terça-feira, 12 de agosto de 2014

O jeito mineiro de fazer política, por Rudá Ricci



Se o jeito paulista de fazer política é extremamente agressivo e masculinizado, o mineiro é o mais português e feminino de todo o país. De mineiro nada (ou tudo) se espera. Demorei alguns bons anos dos meus 20 (como migrante paulista) nesta terra encoberta por montanhas para entender qual o motivo para o candidato menos visível sempre estar à frente nas pesquisas eleitorais. Nestas terras de Guimarães Rosa, entendi melhor aquela história contada por Gabeira em que os europeus ficavam atordoados quando um brasileiro convidava outro para ir até sua casa - e o outro aceitava -, embora os dois soubessem que o convite não foi para valer. Este jogo de penumbras e sombras é de enlouquecer qualquer incauto educado a partir da lógica racional e objetiva.

Este jeito incerto ocorre por vários motivos. Um deles, porque Minas Gerais é o Estado que mais herdou a cultura portuguesa em território nacional. Portugal é marcado por uma cultura introspectiva, intimista, pouco pública... e triste. Aquela tristeza que deu origem aos maravilhosos versos de Fernando Pessoa em cujo início afirma que prefere “rosa, meu amor, à pátria, e antes magnólias amo que a glória e a virtude” e, mais ao final, pergunta quanto do sal do mar são lágrimas de Portugal. Uma tristeza, enfim, fundada na desconfiança em relação ao sucesso, que acredita no que vê e muito menos na utopia.

Esta é uma hipótese. Mas não me aventuro muito além daqui, embora acredite que o papel das mulheres na administração da família em todos ciclos econômicos do Estado tenha conferido estas características tão femininas à política local.

Não me arrisco porque necessito de mais uns 20 anos para entender melhor o que penso sobre o que imagino que já entendi.

Assim, faço o decálogo do político mineiro como mais um conjunto de tentativas de aproximação. No fundo, o que tenho de certeza é que paulistas e mineiros são antípodas na política. Um ataca por instituto, o outro age exatamente ao inverso.

Mas vamos ao decálogo do político mineiro:

1) A forma é sempre mais importante que o conteúdo. Fazer uma crítica com delicadeza ofende menos. Ser direto e objetivo, apresentando claramente o erro ao criticado é motivo de grande mágoa e rancor guardado por décadas (dependendo da saúde do mineiro, pode durar muitas décadas);

2) Não denunciar publicamente. Mineiro gosta de denúncia, mas desconfia de quem denuncia. Ouvi esta lição de um padre residente no Vale do Jequitinhonha. Por muitos anos, ruminei esta frase. Por qual motivo quem denuncia pode despertar desconfiança, já que está dando a cara para bater? Descobri, muitos anos depois, o motivo: para o mineiro, quem aparece tem algum interesse pessoal não explícito;
 
3) Política se faz no corredor. O que é público é sofrimento (velório, missa de 7º dia etc). A culpa católica (e lusitana) martela os brios e forja a moral mineira. O catolicismo mineiro é tão ferrenho quanto o “protestantismo” paulista (aquele, analisado por Max Weber);

4) Lazer, só no Rio de Janeiro ou Espírito Santo (pode ser New York ou, no caso de ser valadarense, Boston);

5) Sempre falar da mãe, do pai ou do avô, de quem terá herdado algo. Obviamente que há relação direta com o espírito de clã, atávico, fundado no papel da mulher como centro de toda família mineira;

6) A política concreta se faz por meio de “operadores da política”. O líder nunca se expõe e sempre deve aparecer como vítima, nunca como algoz. Esta é, talvez, a característica mais incompreendida pelos políticos de outros Estados brasileiros. Acreditam que é uma espécie de falsidade. Não é. Tem a ver com a história da forma ser mais importante que o conteúdo e aquele sofrimento lusitano. Neste Estado, todo advogado deseja que seu cliente seja, sempre, réu. Deixar o outro se mostrar por inteiro, até esgotar seus trunfos, ajuda a defesa a se organizar e contra-atacar. Logo, quem terá o trunfo da surpresa será aquele que se defende;

7) Ter boa relação com a maçonaria e com a igreja católica. Na dúvida, dizer que torce para o América. São as organizações pouco visíveis as mais poderosas em Minas Gerais;

8) Partido político é um detalhe. Em Minas, todos são “amigos”, têm algum parente próximo ou vai ter. Em Belo Horizonte, todos políticos se encontram nos mesmos restaurantes e cafés. Quando é algo sério, o encontro ocorre em residências e sítios;

9) Em Minas, o silêncio fala mais que a boca;

10) Nunca responder a qualquer crítica, nunca passar recibo de nada, nunca gargalhar. Afinal, quem critica quer aparecer; quem responde dá visibilidade à crítica; e quem gargalha não tem motivo algum para ser tão feliz;

Publicado no site www.rudaricci.com.br

Rudá Ricci é cientista político. Foi professor de diversas universidades mineiras como a PUC-MG,  Newton de Paiva e Faculdade Dom Hélder Câmara. Autor de vários livros, sendo os mais recentes Lulismo,  sobre um novo ciclo político no Brasil, e Nas Ruas, sobre as manifestações populares de junho de 2013..

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