Oficializada como candidata pelo PSB, Marina Silva entra no jogo eleitoral e demonstra fôlego para chegar à Presidência, mas hoje é uma espécie de esfinge política. Repleta de contradições, já provocou baixas em sua própria base de apoio
Claudio Dantas Sequeira e Josie Jerônimo.A PRIMEIRA BAIXA O secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira, deixou a campanha depois de se desentender com Marina Silvaft;">Candidata oficial do PSB à Presidência da República desde a quarta-feira 20, Marina Silva vem provocando um reboliço no cenário eleitoral. Pesquisas de opinião indicam que a ex-senadora tem fôlego para superar o desempenho obtido na campanha de 2010 e até chegar a um segundo turno. Tais chances ficarão mais claras quanto maior for o conhecimento do eleitor sobre suas ideias e convicções. É aí que moram os problemas da candidata. Marina é uma personagem ainda enigmática e repleta de contradições – uma espécie de esfinge política. A evangélica fervorosa de aparência frágil esconde uma personalidade forte, geralmente inflexível e com escassa capacidade de articulação política. Essa faceta – combinada a posições radicais e a um comportamento quase messiânico – transforma Marina num enorme ponto de interrogação, praticamente um cheque em branco.
O ENIGMA MARINA
A candidata do PSB cresce nas pesquisas, em meio à comoção nacional
pela morte de Eduardo Campos, mas ainda precisa deixar claro
quais são suas ideias e seus projetos para o País
Até a morte de Eduardo Campos no brutal acidente aéreo três semanas atrás, Marina desfrutava da confortável posição de vice na chapa liderada pelo socialista. Funcionava como cabo eleitoral de luxo, tentando transferir para o colega ao menos parte dos 20 milhões de votos que amealhou há quatro anos. Era coadjuvante. Quem ia para os embates públicos, quem participava das sabatinas de entidades do setor produtivo e precisava responder às incômodas perguntas de jornalistas era Campos. Mas a tragédia que ceifou a vida do ex-governador também arrancou o véu que a protegia. Agora, na condição de protagonista, Marina terá de enfrentar esses dilemas.
Evangélica ligada à Assembleia de Deus, a candidata faz da fé religiosa um hábito político. Seja em reuniões partidárias, seja em discursos ou entrevistas, gosta de citar parábolas da “Bíblia” – e sempre carrega um exemplar no qual faz anotações constantes. Quando era ministra do Meio Ambiente, Marina convidava assessores para participar de pequenos cultos, que aconteciam muitas vezes dentro de seu próprio gabinete. Num Estado laico como o Brasil, religião é questão de foro íntimo. Convém não usá-la para justificar atos de gestão e muito menos a construção de políticas públicas, sob o risco de retrocesso à época pré-republicana, quando a Igreja controlava o Estado. O usual no País é ver a fé popular explorada por políticos de viés populista, que apostam no culto à personalidade para se perpetuarem no poder.
CHAPA
Na quarta-feira 20, o PSB confirmou Marina Silva como candidata ao Planalto.
O deputado Beto Albuquerque (à dir.) será o vice
Marina se aproximou perigosamente desse caminho quando alegou não ter embarcado no avião de Eduardo Campos por “providência divina”. Menos mal que Marina tenha incluído o filho caçula e a viúva de Campos na afirmação. Ou seja, segundo seu próprio entendimento, ela não foi a única escolhida por Deus para permanecer no convívio entre os mortais. De qualquer forma, declarações nesse tom reforçam o caráter messiânico de sua candidatura e reduzem as chances de justificativas racionais. Na verdade, Marina não embarcou para o Guarujá, no mesmo avião de Eduardo Campos, porque não queria encontrar-se com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, nem com seu vice, o socialista Márcio França. Ela sempre foi contra a aliança do PSB com o PSDB. Mas mexer com o imaginário coletivo, ao que parece, rende mais votos do que falar sobre escaramuças partidárias.
Marina se cerca de cuidados, no entanto, quando suas crenças podem colocar muitos votos em risco. É assim com o debate sobre a liberação do aborto. Antes, aliando-se à grande maioria dos evangélicos, era contra. Hoje, segundo ela, o assunto deve ser decidido em plebiscito. Sobre o casamento gay, já teve várias posições. Em 2010, se dizia contrária, agora defende a criminalização da homofobia e até apoia a adoção por casais homosafetivos. Mas numa palestra na Universidade Católica de Pernambuco, no ano passado, saiu em defesa do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que se notabilizou pelas atitudes homofóbicas. Para Marina, o parlamentar estava sendo criticado só “por ser evangélico”. Ao tentar explicar a declaração, Marina atacou um representante do agronegócio e provocou outra polêmica.
