quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A Reforma da Previdência Social visa aprofundar injustiças, afirma Margarida Salomão






A reforma da Previdência avança na desconstrução do tardio estado de bem-estar social.
Aprofundar as injustiças.

 


Margarida Salomão*

recente relatório da Oxfam revela que a economia é planejada para funcionar em favor do 1% mais rico da população mundial: oito homens possuem o mesmo montante de riquezas que a metade mais pobre da população. No Brasil, não perdemos em perversidade: seis homens têm a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros.
Neste contexto, o ilegítimo governo brasileiro tem a desfaçatez de buscar o equilíbrio fiscal por meio de Reforma da Previdência (PEC 287/16), justificada pela propaganda oficial (explícita ou subliminar) com ameaças apocalípticas.
A bem da racionalidade, é discutível o cálculo do “rombo” (futuro, pois, até 2015, o orçamento da Seguridade Social era superavitário em R$11,2 bilhões). Deve-se considerar no abatimento do “rombo” que a gestão da Previdência promoveu, nos últimos anos, em nome de uma expectativa não confirmada de retomada do investimento, desonerações da folha de pagamento. Na mesma conta, acrescentar o somatório da dívida fundada com a Previdência mais o montante da sonegação praticada pelos grandes, de R$ 340 bilhões, segundo a ANFIP.
Além disso, a despesa previdenciária tem papel social no Brasil, com seus 33 milhões de beneficiários. Em 82% dos municípios brasileiros, o repasse da Previdência é maior que o orçamento municipal. Cortar esses recursos prejudica a subsistência da população de 3.875 cidades.
Denunciamos ainda a injustiça expressa nessa proposta. Como falar de idade mínima num país com tamanha desigualdade, regional e social? 
Como ignorar a diversidade no perfil do trabalho e no seu acesso que diferencia as profissões dos mais e menos escolarizados? 
Como tratar o trabalho rural da mesma forma que o urbano? 
Como castigar os professores e professoras, já assoberbados por uma tarefa cinicamente classificada como essencial? 
Como adotar “igualdade de gênero” para idade e tempo de contribuição, desconsiderando as condições do trabalho feminino, a sobrecarga da(s) outra(s) jornada(s), as desigualdades no reconhecimento e na remuneração das mulheres?
Essa proposta aprofunda injustiças e constitui uma real ameaça à vida. A seu modo, ainda atende ao antigo desejo do setor bancário, com estímulos para que as pessoas busquem programas de previdência privada.
A PEC 287/16 avança na desconstrução do tardio estado de bem-estar social brasileiro, resultante da redemocratização e inscrito na Constituição de 88.
Em grave crise social, de que rebeliões nos presídios não são mais que a ponta do iceberg, este governo ilegítimo busca tornar real a predição da Professora Laura Carvalho: Enquanto a insustentabilidade do sistema previdenciário em meio à elevação da expectativa de vida for vista pela maioria como mais dramática que a insustentabilidade de um sistema penitenciário em meio à produção de um número cada vez maior de excluídos, estaremos condenados à barbárie.
*Artigo inicialmente publicado no jornal “O Globo”, no dia 6 de fevereiro de 2017

Margarida Salomão é deputada federal pelo PT-MG. Foi reitora da UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. É graduada em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora também em Linguística pela Universidade de Berkeley (EUA). No ano de 2007, concluiu Pós-Doutorado pela University of California. 

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