"Reforma do Ensino Médio é um retorno piorado à década de 90".
Entrevista - Daniel Cara
Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara destrincha MP 746, que impôs mudanças e provocou ocupações em escolas
Suamy Beydoun/AGIF/AFP
Estudantes protestam contra a Reforma do Ensino Médio, que representaria um retrocesso para a educação pública
O
que pensa Michel Temer sobre a reforma do Ensino Médio? Ao
programa Roda Viva,
da TV Cultura, o presidente Michel Temer resumiu recentemente o que
pensa da ideia proposta por seu governo por meio da Medida
Provisória 746.
“Nós estamos voltando a um passado extremamente útil”. O
retorno foi concretizado na quarta-feira 9 pelo Senado, que aprovou o
texto por 43 votos a 13. Agora, a lei vai a sanção presidencial.
Assim
como Temer, o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, Daniel Cara, classifica a MP como uma volta ao passado,
mas no sentido de retrocesso para a educação pública brasileira.
“[A
reforma] faz com que os estudantes sejam divididos entre aqueles que
vão ter acesso a um ensino propedêutico e aqueles que vão ter
acesso a um ensino técnico de baixa qualidade. Temer teve a coragem
ou a pachorra de assumir isso quando enfatiza que na época dele a
educação se dividia entre clássico e científico, que eram dois
caminhos que geravam uma educação incompleta”, explica.
Em
entrevista a CartaCapital,
Daniel Cara explica como a inclusão do ensino profissionalizante,
dentre as trajetórias possíveis aos estudantes, durante o novo
Ensino Médio, vai empurrar os jovens com menor renda para carreiras
de subemprego, enquanto que os mais ricos poderão focar os estudos
nas áreas que desejam.
Mais
do que isso, Cara alerta para possíveis brechas que a MP abre para
que o governo consiga privatizar parte do percurso feito pelos
estudantes secundaristas.
Leia
a entrevista:
CartaCapital: Como
você avalia a reforma do Ensino Médio e uma possível reforma do
Ensino Fundamental, ainda que detalhes não tenham sido
divulgados pelo ministro da Educação?
Daniel
Cara: A reforma do Ensino Médio é uma antirreforma
no sentido de que ela acaba fazendo com que a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) – a MP altera pontos da LDB e da
Lei do Fundeb – seja desconstituída naquilo que se refere ao
Ensino Médio e a Educação Profissional.
[A
MP] estabelece uma bagunça e faz com que os estudantes sejam
divididos entre aqueles que vão ter acesso a um ensino propedêutico
e aqueles que vão ter acesso a um ensino técnico de baixa
qualidade.
Temer
teve a coragem ou a pachorra de assumir isso quando ele assina que na
época dele a educação se dividia entre clássico e científico,
que eram dois caminhos que geravam uma educação incompleta. Então
essa MP, em termos de alteração da LDB, é extramente preocupante.
Em
relação ao que ela altera no Fundeb, é mais preocupante. A
conquista do Fundeb foi, ainda que de forma insuficiente, financiar
desde a matrícula na creche até a matrícula no Ensino Médio. Como
a MP altera o Fundeb e reconcentra os recursos no Ensino Médio, o
resultado é que a Educação Infantil, creche e pré-escola, vai
ficar prejudicada e os governadores, responsáveis pelo Ensino Médio,
vão ser beneficiados contra a posição dos prefeitos.
Não
é à toa que essa MP foi divulgada durante a eleição municipal,
pra não gerar uma reação dos prefeitos, que até o momento não
perceberam que vão perder muitos recursos do Fundeb.
Agora
o ponto concreto é que a maior demanda da sociedade hoje é
exatamente por creche. Então é uma MP que concentra recursos do
Ensino Médio, retomando a visão do Paulo Renato [ex-ministro da
Educação de Fernando Henrique Cardoso], de que é preciso focalizar
as ações educacionais em algumas etapas da educação, no caso dele
foi o Ensino Fundamental.
