Dona Eva do Congado se foi, deixando a alegria da cultura negra
Chapada do Norte, Médio Jequitinhonha Dona Eva da Misericórdia, Eva do Congado, a Eva das festas dos negros de Chapada do Norte, faleceu na noite de quinta-feira, dia 07 de abril. Ela sofreu um "derrame", o AVC - Acidente Vascular Cerebral, e não suportou o baque da doença.
Eva Alves Machado Luiz, 53 anos, ou simplesmente Dona Eva do Congado.
Morreu com ela um pouco da alegria e esperança que ela sempre transmitia. Seja numa simples conversa, no café com beiju ou biscoito escrevido na sua casa, na comunidade quilombola de Misericórdia.
Eva era uma mulher alta, esguia, forte, elegante. Dançava congada como poucas mulheres. Toda enfeitada, com sua coroa de rainha negra. Da sua cabeça brotavam fitas multicoloridas que se encontravam com vestidos frouxos e rodados pra facilitar seus movimentos de dança. Com o litro dágua na cabeça, rodopiava nas batidas das caixas e tambores, ao som das violas, sanfonas e pandeiros.
A presença de Eva era marcante. Seu corpanzil carregava uma irradiante felicidade estampada com uma largo sorriso de simpatia.
Foi Animadora Comunitária com grande atuação junto à comunidade de Misericórdia e nas vizinhanças, no Córrego do Atanázio, Córrego do Rocha, no Batieiro, Cajamnunum e Marzagão. A ACHANTI - Associação Chapadense de Assistência ao Trabalhador e à Infância de Chapada do Norte que elea ajudou a fundar, em 1982, perdeu umas das suas principais lideranças, mas ganhou o exemplo e o referencial de uma genuína liderança popular.
Eva era conhecida em todo o Vale do Jequitinhonha, em Minas e até mesmo em outros estados. Gravou cantos de congada no CD Por cima das Aroeiras. O site Museu da Pessoa, que registra a importância de brasileiros e brasileiras das culturas populares, gravou um video com ela, em 2007. Dona Eva rodava o Brasil fazendo oficinas sobre congada e artesanato de palha e barro.
Lavradora, foi também professora na zona rural durante nove anos e artesã.
Congado da Misericórdia
Fundou, em 1985, o congado Beneficente de Nossa Senhora do Rosário, antes chamado Congado da Misericórdia, e vinha lutando para manter viva a tradição.
"Meus pais eram trabalhadores do campo. Nas horas que podiam, bateavam ouro no rio Capivari. A lavra ajudava na alimentação, porque a lavoura não dava tudo. Minha mãe fiava algodão, fazia farinha e a lida da casa. Ela teve treze filhos, mas restou apenas eu e Adão, nome que ganhamos por conta da crença de se batizar com estes nomes, quando muitos filhos morriam. De fato, só nós dois restou. Casei-me e morei uns tempos em São Paulo, mas voltamos logo. Hoje, como meus pais, trabalho lavrando o campo, plantando e colhendo os frutos disto".
Eva conta que desde criança gostava de ir com o pai para os forrós, onde aprendeu a dançar o nove, o caboclo, roda morena, roda de cepo, catiras e danças soltas.
O congado que dirige já teve cinqüenta figurantes. Atualmente são quinze pessoas. O grupo, apesar de ser conhecido como congado, faz na verdade um apanhado de antigas cantigas de roda, de viola, catiras como a dança do nove, o caboclo, mangangá que cantam e dançam acompanhados de pandeiro, sanfona e viola, e também pelos tamborzeiros.
"Sei que o nosso Congado fica a dever aos outros em tamanho e modo de fazer. Gostaria de um dia poder contar a história de Nossa Senhora do Rosário, que um dia apareceu no mar e só voltou à terra por misericórdia aos negros. Este teatro que é o congo fala de religião, mas através dos cantos lembram também os problemas sociais dos negros. Na festa de Nossa Senhora do Rosário, maior festa folclórica que conheço, acontece uma coisa que gosto muito: os negros tornam-se reis, rainhas e tomam as ruas com sua alegria. Apesar de tudo, nós temos a paz e a alegria que é pensar o bem de todos".
A festa do Rosário de Nossa Senhora de Chapada do Norte, assim como em outras cidades mineiras, está vinculada a grupos negros que realizam os autos populares conhecidos pelo nome de Congado. Por essa ligação aos negros, o Congado se tornou também uma festa de santos de cor, como São Benedito e Santa Efigênia.
O traço decisivo que criou o Congado, durante o período colonial, deve-se ao processo de interpenetração cultural: de um lado, o modelo religioso do branco; de outro, a recriação do negro.
Clique aqui e conheça Dona Eva no video do Museu da Pessoa:
eva da Misericórdia-batuque-memoriadosbrasileiros
Clique e ouça a música Terra Blue , de Pedro Morais, que enaltece as manifestações de fé, cultura e alegria de congadeiros de Minas Novas e Chapada do Norte: terrablue-pedromorais
Com informações do Museu da Pessoa: http://www.museudapessoa.net/
Um comentário:
Saudades da Dona Eva... Um amor de pessoa!
Postar um comentário