A declaração não ocorreu por acaso. Para Marina, o agronegócio, que representa 23% do Produto Interno Bruto (PIB), é o maior vilão do meio ambiente. Essa é outra questão que a candidata a presidente pelo PSB precisa esclarecer. Como alguém que anseia assumir o Executivo do País pode desconsiderar um setor que responde por 23% do PIB? Contra a agricultura e a pecuária extensivas, ela propõe um modelo “inteligente”, que produza mais com menos recursos. “Temos que agregar o conhecimento e a base tecnológica, ampliando cada vez mais para ter uma produtividade que crie uma nova narrativa para os nossos produtos”, diz Marina. Mas a candidata não explica como fará isso, o que só apavora os empresários do setor. Para tentar ganhar a confiança do campo, ela e a cúpula do PSB, com o aval da família de Campos, decidiram indicar como vice na chapa o deputado federal gaúcho Beto Albuquerque.
Importantes empresas do setor doaram para as últimas campanhas de Albuquerque, que também atuou fortemente para a liberação do cultivo da soja transgênica – coincidentemente, na época em que Marina era ministra do Meio Ambiente e nem sequer era chamada para os debates sobre o tema no Palácio do Planalto. Ele também recebeu contribuições de indústrias de agrotóxicos, armas e bebidas. Ao redigir o estatuto da “Rede Sustentabilidade”, Marina proibiu doações desses segmentos. Na condição de candidata, na semana passada, ela reforçou a intenção de vetar contribuições desses setores. Resta saber se o veto se estenderá ao seu vice.
Outras questões essenciais para quem almeja a Presidência da República permanecem mergulhadas em água turva por Marina. Questionada sobre a matriz energética brasileira, na semana passada, entoou discurso que parecia um eco da campanha de 2010. “Infelizmente, estamos sujando a matriz energética brasileira. Os arremedos que estão sendo feitos com as térmicas para os momentos de baixa dos reservatórios têm de ser reduzidos”, afirmou. Como resolverá o problema, não deixou claro. Falou em compensar a produção com investimentos em fontes já existentes. No passado recente, Marina defendia a ampliação do parque eólico e de energia solar, além da substituição de grandes hidrelétricas por pequenas centrais. As medidas são consideradas insuficientes por especialistas. A postura de Marina traz incerteza para o futuro de projetos cruciais para a ampliação da oferta de energia, como a construção da usina de Belo Monte.
A PRIMEIRA BAIXA
O secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira, deixou a campanha
depois de se desentender com Marina Silva
Durante o governo Lula, o debate sobre a política energética acomodou em trincheiras opostas as atuais adversárias na corrida eleitoral Dilma Rousseff (PT), então chefe da Casa Civil, e Marina Silva, à época ministra do Meio Ambiente. “Desde então, é como água e óleo. Elas não se misturam”, disse à ISTOÉ um ex-ministro do PT. As duas, no entanto, guardam semelhança numa característica essencial ao exercício do poder: ambas têm pouco jogo de cintura político. Toda vez que ocupou cargos administrativos, Marina Silva cultivou uma maneira bem peculiar de tomar decisões, que escapa aos moldes usuais. Segundo assessores próximos, ela gosta de reunir todos ao redor de uma mesa para colher suas opiniões. A decisão, no entanto, ela toma sozinha, fechada em copas. A palavra final nem sempre é consenso entre seus pares. Antes da derradeira tomada de posição, normalmente provoca suspense, deixando tensos até os aliados mais próximos. Foi assim, surpreendendo a todos, que em reunião com dirigentes do PSDB, Marina sacou essa: “Busco uma aliança com a sociedade, não com as forças políticas tradicionais. Se isso prevalecer, e se eu for eleita, só governo por quatro anos, sem reeleição”, disse, para o espanto da maioria. Essa maneira de operar gera problemas na articulação política. Quando era senadora, tinha dificuldades para negociar com colegas de plenário. Sem diálogo, sem capacidade de convencimento, Marina demonstrou um desempenho parlamentar pífio. Das 73 proposições apresentadas, a parlamentar conseguiu a aprovação de apenas três: uma PEC regulamentando a aposentadoria do “extrativista vegetal”, um projeto de lei que obriga o SUS a garantir transporte e alimentação a pacientes e outra proposição criando o “Dia Nacional dos Povos da Floresta”.
A falta de traquejo ficou novamente evidenciada nas negociações da nova chapa da coligação. Para ser chancelada pelo PSB, a candidata exigiu o controle do comando e das finanças da campanha. Escalou o ex-deputado Walter Feldman para a coordenação-geral, escanteando o socialista Carlos Siqueira. Ele abandonou a reunião no meio da fala de Marina, a quem chamou de “hospedeira”. “Ela não representa o legado de Campos. Que vá mandar na Rede dela”, disse ele, antes de resolver abandonar a campanha. Também desertaram os governadores Camilo Capiberibe (Amapá) e Ricardo Coutinho (Paraíba). Na quinta-feira 21, na tentativa de apaziguar os ânimos internos, Marina resolveu mudar a equipe. Designou Luísa Erundina para a coordenação e acomodou Márcio França na tesouraria. Questionada sobre a crise, Marina disse que houve uma incompreensão. De fato, fazer com que os outros a compreendam não é muito o forte da candidata.
Foto: Adriano Machado
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