Agora
a Maria Helena [secretária-executiva do MEC] e o Mendonça Filho
[ministro da Educação] querem focalizar no Ensino Médio e
Fundamental, alijando a Educação Infantil em termos de
financiamento. Então há um retorno piorado ao que aconteceu na
década de 1990.
Inclusive
porque o Paulo Renato já não era um especialista em educação, era
um economista que gostava de educação, mas não entendia muito. O
Mendonça Filho, muito aquém disso, é uma pessoa que não entende
de nada.
CC:
Inclusive, o senador
Aécio Neves, próximo da Maria Helena, chegou
a se vangloriar da MP, em artigo, porque essa seria a
sua proposta para a educação na época das eleições de 2014...
DC:
Olha, eu li todos os programas eleitorais. Eles nunca teriam coragem
de dizer em 2014 o que estão fazendo agora. Existia uma preocupação
de aumentar a complementação da União no Fundeb, dizendo que era
importante melhorar o financiamento da Educação Infantil.
Então
não é verdade que isso corresponde ao programa de 2014 porque
nenhum candidato a presidente da República teria coragem de
apresentar uma MP com essa gravidade para reformar o Ensino Médio.
Além
disso tudo que falei, existe um aspecto mais prejudicial e danoso.Não
se faz reforma educacional por Medida Provisória. O princípio da
educação nacional segundo o artigo 206 da Constituição Federal,
inciso sétimo, é a gestão democrática do ensino público.
Não
se faz reforma educacional por um instrumento legislativo que
estabelece um fato consumado sobre o qual os parlamentares têm que
opinar.
Ou
seja, é muito grave o que foi feito. Não é pouca coisa. E o
resultado disso, o que se expressa, é uma tentativa de desconstrução
de tudo que foi avançado, de tudo que deu certo nas gestões Lula e
Dilma. Agora o revanchismo político-partidário não pode prejudicar
os estudantes. É isso que está acontecendo com essa MP.
CC: Sobre
isso, o Congresso Nacional já vinha discutindo
uma reforma do Ensino Médio há três anos, por meio de um projeto
de lei do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). Qual a avaliação
que você faz dessa proposta?
DC:
Não era um bom projeto. Pelo contrário, se fosse um bom projeto,
teria sido absorvido pela gestão da presidenta Dilma. Se fosse um
projeto consensual teria sido aprovado, inclusive por ter recebido
advento de uma comissão especial.
O
mérito do Reginaldo Lopes foi o debate. Ele não tinha deliberado
efetivamente sobre o texto dele porque ele estava tocado e
sensibilizado com as críticas que ele recebia. O projeto do
Reginaldo Lopes tentava criar uma flexibilidade inflexível, era um
paradoxo.
Você
não cria uma flexibilidade no Ensino Médio apresentando aos alunos,
aos 16 anos de idade, cinco possibilidades de trajetória:
matemática, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e
ensino técnico profissionalizante de nível médio.
Naquele
momento os estudantes não estão preparados para escolher uma
trajetória. Eles estão preparados, sim, para escolher matéria. A
flexibilidade real seria como? Você cria um ciclo básico e cria
matérias optativas. Isso é flexível.
Isso
é o que acontece em outros países. Cálculo, por exemplo, poderia
ser uma disciplina ofertada numa escola para fazer com que o
estudante, que queira se aprofundar em matemática, possa entrar na
universidade com mais condições de fazer um bom curso de
engenharia. Isso é um problema no Brasil.
Praticamente
todo curso de ciências exatas gera vazão de uma série de
estudantes porque não tiveram uma base de cálculo e matemática no
Ensino Médio. Então [o caminho] não é dar a possibilidade do
jovem construir uma trajetória porque isso é pobre em termos de
possibilidade. E é muito sério pra cobrar de um estudante que
escolha um itinerário.
