Seria
ingênuo pensar que o movimento dos estudantes ocupando escolas e
universidades se esgota na crítica de um dos mais vergonhosos
projetos já havidos, da reforma do ensino médio ou no
protesto contra a PEC 241 da Câmara e agora PEC 55 do Senado, PEC da
brutalização contra os mais vulneráveis da nação. O que se
esconde atrás das críticas é algo mais profundo: a rejeição do
tipo de Brasil que até agora construimos e de política, corrupta
feita por parlamentares em proveito próprio. Junto vem o lado mais
positivo: a demanda de uma outra forma de construir o Brasil e de
reinventar uma democracia, não de costas para o povo, mas com ele
particpando na discussões e decisões das grandes questões
nacionais.
Já
abordei neste espaço este tema, a propósito do movimento dos jovens
de 2013. Três autores continuam a nos inspirar, pois sempre
lutaram por um outro Brasil e sempre foram derrotado. A luta agora
retorna com renovado vigor por milhares de jovens em todo o país.
O
primeiro é Darcy
Ribeiro num
texto de 1998 como prefácio ao meu livro O
caminhar da Igreja com os oprimidos:”Nós
brasileiros surgimos de um empreendimento colonial que não tinha
nenhum propósito de fundar um povo. Queria tão-somente gerar lucros
empresariais exportáveis com pródigo desgaste de gentes”. Esta
lógica do ultraliberalismo atual se radicalizou no Brasil.
O
segundo é de Luiz
Gonzaga de Souza Lima na
mais recente e criativa interpretação do Brasil:”A
refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada (São
Carlos 2011):”Quando
se chega ao fim, lá onde acabam os caminhos, é porque chegou a hora
de inventar outros rumos; é hora de outra procura; é hora de o
Brasil se refundar; a refundação é o caminho novo e, de todos os
possíveis, é aquele que mais vale a pena, já que é próprio do
ser humano não economizar sonhos e esperanças; o Brasil foi fundado
como empresa. É hora de se refundar como sociedade”(contra-capa).
Essa hora chegou.
O
terceiro é um escritor francês François-Renéde Chateaubriand (1768-1848):”Nada
é mais forte do que uma ideia quando chegou o momento de sua
realização”.
Tudo indica que este momento de realização está a caminho.
Os
jovens que estão ocupando os lugares de ensino estão revelando mais
inteligência, a exemplo da jovem Ana Júlia Ribeiro, falando na
Câmara Legisliva do Paraná, do que a maioria dos representantes
sentados em nossas casas parlamentares, interessados mais em
seus negócios do que no destino do povo brasileiro.
Sem definição
partidária, com seus cartazes incisivos os estudantes nos
querem dizer: estamos
cansados do tipo de Brasil que vocês nos apresentam, com democracia
de baixa intensidade, que faz políticas ricas para os ricos e pobres
para os pobres, na qual as grandes maiorias são feitas invisíveis e
jogadas nas periferias, sem estudo, sem saúde, sem segurança e sem
lazer Queremos outro Brasil que esteja à altura da nossa
consciência, feito de povo misturado e junto, alegre, sincrético e
tolerante.
Efetivamente,
até hoje o Brasil foi e continua sendo um apêndice do grande jogo
econômico e político do mundo. Mesmo politicamente libertados,
continuamos sendo reconolizados, esta é a palavra exata, pois
as potências centrais antes colonizadoras, nos querem manter
colonizados, condenando-nos a ser uma grande empresa neocolonial que
exporta commodities
grãos, carnes, minérios. Desta forma nos impedem de realizarmos
nosso projeto de nação independente, soberana e altiva.
Diz
com fina sensibilidade social Souza Lima:”Ainda que nunca tenha
existido na realidade, há um Brasil no imaginário e
no sonho do
povo brasileiro. O Brasil vivido dentro de cada um é uma produção
cultural. A sociedade construíu um Brasil diferente do real
histórico, o tal país do futuro, soberano, livre, justo, forte mas
sobretudo alegre e feliz”(p.235). No movimento atual renasce este
sonho exuberante de Brasil.
Caio
Prado Júnior em
sua A
revolução brasileira (Brasiliense
1966) profeticamente escreveu: ”O
Brasil se encontra num daqueles momentos em que se impõem de pronto
reformas e transformações capazes de reestruturarem a vida do país
de maneira consentânea com suas neessidades mais gerais e profundas
e as espirações da grande massa de sua população que, no estado
atual, não são devidamente atendidas”(p.
2).
Com
os personagens que estão aí na cena política, grande parte acusada
de corrupção ou feita réu ou condenada, não podemos esperar nada
senão mais do mesmo. Devem ser democraicamente alijados da história
para termos campo limpo para o novo.
Sobre
que bases se fará a Refundação do Brasil? Souza Lima nos diz que é
sobre aquilo que de mais fecundo e original que temos: a cultura
nacional tomada no seu sentido mais amplo que envolve o econômico, o
politico e o especificamente cultural: ”É através de nossa
cultura que o povo brasileiro passará a ver suas infinitas
possibilidades históricas. É como se a cultura, impulsionada por um
poderoso fluxo criativo, tivesse se constituído o suficente para
escapar dos constrangimentos estruturais da dependência, da
subordinação e dos limites acanhados da estrutura socioeconômica e
política da empresa Brasil e do Estado que ela criou só para
si.
A
cultura brasileira então escapa da mediocridade da condição
periférica e se propõe a si mesma com pari dignidade em relação a
todas as culturas, apresentando ao mundo seus conteúdos e suas
valências universais”(p.127).
O
texto de Souza Lima se livra da crítica justa de Jessé Souza, feita
à maioria de nossos intérpretes do status
quo histórico: “A
tolice da inteligência brasileira”(Leya
2015), completada com “A
readiografia do golpe”(Leya
2016).
A
maioria destes clássicos intérpretes, olharam para trás e tentaram
mostrar como se construíu o Brasil que temos. Souza Lima, como os
jovens de hoje, olha para frente e tenta mostrar como
podemos refundar um Brasil na nova fase planetária,
ecozóica, rumo ao que ele chama “uma sociedade biocentrada”.
Ou
o Brasil diferente nascerá destes jovens estudantes, ou corremos o
risco de perdermos novamente o carro da história. Eles podem ser os
protagonistas daquilo que deve nascer.
Leonardo
Boff é articulista do JB on line e escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário