terça-feira, 16 de julho de 2013

Pequi vira ouro do cerrado mineiro e goiano

Técnicas de conservação permitem que fruto, antes vendido apenas em regiões produtoras como Norte de Minas e Goiás, ultrapasse barreiras e seja comercializado nos EUA e Europa

Luiz Ribeiro - Estado de Minas - Publicação: 15/07/2013:34


'Antigamente o fruto não tinha valor econômico, pois se resumia ao extrativismo durante a safra. Não tinha como conservá-lo no resto do ano. Quando surgiu o pequi em conserva, decidimos pela montagem da indústria', diz Fernando Lima, empresário (Sólon Queiroz/Esp. EM)
"Antigamente o fruto não tinha valor econômico, pois se resumia ao extrativismo durante a safra. Não tinha como conservá-lo no resto do ano. Quando surgiu o pequi em conserva, decidimos pela montagem da indústria", diz Fernando Lima, empresário
 Fruto símbolo do cerrado, o pequi vive um processo de expansão. Antes restrito ao período de safra entre novembro e fevereiro, agora é comercializado durante o ano inteiro. O milagre neste aspecto está nas técnicas de conservação do fruto, que permitem que os apreciadores possam ter o “ouro do cerrado” no cardápio em qualquer mês do ano. O produto, que antes era vendido basicamente em regiões produtoras como o Norte de Minas e Goiás, passou a ser comercializado também nos grandes centros consumidores como Belo Horizonte e São Paulo. Mas o marcante paladar do pequi chega mais longe: já é exportado para os Estados Unidos e países da Europa. Esse é o tema da segunda reportagem da série Frutas S/A.
Com o aparecimento do alimento em conserva, surgiu uma verdadeira cadeia produtiva do pequi, que ganha outros derivados além das conservas. O consumidor pode apreciar também o molho, a farofa, o óleo, o licor, o doce e até o sorvete de pequi. O fruto compõe, ainda, o cardápio de pratos até então tradicionais. O apreciador pode se sentar em um restaurante e pedir, por exemplo, uma pizza, um crepre ou pasteizinhos de pequi.
O pequi em conserva ganhou o mercado devido ao trabalho de empreendedores como Fernando Lima, de Japonvar, um dos municípios que mais produzem o fruto símbolo do cerrado no Norte de Minas. Ele montou uma pequena indústria, que envasa o pequi em conserva (polpa e o fruto inteiro). Também produz óleo e o creme de pequi. “O município de Japonvar sempre produziu muito pequi, mas, antigamente o fruto não tinha valor econômico, pois se resumia ao extrativismo durante a safra. Não tinha como conservá-lo no resto do ano. Quanto surgiu o pequi em conserva, decidimos pela montagem da indústria”, relata Lima.

Ele recorda que o “ouro do cerrado” passou a ser visto como uma alternativa econômica para Japonvar há cerca de 10 anos, quando foi criada a Cooperativa dos Catadores de Pequi no município, que contou com o incentivo do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae). Mas há algum tempo a entidade entrou em crise por falhas de gestão. “Mas vamos fazer um trabalho para reativar a cooperativa, pois o negócio do pequi melhorou muito”, afirma o prefeito da cidade, Eraldino Soares de Oliveira, lembrando que, entre os meses de novembro e fevereiro, 80% dos moradores do município se dedicam à “cata” do pequi, ofício que envolve homens, mulheres e crianças.

Fernando Lima conta que na última safra adquiriu 15 toneladas do fruto nativo para a produção do pequi em conserva. Além dos mercados de Minas Gerais e São Paulo, grande parte do que é produzido pelo empresário de Japonvar – da marca Riqueza do Cerrado – é destinada à exportação. Um dos responsáveisl pela entrada do fruto nativo no mercado internacional é o empresário Danilo Pinto, de Goiânia. Ele adquire o pequi em conserva da indústria de Fernando Lima, no Norte de Minas, e também têm fornecedores em Goiás. Em parceria com uma empresa especializada no comércio exterior, envia o pequi em conserva para os Estados Unidos e países da Europa como Espanha, Portugal, Inglaterra, Alemanha e Irlanda.
 EXPORTAÇÕES
Danilo conta que, na última safra, exportou três toneladas de pequi em conserva para os Estados Unidos. “Antes da crise internacional cheguei a enviar carga de até 10 toneladas”, diz. Ele conta que “lá fora” os consumidores do “ouro do cerrado” são emigrantes brasileiros, principalmente mineiros e goianos. O empresário acredita que o mercado tem potencial para crescimento. “A aceitação do pequi em conserva está sendo muito boa, com um aumento das vendas em torno de 10% por ano. O consumo cresce à medida em que as pessoas passam a conhecer o produto”, enfatiza o empresário, ressaltando as qualidades do pequi. “Além das diversas formas de aproveitamento na culinária, o pequi faz bem para a saúde, pois combate os radicais livres. Também é rico em vitamina A”.
O exportador ressalta que “acabou aquele estigma de que pequi é coisa de matuto. Hoje, ele é comida de pessoas refinadas. Antes, ninguém acreditava no pequi como produto vendável. Com o tempo, quebrou-se um paradigma e o pequi passou a ocupar as gôndolas dos pontos de vendas, mas será preciso um trabalho demorado para a conquista efetiva do mercado internacional”.
 A transformação no sertão
 O crescimento do mercado do pequi a partir da venda do produto em conserva reflete nos municípios produtores do Norte de Minas, mudando a vida no sertão. Nesses locais, o fruto símbolo do cerrado era a garantia de alimentação durante o período da safra. Agora, o dinheiro que resulta das vendas do pequi também proporcionam a compra de roupas, eletrodomésticos e outros bens de consumo, ajudando centenas de pessoas a amenizar o castigo da seca.

