à
subsistência, ao lazer e à simbologia de incontáveis mineiros.
Além de ser a fonte viva para plantações, peixes e
barragens, o Rio é também o alimento da resistência, da fé e da cultura
desse povo que parece ter aprendido com o próprio Jequitinhonha a ser
forte, batalhador e acolhedor.
Os dois últimos dias da primeira parte da nossa
Expedição pelo Vale do Jequitinhonha não podiam, ter sido mais
condizentes com estas percepções: do canto e da paz das Lavadeiras de
Almenara tiramos força para seguir um longo e tortuoso caminho para
alcançar a imensidão do Jequitinhonha encontrando-se com o mar.
Carlos Farias e as lavadeiras de Almenara, que se
organizaram para nos receber na casa de uma delas, são a resposta mais
bem acabada da simbologia do Rio Jequitinhonha: o coral nasceu da junção
e releitura de manifestações culturais expressadas durante um trabalho
pesado na beira do Rio. Mais especificamente, também revelam a
necessidade de o poder público apoiar as formas de trabalho e de
expressão artística do povo. O coral surgiu quando em 1991 o então
prefeito de Almenara ,Roberto Magno, criou uma lavanderia comunitária na
cidade e estimulou, junto com o cantor Carlos Farias, a reunião das
lavadeiras para cantarem em grupo.
O
Coral ficou famoso em todo o país, já produziu três CDs e já se
apresentou na França e na Espanha. Na casa de Dona Maria Tereza e com a
presença do mestre Carlos Farias, tivemos a honra de uma conversa
agradável e um show particular dos cânticos de trabalho, lúdicos e de
fé, que misturam diferentes tradições religiosas e étnicas.
A
alegria das lavadeiras nos contagia. Não fazem aquilo por sucesso, por
dinheiro ou para ficarem famosas, mas por gostarem, por se sentirem
vivas, por manterem vivas as tradições de seus antepassados, por se
manterem como um grupo. Na apresentação para nós, numa pequena área de
uma casa simples, cantaram como se estivessem em um palco ou de frente
às câmeras da televisão, com fortes vozes, com dança e balançando as
saias.
No dia seguinte, saímos às 08 horas de Almenara para
chegarmos a Belmonte, onde deságua o Jequitinhonha, apenas às 13h30. O
caminho não é dos mais fáceis. Entre Salto da Divisa e Itagemirim o
asfalto é terrível, com trechos de muitos e grandes buracos.
Depois,
quando enfim pegamos um bom asfalto, logo tivemos que enfrentar a
surpresa de mais 30 km de estrada de chão até perto de Barrolândia. Mas
Belmonte compensou. Se é boa uma cidade que tem rio, imagine uma cidade
que tem rio e mar!
Antes
de chegar ao mar o Rio se divide em alguns braços, que se juntam em
dois grandes desaguadouros no Oceano Atlântico. De longe já dava para
ver alguma coisa, mas queríamos ir de perto. Depois de muito procurar e
negociar, conseguimos que um pescador nos levasse em uma lancha por R$
50,00. E valeu a pena. O encontro é uma imensidão de água que torna as
águas do mar também marrom, revelando a mais alta força e resistência do
Rio Jequitinhonha. Um encontro que parece simbolizar toda a beleza,
grandeza, resistência e desafios que fomos recolhendo Vale adentro.
Para
nós, de fato havia uma simbologia ainda maior: vimos desde seus
primeiros passos há menos de uma semana, vimos ele ganhar corpo, se
recuar por grandes bancos de areia. Vimos os imensos eucaliptos o
ameaçarem, comemos de seu peixe, seguimos o seu curso, cantamos a sua
música. Molhamos em suas águas e enfim encontramos com o seu fim, que na
verdade não é um fim, mas o indicativo de um início do encontro com a
imensidão do mundo, tal qual a cultura e a história do Vale.
Fonte: OTEMPO / Blog Expedição Vale do Jequitinhonha
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