Mas,
sim, você dar para os jovens a possibilidade de escolher disciplinas
eletivas que, inclusive, conversem com a Base Nacional Comum
Curricular e com a LDB. É você criar formas mais atrativas de
apresentar os componentes curriculares para os estudantes. Isso é
flexibilidade, não é o que está sendo apresentado por esse
governo. O projeto do Reginaldo Lopes estava recebendo críticas e
estava sensível a essas críticas.
CC: Como,
na sua opinião, essa MP atropela o processo de conclusão da Base
Nacional Curricular Comum?
DC:
É difícil para as pessoas perceberam o jogo que está por trás
disso. A Maria Helena esteve, há alguns meses em São Paulo, e disse
que o debate sobre o Ensino Médio deveria parar porque ela queria
reformar o Ensino Médio. Isso saiu no Estadão.
Qual
é o jogo que está posto? A MP diz que, e o governo tem dito de
maneira irresponsável, que as Artes e Educação Física vão ser
recuperadas na Base Nacional Comum. No Ensino Fundamental essas
disciplinas não foram excluídas, mas para o Ensino Médio foram. Já
tem um recado claro aí.
Em
segundo lugar, eles dizem que toda aposta está depositada na Base e
aí algumas entidades que apoiam o governo e não tem coragem de
assumir, como o Todos Pela Educação, vão à imprensa e dizem que
tudo vai ser decidido na Base.
O
problema é que a Base estava num processo muito intenso de consulta
pública, esse processo foi paralisado e o que tem se comentado no
mundo da educação é que, se o conteúdo da participação social
for ruim, eles não vão utilizar esse conteúdo na formação da
Base, vão fazer um texto de gabinete.
Mas
qual é o ponto que eles trazem? Quando a Base for apresentada haverá
mais uma rodada de discussão. A Base vai ser apresentada em 2017,
quando o PSDB deve romper com o governo para poder lançar candidato
à Presidência -- porque dificilmente o Temer vai ter alguma
popularidade suficiente até 2018. A Base a ser lançada em 2017 está
nas mãos da Maria Helena. Mas vai ter um período em que ela já não
vai mais estar dentro do governo. A Base não vai ter dono.
Ou
seja, é muito provável que, em 2018, a gente ainda não tenha a
Base. E se tiver, vai ser dado um prazo de implementação
extremamente extenso porque uma Base que é apresentada sem
considerar a participação social não será incorporada pelos
professores.
É
possível que se repita com a Base Nacional Comum Curricular aquilo
que aconteceu com os parâmetros curriculares nacionais, liderados
pela Maria Helena e por outros membros do governo Fernando Henrique
Cardoso.
Na
época apresentaram uma proposta curricular que era alheia ao debate
que vinha sendo feito há anos para superar o currículo da ditadura
militar. O cenário que se apresenta é extremamente negativo. A
tendência é de jogar uma aposta muito grave e muito grande sobre a
Base e sequer ter o conteúdo da Base, com uma possibilidade de
ruptura da equipe pensante do MEC com o governo federal.
A
educação, que por muitos anos ficou protegida da disputa política,
e isso aconteceu de fato no governo Lula e menos no governo Dilma
Rousseff, volta a ser centro de disputa.
Até
porque o escolhido para ser ministro da Educação não é alguém
que goza de reconhecimento na área. Ele foi colocado na posição em
que está por ser do Democratas, um partido que apoia o governo
Temer. Ele não foi colocado na área por algum mérito ou por
entender de educação, ele até assume que não entende nada, que
não é a área dele, ele é um administrador.
CC: Queria
também expor para sua análise um argumento muito utilizado pelo
governo para justificar a MP da reforma do Ensino Médio, que é o
resultado do Ideb e o índice de evasão escolar. O senhor acredita
que esses números justificam uma MP e esse suposto caráter de
urgência?
DC:
Isso tem até a ver com os argumentos do governo para defender a PEC
241. Eles usam o mesmo argumento para fazer essas maldades. O que
acontece? Para usar uma metáfora, a educação é uma cidadã que
está morrendo de sede. Ela não tem acesso a uma água de qualidade,
vive com sede e precisa beber água para poder sobreviver. Se você
der metade de um copo de água para a educação, você não vai
resolver o problema.