“Uma das grandes vantagens do pequi é que o dinheiro da sua venda fica nos municípios produtores. Ou seja: incrementa a renda e aumenta o Produto Interno Bruto (PIB) dos pequenos municípios”, afirma empresário Danilo Pinto, que compra pequi diretamente nas regiões produtoras e exporta o fruto em conserva. “Outro aspecto é que a partir do momento que perceberam a sua importância econômica, as pessoas passaram preservar os pequizeiros, que não estão mais derrubados para a produção de carvão”, completa. 

O Estado de Minas visitou a zona rural de Japonvar (Norte do estado) para verificar as condições de vida dos moradores antes, durante e depois da safra do pequi. Foi possível observar a importância do fruto na geração de renda e superação diante da falta de chuvas. A produtora Silene Ribeiro de Souza, de 36 anos, mãe de quatro filhos, da localidade de Rancharia, distante oito quilômetros da área urbana, vivia desolada diante da falta de chuvas durante a primeira visita em setembro do ano passado. “Em 2012, a seca foi brava demais. A gente perdeu tudo que plantou”, lamentou Silene, ao lado do marido, o pequeno produtor Josival Aquino de Jesus.

Em janeiro, em pleno período da safra de pequi, o EM voltou à Rancharia e encontrou Silene mais animada. Juntamente com o marido, Josival, e os quatro filhos, ela catava pequi no próprio terreno da família. A caixa do pequi em casca (35 quilos) era vendida a R$ 5. “As coisas melhoraram muito porque o pequi ‘chegou’”, disse a mulher. “ Com o dinheiro do pequi, quero comprar roupas e sapatos para os meninos”, afirmou.
A reportagem retornou na primeira quinzena de junho. Desta vez, Silene, com satisfação, exibiu caixas de sapatos e as roupas que comprou para os filhos com o dinheiro da venda do pequi. “Antigamente, o pequi caía e perdia no mato. Hoje, não tem mais desperdício e está sendo a salvação da gente”, relata a agricultora.
 RESULTADOS
Outra que constata a transformação do mercado do pequi é Anaíra Mendes de Jesus, de 50, também moradora da zona rural de Japonvar. Em janeiro, no período da safra, a reportagem acompanhou a destreza da lavradora no ofício de “catar pequi no mato”. “Cato até 10 sacos (30 quilos cada) de pequi por dia. Para apanhar pequi bom a gente tem que acordar cinco horas da manhã”, disse a mulher, mãe de cinco filhos. Quando recebeu novamente a reportagem, em junho, Anaíra mostrou os resultados do seu esforço como catadora de pequi. “Com o dinheiro da venda do pequi comprei um colchão, um guarda-roupa, um liquidificador, roupas e ainda pude reformar parte de minha casa”, disse. (LR)
 Polpa também é lucrativa
 Uma outra inovação também facilitou os negócios com o fruto-símbolo do cerrado : a venda do pequi em polpa. Muitas consumidores resistem à versão in natura com receio de sofrer algum ferimento na boca devido aos espinhos existentes dentro do caroço do fruto. “Com a polpa do pequi, não existe esse risco”, afirma José Geraldo Rodrigues Botelho, dono de uma indústria de pequi em conserva no município de Ubaí (Norte de Minas).
Formado em medicina veterinária, José Geraldo iniciou a produção em conserva há oito anos, tendo registrado a marca Pequi de Minas. Ele conta que se interessou pelo assunto depois de ser informado sobre a técnica de conservação do pequi (feita à base de água, sal, ácido cítrico e benzoato de sócio) em reportagem do caderno Agropecuário do Estado de Minas.
A cada ano, ele amplia o seu negócio. Na última safra, embalou seis toneladas do produto. “Garanto renda para cerca de 120 pessoas durante a colheita, que vai de dezembro a fevereiro”, diz. O produtor de pequi em conserva de Ubaí fornece para distribuidores de Minas, São Paulo, de todos os estados do Centro-Oeste, além do Distrito Federal, e para o Paraná. Ele diz que já foi sondado para levar o fruto do cerrado para a Arábia Saudita. Porém, afirma que se dedica mais à comercialização junto aos varejistas, atendendo sacolões, mercearias e outros estabelecimentos. “Somente no Mercado Central de Belo Horizonte tenho 17 pontos de venda”, comemora José Geraldo, que atende ainda diversos comerciantes do Mercado Municipal de Montes Claros, cidade cuja culinária tem como protagonistas o próprio pequi e a carne de sol. “O pequi em conserva é um negócio rentável e acredito que vai melhorar muito mais”, vislumbra o produtor. (LR)

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