Desempenho das crianças fica comprometido com o grande esforço e a dificuldade de se chegar em sala
Fonte: Leida Reis, do Hoje em Dia, 27.06.2011 Eles falam pouco. Mal entram no ônibus escolar, acomodam-se nos bancos do fundo com suas mochilas. A intenção é descansar das quase duas horas de caminhada iniciada no Covão, a comunidade quilombola de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, onde moram, até o ponto da estrada em que entram no veículo. Dali, são mais duas horas em que o cochilo é desafiado pelos solavancos provocados pela estrada de terra sinuosa que leva à cidade. Ao todo, gastam oito horas, entre o ir e o vir, para estudar. Vencem 16 quilômetros a pé e 50 num ônibus sem cinto de segurança.
A maioria dos cerca de 15 alunos vai para a Escola Municipal João Antunes de Oliveira. Ali, os professores atestam o desempenho nada satisfatório de crianças e adolescentes que enfrentam o martírio da caminhada até o ponto de ônibus. Sono e desconcentração são os inimigos do aprendizado.
"Tenho que acordar um pouco antes de 2h30 para pegar o escolar aqui na estrada, por volta das 4h30. Vou dormir às 6 horas da tarde para conseguir acordar no outro dia. Gosto de estudar, mas não quero ter que andar tanto. Não é justo", diz o franzino Eliseu dos Santos Ferreira, de 12 anos, que está no 8º ano.
No início deste ano, a ponte sobre um dos rios que passam pelo Covão caiu. Era período de provas. Por duas semanas, os estudantes faltaram às aulas. Ausências assim acabam resultando em reprovação, motivo pelo qual Júnior, Wagner e Eliseu - com 16, 14 e 12 anos, respectivamente - são colegas de sala no 8º ano, apesar das idades diferentes.
Como o ônibus não tem cinto de segurança nos assentos, os estudantes contam que já houve quedas, e que elas ocorrem geralmente quando alguém está cochilando.
No Brasil, 4,7 milhões de alunos da educação básica dependem do transporte escolar gratuito. Sem isso, não têm como chegar à escola. Mas não há levantamento de quantos enfrentam caminhadas por trilhas perigosas, travessias de rios e córregos, para pegar o caminhão, a lancha, o ônibus, a van ou a Kombi que os levará ao ponto onde para o veículo. Heric Gabriel de Souza, de 5 anos: percurso até a escola é feito de bicicleta
Em Minas Gerais, 290 mil estudantes da rede estadual e 270 mil da rede municipal usam o transporte bancado pelas prefeituras, com ajuda financeira do Estado. Pela primeira vez, a Secretaria de Estado da Educação vai realizar um diagnóstico do serviço prestado aos estudantes em Minas. Um grupo de trabalho já começou a estudar a situação.
Estudantes em Itamarandiba
Os filhos de José Raimundo da Silva, de 48 anos, saem de casa às 5 horas e caminham durante uma hora para chegar ao local onde pegam o ônibus que os deixa no povoado de Santa Joana, em Itamarandiba (Jequitinhonha), onde estudam. Estão na escola integral, e só retornam no fim da tarde. Núbia, de 8 anos, Wellington, de 9, Wallisom, de 10, Daniel, de 12, e Dara, de 15 anos, enfrentam sol e chuva para estudar. "Eles se sacrificam caminhando tanto, mas não vão desistir. Eu sempre falo a eles que é preciso estudar para ter um futuro melhor que o meu e de meus pais", diz o pequeno agricultor, que prefere a vida no campo. "Não quero ir para a cidade porque acho difícil criar filho lá, no mundo das drogas".
Vicélia Ferreira das Dores e Alex Caíque das Dores têm de caminhar meia hora até o ponto do ônibus escolar (Foto: Weslwy Rodrigues)
José Raimundo mora dentro do Parque Estadual da Serra Negra, onde também vive a família de Vicélia Ferraz das Dores, de 15 anos, e Alex Caíque das Dores, de 7 anos. Eles caminham durante meia hora para pegar o ônibus escolar às 6h30. O veículo gasta mais meia hora para chegar a Santa Joana. "Chegamos cansados na escola, mas isso não atrapalha o rendimento", diz Vicélia que, apesar da idade, ainda cursa o 7º ano, enquanto o irmão, que sonha ser vendedor de carro, está no 1º. Quando chove, eles faltam às aulas porque o ônibus não enfrenta a estrada com trechos bastante íngremes. A prefeitura não pode mexer na estrada por ela estar dentro de uma unidade de conservação ambiental.
Aos 5 anos, o pequeno Heric Gabriel de Souza já escreve o próprio nome. Estuda numa escola municipal do Retiro, bem perto de casa, e vai, sozinho, na pequena bicicleta. A avó, Maria do Socorro de Souza, está otimista com o aprendizado do neto. A aula é das 7 às 11 horas. "Ele acorda sempre antes da hora e, mesmo se estiver gripado, não quer faltar. Conhece as letras, escreve o primeiro nome da professora, Ornélia, esquecendo apenas a letra L", diz.
Muitos aproveitam o ônibus para cochilar
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