O
que isso tem a ver com a crítica do governo? O governo utiliza o
resultado do Ideb para fazer uma crítica ao desempenho do Ensino
Médio. O que o Brasil podia fazer que não representasse custo
efetivo de investimento na educação já foi feito. Agora precisa
resolver as agendas urgentes para poder matar a sede da educação.
Quais
são essas agendas urgentes? É preciso pelo menos equiparar os
salários dos professores às demais profissões e melhorar a
infraestrutura das escolas, inclusive é isso que é pedido pelos
estudantes.
A
Unicef mostra que a infraestrutura é um elemento central de
reivindicação dos estudantes que ocuparam as escolas e querem uma
melhoria do Ensino Médio.
E
é preciso obrigatoriamente investir numa nova forma de fazer
pedagogia, tudo isso é agenda do Plano Nacional de Educação,
inclusive passa pela Base Nacional Curricular, que também é
agendada pelo Plano. Só que, em vez de buscar enfrentar essas
questões estruturais, o governo federal opta por abandonar o PNE e,
por Medida Provisória, forçar a implementação da sua política.
Não
vai dar certo. Educação não é corrida de 100 metros, educação é
maratona. O que vai acontecer com a MP do Ensino Médio é que tudo
vai ser tão descontinuado e tão desorganizado que, caso essa medida
seja implementada – os estados têm a opção de não implementar,
inclusive isso está sendo dito por vários secretários estaduais de
educação –, o resultado vai ser extremamente danoso na
organização das redes.
Então
a tendência não é que o Ideb melhore, é o Ideb piorar. Isso é
uma medida açodada para dizer que você está fazendo alguma coisa,
para retomar uma estratégia de focalização, para desconstruir o
que foi feito pelo governo passado, para investir no revanchismo
político sem pensar nas consequências pedagógicas.
Isso
acontece por quê? Porque são pessoas que não entendem de educação.
Eu
não posso dizer que a Maria Helena e a Maria Inês Fini [presidente
do Inep] não sabem de política educacional, sabem. Mas o trabalho
delas em São Paulo ou do partido delas em São Paulo sequer deu
resultado. Não dá para dizer que o PSDB faz uma boa gestão na área
da educação, considerando que eles estão há 24 anos agora.
Quer
dizer, já estão há mais de duas décadas na gestão e a educação
no Estado de São Paulo é péssima. Então essa justificativa do
Ideb é uma justificativa que, por muitos fatores, é incorreta.
Exclui o fato de que muito do que precisava ser feito para melhorar o
Ideb não foi feito e exclui o fato de que já existe uma agenda que
defende a melhoria do Ideb que é o Plano Nacional de Educação.
Ideb
é a meta 7 do plano e o governo sequer responde sobre o Ideb, sobre
a meta 7, sobre as demandas que estão postas para a melhoria da
qualidade da educação. Então é o uso de um indicador de forma
demagógica.
CC: A
Maria Helena Guimarães diz que há um “tédio” no Ensino Médio
no Brasil? O senhor concorda com esse diagnóstico? Acha que esse
problema se resolve com a MP da reforma do Ensino Médio?
DC:
É bem simples. Vamos supor que a MP seja implementada e aumente as
escolas de educação em tempo integral. Uma escola que vai,
simplesmente, sair de cinco horas diárias para sete , reproduzindo
uma educação entediante, só vai aumentar o tédio. Agora, eles
editaram uma portaria que cria ilhas de excelência.
Eles
assumem, hipocritamente, que não tem dinheiro com a PEC 241 e que
não tem dinheiro para trabalhar com todas as escolas e vão
trabalhar com as que já são boas ou que estão aptas a dar um salto
de qualidade.
