Artigo de Clóvis Rossi, na Folha de S.Paulo, domingo, 26.08.2012
Já deve ser
insuportável para os ufanistas de plantão receber a notícia, contida em
relatório da ONU, de que o Brasil é o quarto país mais desigual de uma região,
a América Latina, que é a mais desigual do mundo.
O Brasil só é menos desigual que dois Estados semifalidos,
Guatemala e Honduras, e que a Colômbia, em virtual guerra civil faz mais de
meio século.
Tenho, no entanto, um adendo triste para os ufanistas: é quase
certo que não houve, ao contrário do que diz a ONU, uma redução na desigualdade
brasileira.
Explico: o único metro usado para medir a desigualdade chama-se
índice de Gini, no qual o zero indica perfeita igualdade e 1 é o cúmulo da
desigualdade. O Brasil de fato melhorou, de 1999 a 2009: seu índice
passou de 0,52 para 0,47.
Acontece que o índice mede apenas a diferença entre salários. Não
consegue captar a desigualdade mais obscena que é entre o rendimento do capital
e o do trabalho.
Escreve, por exemplo, Reinaldo Gonçalves, professor titular de
economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos raros economistas
que continuaram de esquerda após o PT chegar ao poder:
"Com raras exceções, essas políticas [as do governo Lula]
limitam-se a alterar a distribuição da renda na classe trabalhadora (salários,
aposentadorias e benefícios) sem alterações substantivas na distribuição
funcional da renda, que inclui, além do salário e das transferências, as rendas
do capital (lucro, juro e aluguel)."
Há pelo menos um dado que faz suspeitar seriamente de que a tal
distribuição funcional da renda piorou: no ano passado, o governo federal
dedicou 5,72% do PIB ao pagamento de juros de sua dívida. Já o Bolsa Família, o
programa de ajuda aos mais pobres, consumiu magro 0,4% do PIB.
Resumo da história: para 13.330.714 famílias cadastradas no Bolsa
Família, vai 0,4% do PIB. Para um número infinitamente menor, mas cujo tamanho
exato se desconhece, a doação, digamos assim, é 13 vezes maior.
Como é possível, nesse cenário, que se repete ano após ano, reduzir-se
a desigualdade na renda?
O que, sim, diminuiu foi a pobreza, no Brasil como na América
Latina. Em 20 anos (até 2009), a taxa de pobres caiu de 48% para 33%, informa a
ONU. Mesmo nesse capítulo, o Brasil continua mal na foto: Argentina, Chile e
Uruguai têm 12% de pobres, enquanto, no Brasil, a taxa quase duplica (22%).
Essa queda ajuda a explicar a popularidade de Lula/Dilma, Hugo
Chávez, Rafael Correa, Michelle Bachelet (mais popular que seu sucessor, o
conservador Sebastián Piñera), Evo Morales (em queda, mas ainda popular), José
Mujica.
Para o pobre, que mal podia comprar arroz, adquirir geladeira
importa mais do que saber se o rico, que já podia comprar um arrozal inteiro,
compra agora helicópteros ou aviões, em vez de geladeiras, que sempre teve.
Mas os governos supostamente de esquerda e suas políticas
pró-pobres não foram capazes de tirar a América Latina do papel de campeã
mundial da desigualdade. Ou ela é inoxidável ou eles precisam reinventar-se.
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