segunda-feira, 18 de junho de 2012

Simplismo insustentável, de José de Souza Martins


Excertos do artigo de José de Souza Martins publicado n´O Estado de S.Paulo, Caderno Aliás, deste domingo:


Simplismo insustentável

José de Souza Martins  

(...) a questão do modelo alternativo de desenvolvimento sustentável acaba parecendo pretexto que oculta propósitos diferentes dos aceitáveis por muitos para constituição de uma maioria eficaz. Aquela capaz de opor vigoroso questionamento a obras como a da problemática barragem de Belo Monte, no Pará e a do canal de transposição de águas do Rio São Francisco. E também ao retrocesso de um Código Florestal que nos leva a um dos piores momentos do passado, o da renúncia do Estado à condição de tutor do bem comum, colocando-o sob o jugo dos interesses privados.

Justamente aí ganham visibilidade as incongruências e contradições de uma esquerda que, tendo chegado ao poder empurrada pela força de uma liderança carismática e, portanto,muito além dos limites de uma legitimidade sensata, não sabe o que fazer com o poder tão facilmente conquistado. 

Nestes tempos de monarquia invisível, de mandatos equivocadamente hereditários, é compreensível que os eleitos no marco de um ideário, de esquerda, sintam-se tentados, no afã de manter o poder a qualquer custo, a transigir com forças políticas oportunistas. Aquelas que, atadas a valores que estão aquém da democracia, dos direitos sociais e da própria civilidade, facilmente caem na tentação de impor ao país, por meio de um poder que é frágil e que foi conquistado nas facilidades do discurso messiânico, um modelo de economia indeciso entre o ganho racional próprio do capitalismo e o saque.

Não é surpresa, portanto, que o país viva com a corrupção pela goela. O comprometimento do desenvolvimento sustentável pelas vacilações políticas do governo não é estranho à mesma cultura da corrupção se a entendermos como expressão das regras do vade-mecum oculto do atravessamento não só do que é legal, mas também do que é legitimo, num país em que, com alguma frequência, o legal e o legítimo se estranham.

Nos países politizados, e não apenas partidarizados como o nosso, os próprios movimentos sociais já teriam retirado seu apoio aos partidos messiânicos e suas coalizões problemáticas e reacionárias e compreendido que suas bandeiras ideológicas, como neste caso, deveriam erguer-se acima das facções partidárias. É o que lhes daria a liberdade de expressar com vigor não só sua capacidade de agitar bandeiras, mas também a de lograr metas políticas de indiscutível cunho social e a de vergar o Estado aos imperativos da razão e das demandas mais sensatas da opinião pública. Ação política proposta muito além e muito acima do teatro de uma discordância fingida porque lhes é impossível uma discordância efetiva e efetiva se fosse pautada por práticas consequentes de superação dos bloqueios que ataram a esquerda à direita.

A questão do desenvolvimento sustentável fica muito aquém do possível na medida em que os movimentos sociais e populares vacilam quanto a quem podem ser seus verdadeiros aliados. Aqueles que de maneira racional e sem a pendência de tributos e pedágios ao parasitismo político, possam compreender e viabilizar as metas da sustentabilidade, não só como metas ecológicas, mas também como metas sociais de largo alcance. 

Um outro mundo é possível, não há dúvida, mas para chegar a ele é preciso política, isto é, práxis inovadora e transformadora, muito além das simplificações do nosso misticismo político. Justamente o que está faltando aos movimentos populares e aos movimentos sociais. 

José de Souza Martins é sociólogo, professor aposentado da USP, estudioso da questão agrária, da migração, e do trabalho infantil e escravo no  mundo. Autor de mais de 20 livros, entre eles  "Não há terras para plantar neste verão", sobre migração no Vale do Jequitinhonha; "Os camponeses e a política no Brasil"; "A militarização da questão agrária"; "Exclusão social e a nova desigualdade".
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