Ou
seja, todo o trabalho feito pelas comunidades escolares vai ser
sugado pelo governo federal para ele colocar um recurso a mais, para
ele melhorar aquela escola de maneira orientada, criando essas ilhas
de excelência.
Para
o conjunto das matrículas de Ensino Médio, se houver educação em
tempo integral, será uma educação mais entendiante, sem artes, sem
educação física, sem filosofia e sociologia, sem as matérias que
os alunos mais gostam.
Então
se a Maria Helena está preocupada com o tédio, a MP é mais
entendiante ainda. Se o receio é a evasão, isso tende a aumentar.
Até porque o problema central do Ensino Médio não é no Ensino
Médio em si, é no percurso do estudante e especialmente nos anos
finais do Ensino Fundamental. Ali que você tem um problema grave.
CC: O
ministro Mendonça Filho deu a entender exatamente isso, que haverá
uma reforma do Ensino Fundamental também. Pelo que já foi falado, o
senhor tem uma ideia do que pode vir por aí?
DC:
Então, a portaria que foi lançada [em 11 de outubro] dá uma pista
bem clara de ilhas de excelência. O que eu vejo é que a tendência
para o Ensino Fundamental também é criar níveis de excelência e
aumentar a quantidade de parceria público-privada. Isso também é a
linha geral de um governo privatista. E não existe só uma
modalidade de privatização, existem várias modalidades, inclusive
passar aspectos importantes da gestão pública para a gestão
privada.
CC:
Alguns
especialistas da educação alertam para a possibilidade dessa MP
abrir portas para uma experiência privatista como a que ocorreu
em países latinos também, com as chamadas chartes
school? Esse é um dos caminhos?
DC:
O governo está estabelecendo a narrativa de que tem a PEC 241, então
o recurso público é menor. Então o governo vai dizer que é
preciso buscar soluções no mundo privado. Agora qual vai ser a
novidade do mundo privado?
É
que o privado no Brasil não tem capacidade para dar conta de todas
as matrículas, até porque não traz lucros. Mas existe um aspecto
mais pernicioso da MP do Ensino Médio.
É
o que permite, na trajetória da educação profissional, que sejam
feitas parcerias também com universidades privadas. As universidades
estão com muita dificuldade por conta da repressão do Fies [Fundo
de Financiamento Estudantil] e do ProUni.
Como
o governo não pode reproduzir o Fies por conta da PEC 241, o que vai
ser feito? Ele vai dar às instituições privadas, como Unip,
Uninove e grupo Estácio, o direito de ofertarem trajetórias de
profissionalização de um ano e meio. E aí vão fazer essas
trajetórias de profissionalização contabilizando créditos para o
Ensino Superior, isso é o jogo daquela questão dos créditos da
Medida Provisória. Essa será uma privatização mais evidente.
O
que eu estou querendo dizer em síntese é que, num primeiro momento,
as parceiras público-privadas vão ser orientadas em ilhas de
excelência, até para dizer que elas funcionam, o que não é
verdade porque elas vão utilizar aquilo que já vinha sendo
desenvolvido por boas escolas. Isso é pior até que a charter
schools.
Pior
não, mas uma modalidade diferente de privatização. Você
compartilha o processo de gestão. O setor privado compartilhando o
processo de gestão de uma escola estatal. Não dá para dizer que é
uma privatização de oferta de matrícula, é mais sútil e mais
perigosa porque diminui a gestão democrática, o controle social, o
processo de gestão fica mais centralizado.Esse é um caminho que vai
ser trilhado.
Um
outro caminho, mais próximo das charter
schools,
muito dedicado à linha da profissionalização, são entidades do
setor privado que vão ofertar a trajetória de um ano e meio
para os estudantes, em parceria com as secretarias de educação.
Então,
por exemplo, o Mackenzie vai lá e oferta uma quantidade de
matrículas para quem está fazendo um ano e meio de projeto de
profissionalização. Qual é o ponto? O foco da ação do Estado
passa a ser na trajetória dessa linha privatizante.
