Ou ,
as famílias tradicionais e amigos do rei
sempre estiveram no poder, defendendo
cargos,
títulos, privilégios e propriedades, inclusive de
gentes.
Por Álbano Silveira Machado*
No
Brasil, desde o século XVI até os dias de hoje, a prática do
patrimonialismo sempre permeou a administração pública. Na era
colonial, os primeiros portugueses representantes da Coroa montaram uma máquina pública com a participação efetiva de
brasileiros para arrecadar riquezas e impostos e enviar para
Portugal. Porém, parte do arrecadado fazia fortuna de algumas poucas
famílias, os amigos do rei.
Portugueses
e seus descendentes constituíram famílias com brasileiros. Destas
uniões familiares nasceram filhos com destinos já traçados: ocupar
cargos na administração pública federal que se alastrava em
cidades litorâneas e, pouco a pouco, em Vilas e Províncias do
interior.
Para
formar altos burocratas para a gestão pública colonial, Marquês de
Pombal criou uma escola, em Lisboa, onde jovens brasileiros se
transformaram em administradores dos negócios da Coroa, no Brasil.
Um exemplo foi José do Patrocínio.
Para
administrar todo o território colonial o governo português
distribuiu enormes faixas territoriais a famílias e amigos da Coroa,
no episódio das Sesmarias. Com a doação das terras públicas às
famílias tradicionais, criou-se uma aristocracia rural em que
grandes proprietários de terras, com trabalho escravizado,
concentraram poder econômico e político, segundo Raymundo Faoro, no
livro “Os donos do poder”, publicado em 1958. Esta realidade foi
bem proeminente na República Velha, de 1910 a 1930, quando o
coronelismo concentrava os poderes locais do Legislativo, Judiciário
e Executivo. De lá pra cá, muita coisa mudou, mas nos rincões do
país há resquícios do coronelismo, vestido com outras roupagens de
camuflagem.
Filhos
destas famílias seriam ocupantes de cargos públicos. Eles criaram
uma linha de sucessão em que filhos, parentes e amigos eram
indicados e preparados para assumirem o seu posto após
aposentadoria, promoção ou falecimento. O sociólogo alemão Max
Weber chamou esta e outras práticas similiares de patrimonialismo
que é a característica de apropriação do espaço público por
interesses particulares.
Até
1930, apenas as Forças Armadas e a Diplomacia brasileira seguiam
princípios de uma burocracia racional e meritocrática. Na era
Vargas, uma reforma de administração pública, com tais
orientações, foi implementada, visando um projeto
nacional-desenvolvimentista, entre 1930 e 1945.
O
presidente Getúlio Vargas criou o DASP – Departamento
Administrativo dos Serviços Públicos que centralizou todas as ações
e medidas da Reforma que propôs racionalizar a burocracia pública,
valorizando a meritocracia e a universalização dos serviços
públicos. Algumas medidas tomadas pelo DASP: realização do
concurso público como única forma de acesso a cargos públicos;
criação de autarquias, fundações e empresas de economia mista
para alavancar o desenvolvimento econômico e social; modernização
das relações capital-trabalho com a criação do Ministério do
Trabalho e decreto de aprovação da CLT – Consolidação das Leis
Trabalhistas, entre outros.
Segundo
Bresser Pereira, a reforma burocrática de Vargas foi a primeira que
pensou o Brasil com um projeto de desenvolvimento, visando o
incremento da industrialização, da urbanização e da estruturação
de uma burocracia racional e meritocrática. Porém, a Reforma criou
ilhas de excelência ao atingir apenas a administração federal.
Para manter aliados políticos nos Estados e Municípios, com
práticas de patrimonialismo, clientelismo e patriarcalismo, a
reforma não alcançou as administrações públicas locais e
regionais.
As
instituições políticas formadas visavam a barganha por cargos e
benesses do Estado. Seguindo o modelo de Partido de Quadros, as
organizações partidárias são organizadas, em geral, para a
prática do exercício de utilizar recursos públicos, nas três
instâncias federativas, para o grupo político na ocupação de
cargos públicos e na destinação de investimentos em obras e
serviços, nem sempre de utilidade pública, mas para benefícios
pessoais e familiares.
O
sindicalismo brasileiro, copiando uma ação viciada do Estado também
burocratizou a sua administração, com eleições seguidas das
mesmas pessoas nas direções que contratam familiares como
funcionários da entidade, esvaziando ainda mais a já débil
representação social.
O
Estado brasileiro está loteado por grupos corporativos
representativos de interesses privados com uma produção permanente
de corrupção e uma burocracia ineficiente. A troca de favores, a
ocupação de cargos, a aprovação de privilégios e a alocação de
recursos para servir aos amigos do governo é uma prática
corriqueira. “Para os amigos, tudo. Para os inimigos, a lei dura”,
repetem os donos eternos do poder.
Recursos
públicos não são mais priorizados para atendimento das
necessidades da população, mas disputados por grupos econômicos e
seus asseclas representantes que, de forma descarada, propõem corte
de políticas públicas, privatização do orçamento público,
criminalização dos representantes dos movimentos sociais que
reivindicam direitos e vão implantando uma agenda de
ultra-liberalismo que indica o caminho de volta à escravidão da
maioria da população.
A
democracia representativa entra em crise, aqui, e no resto do mundo,
sentencia o cientista político catalão Manuel Castells, em “Ruptura
– a crise da democracia liberal”, publicado em 2018. Há um
rompimento entre governos e governados, pois a desconfiança leva à
falta de legitimidade, criando um clima de indignação. Surgem
manifestações e protestos populares contra o estabilishment, a
corrupção, a política, os partidos e toda representação de uma
democracia cansada, esclerosada.
Neste
caos político, surgem falsas lideranças como Jair Bolsonaro,
pregando uma nova/velha ordem, numa lógica que o povo não quer o
que aí está, mas não sabe ao certo o que virá.
*Álbano Silveira Machado cursou Psicologia, na UFMG, Especialização em Gestão Pública Municipal, Metodologia de Projetos Sociais (PUC MG). É Mestrando em Estado, Gobierno y Políticas Públicas.
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