Franciscano narra, sob a ótica do povo, aspectos da existência humana
“A vida não deve ser separada da religiosidade.” Pode até soar piegas essa frase de frei Chico, missionário holandês que chegou ao Brasil em 1968 e iniciou longa pesquisa sobre a cultura popular no Vale do Jequitinhonha. Mas, na prática, não é difícil constatar como a humanidade se mantém distante desse objetivo.
O frade é exceção: aproximou-se dos mais humildes e, em vez de ver pobreza, encantou-se com a riqueza das manifestações de fé. O resultado desse processo deu origem ao livro Abecedário da religiosidade popular – Vida e religião no Brasil.
Com 8,5 mil verbetes, a obra sintetiza as conexões que o povo brasileiro estabelece com a fé. Com previsão de lançamento no ano que vem, o livro é o projeto de uma vida.
Com 8,5 mil verbetes, a obra sintetiza as conexões que o povo brasileiro estabelece com a fé. Com previsão de lançamento no ano que vem, o livro é o projeto de uma vida.
Logo que chegou a Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, frei Chico se encantou com a sonoridade das canções da cozinheira Filó, mesmo sem falar português. Não demorou a surgir a idéia de fundar um coral com sete mulheres da região.
Naquele grupo estava a artesã Maria Lira Marques. “Ela deu um destino à minha permanência no Brasil”, conta o franciscano, impressionado com a sabedoria da artista. “Tive a intuição de que aquilo era importante”, lembra o religioso – um erudito que fala, além do português e holandês, latim, grego, francês, alemão e inglês. Nem de longe aquele holandês culto imaginava o que encontraria num lugar tão pobre. “O contato com a Lira, que tem outra visão de mundo, me deu a diferença e me fez ver as coisas de outro jeito”, reforça.
Cultura popular e libertação
Seguidor da teologia da libertação e do socialismo, frei Chico não concordava com alguns aspectos dessas doutrinas, que tratavam a valorização da cultura popular como uma espécie de fuga. “Para os pobres, dia de festa religiosa não é fuga: é o dia da fartura, de roupa nova. O único momento em que se acredita na alternativa às desgraças do dia a dia”, afirma ele. Suas convicções e reflexões ganharam importante aliada: a obra do educador Paulo Freire, “que praticava o socialismo e valorizava a cultura popular”, lembra frei Chico.
Enquanto formava líderes na região de Araçuaí e aprendia com as manifestações populares, frei Chico ainda não sabia o que fazer com aquilo.
Seguidor da teologia da libertação e do socialismo, frei Chico não concordava com alguns aspectos dessas doutrinas, que tratavam a valorização da cultura popular como uma espécie de fuga. “Para os pobres, dia de festa religiosa não é fuga: é o dia da fartura, de roupa nova. O único momento em que se acredita na alternativa às desgraças do dia a dia”, afirma ele. Suas convicções e reflexões ganharam importante aliada: a obra do educador Paulo Freire, “que praticava o socialismo e valorizava a cultura popular”, lembra frei Chico.
Enquanto formava líderes na região de Araçuaí e aprendia com as manifestações populares, frei Chico ainda não sabia o que fazer com aquilo.
Autorizado pela Igreja a se dedicar exclusivamente aos estudos da religiosidade popular, a partir de 1978 o frade resolveu aprofundar seu relacionamento com os pobres. “Para falar em nome deles, deveria participar mais daquela vida. Saí de Araçuaí e fui morar na Colônia de Santa Isabel, em Betim, com a intenção de dar dignidade ao leproso. Dessas pesquisas nasceu a minha capacidade de avaliar”, revela. Inicialmente, pensou em escrever um manual da fé popular. Consciente de que não existe síntese possível para algo tão amplo, passou a se dedicar a projeto mais ambicioso: um dicionário.
Abecedário da religiosidade popular – Vida e religião no Brasil nasceu desse processo. Em 8,5 mil verbetes e 6,5 mil notas de rodapé, frei Chico narra, sob a ótica do povo, aspectos da existência humana – do nascimento, no parto, até o enterro, a morte. “Descobri que religião e fé começam ao pé da enxada, não no templo. O Deus vivo se encontra na vida”, resume. Maria Lira foi a guia dessa jornada: “Ela me abriu as portas. O povo não tinha por que acreditar que um religioso pudesse pensar diferente dos outros e valorizar suas manifestações”.
TERRA
A artista do Vale do Jequitinhonha foi fundamental para o dicionário, ao criar as pinturas em terra que o ilustram. Lira teve liberdade para inventar as iluminuras a partir de sua forte ligação com a temática abordada. Mas nem sempre as letras têm a ver com os desenhos. “Para o A, imaginei a criação do mundo, um Divino Espírito Santo pairando sobre as árvores. Fui nesse ritmo até chegar ao Z, que é o movimento dos sem-terra. Fiz uma nuvem de onde saem muitos corações, como se fosse chuva, e coloquei uma enxadinha na bandeira do MST.”
Não houve limitações para o trabalho de Lira. “Também retratei a umbanda e o congado, porque tudo está ligado pela religiosidade popular. Pesquisei muito, li inúmeros livros e não houve proibição de nada.”
Abecedário da religiosidade popular – Vida e religião no Brasil nasceu desse processo. Em 8,5 mil verbetes e 6,5 mil notas de rodapé, frei Chico narra, sob a ótica do povo, aspectos da existência humana – do nascimento, no parto, até o enterro, a morte. “Descobri que religião e fé começam ao pé da enxada, não no templo. O Deus vivo se encontra na vida”, resume. Maria Lira foi a guia dessa jornada: “Ela me abriu as portas. O povo não tinha por que acreditar que um religioso pudesse pensar diferente dos outros e valorizar suas manifestações”.
TERRA
A artista do Vale do Jequitinhonha foi fundamental para o dicionário, ao criar as pinturas em terra que o ilustram. Lira teve liberdade para inventar as iluminuras a partir de sua forte ligação com a temática abordada. Mas nem sempre as letras têm a ver com os desenhos. “Para o A, imaginei a criação do mundo, um Divino Espírito Santo pairando sobre as árvores. Fui nesse ritmo até chegar ao Z, que é o movimento dos sem-terra. Fiz uma nuvem de onde saem muitos corações, como se fosse chuva, e coloquei uma enxadinha na bandeira do MST.”
Não houve limitações para o trabalho de Lira. “Também retratei a umbanda e o congado, porque tudo está ligado pela religiosidade popular. Pesquisei muito, li inúmeros livros e não houve proibição de nada.”
Ela usou como pigmento a terra diluída em água e cola. “O sentido do dicionário é terra, é pé no chão, são as coisas do povo. Isso não foi difícil de sintetizar”, explica. Para a artesã, o dicionário tem grande importância. “Não há nenhum que mostre a riqueza do povo”, conclui.
Fonte: Portal Uai
Fonte: Portal Uai
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