Quem
opta por essa profissionalização de baixa qualidade, quando entra
no mercado de trabalho, não consegue fazer com que o seu diploma
seja um diploma que subsidie a ação profissional.
O
profissional vai para o mercado de trabalho com um curso ruim, fica
quatro anos no mercado de trabalho na condição de subemprego e
volta para outro curso ruim. O único caminho que ele entende que
pode dar chance no mercado de trabalho são os cursos ruins.
Ele
prejudica a formação dele, prejudica o ingresso mercado de trabalho
e o conjunto da carreira dele para aquilo que a OIT chama de trabalho
decente. O que mais prejudica uma trajetória de trabalho decente é
exatamente uma profissionalização em cursos de baixa qualidade.
Isso numa situação de crescimento econômico, imagina agora.
CC: Isso
se conecta de alguma forma com a crítica que foi feita sobre a
retirada de disciplinas de humanas? Logo que a MP foi anunciada,
foram feitas análises de que essa reforma pretendia formar mais
mão-de-obra do que estudantes pensantes. Isso pode ser um reflexo da
MP ou é uma teoria fantasiosa?
DC:
Não é que todos vão seguir uma formação mais medíocre. A
formação mais medíocre vai ser para os mais pobres. Existe uma
irresponsabilidade no discurso. Eles dizem: “nós queremos dar
conta das necessidades dos jovens”.
E
é claro que os jovens desejam profissionalização. O problema é
que o gestor público precisa pensar além da demanda mais explícita
do cidadão, precisa analisar o conjunto de fatores para poder
corresponder da maneira mais correta e mais aprofundada sobre essa
demanda.
O
pior que pode acontecer para o gestor público é o estudante dizer
que quer profissionalizar, ele vai e dá o pior caminho, que não vai
garantir a plenitude profissional do estudante. É o que acontece com
essa MP do Ensino Médio.
Aqueles
que vão optar pelo itinerário propedêutico não vão ter impacto,
até porque são tomadores de opinião, são de famílias com mais
renda e vão para a universidade. Para que dependem do dinheiro no
final do mês, essa trajetória de baixa qualidade vai ser uma
tragédia.
Importante
ter consciência que a questão do trabalho deve compor o Ensino
Médio, isso é um fato. Mas não deve ser uma agenda pela metade.
Não como uma formação. É quase que fazer uma política que não é
emancipatória.
Fonte:CartaCapital
Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara destrincha MP 746, que impôs mudanças e provocou ocupações em escolas
Suamy Beydoun/AGIF/AFP
Estudantes protestam contra a Reforma do Ensino Médio, que representaria um retrocesso para a educação pública
DC: Não era um bom projeto. Pelo contrário, se fosse um bom projeto, teria sido absorvido pela gestão da presidenta Dilma. Se fosse um projeto consensual teria sido aprovado, inclusive por ter recebido advento de uma comissão especial.
DC: Isso tem até a ver com os argumentos do governo para defender a PEC 241. Eles usam o mesmo argumento para fazer essas maldades. O que acontece? Para usar uma metáfora, a educação é uma cidadã que está morrendo de sede. Ela não tem acesso a uma água de qualidade, vive com sede e precisa beber água para poder sobreviver. Se você der metade de um copo de água para a educação, você não vai resolver o problema.
DC: O governo está estabelecendo a narrativa de que tem a PEC 241, então o recurso público é menor. Então o governo vai dizer que é preciso buscar soluções no mundo privado. Agora qual vai ser a novidade do mundo privado?
DC: Não é que todos vão seguir uma formação mais medíocre. A formação mais medíocre vai ser para os mais pobres. Existe uma irresponsabilidade no discurso. Eles dizem: “nós queremos dar conta das necessidades dos jovens”.
Um comentário:
Eu já falei tanto dessa idiotice que muitos engoliram com Fernando Henrique e hoje tantos anos depois a mesma porcaria e o povo se quer acordam para ver o tamanho da retração.
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