Um Santos para a Política
POR Rudá Ricci Tenho orgulho de ser corinthiano. Não vou dizer que é desde criancinha porque não é verdade. Comecei a torcer pelo Timão em 1977, quando ganhamos o campeonato paulista e quebramos o jejum de 23 anos. Acho que virei torcedor pelos mesmos motivos que a grande maioria da Nação Corinthiana: tinha algo de mágico tanta gente torcer por um time que não vencia. Porque torcer para quem ganha é fácil, até óbvio. Mas torcer pelo Timão é puro ato de amor, de garra, de gratuidade. Aí não tem para ninguém: “é nóis na fita, mano!”. Nem flamenguista, nem nada.
Bom, tem uma pedra no sapato desta história toda: o Santos.
Raios! Já não bastava o Pelé? O fato é que duvido que quem goste de futebol tenha ficado sem assistir um jogo do Santos deste time de Ganso, Neymar e Arouca (para não citar os outros, que aí já é pedir muito). No último jogo da Libertadores, me vi gritando gol quando Neymar abriu o placar. Logo olhei para os lados para me certificar que não havia espião tirando uma foto reveladora. O Neymar é mascarado e tudo o mais. Mas o cara dá uns cortes para fora e para dentro que nem em pensamento eu me vi fazendo algo igual. E confesso que muitas vezes me vi sonhando cobrar uma falta que fez a bola morrer na gaveta. O interessante é que o resto do time também dá uns cortes desconcertantes. Fora os passes a lá Zico do Ganso. Não tem jeito: acho que vamos ter que ouvir o narrador dizer que Ganso passou a bola para Pato durante um jogo da seleção. Vai ser um mico, mas vai valer a pena.
Acabou o jogo, Santos é tricampeão e fiquei pensando: e se este time estivesse na política?
Comecei pelo óbvio: eles são jovens. Mas jovens que jogam como jovens. Porque os jovens políticos são mais velhos que João Havelange. Pensam, se vestem e falam como velhos. Basta ver e ouvir o ACM Neto. Ele nem consegue conter o sorriso maroto (talvez o seu único traço jovem, que ainda não consegue conter). Parece Chapolin Colorado dizendo: “não contavam com minha astúcia!”
Os meninos do Santos jogam como jovens. Brincam com a bola, mas querem a vitória. Acho que é daí que nasce a criatividade. Porque jogam toda semana e sempre criam algo novo. É que todo jogo é novo para eles. E eles adoram ganhar. Como todo adolescente. Os jogadores adultos também gostam de ganhar. Mas eles se matam para ganhar, se levam muito a sério, querem o dinheiro e a sua valorização. Os meninos do Santos querem ganhar. E ponto final. Então não basta a vitória. O que dá gosto é o risco, é a humilhação que impõem ao adversário. E, além de tudo, vem até com gol. Por este motivo o marcador uruguaio de Neymar não comentou o drible, mas o sorriso irônico do astro do Santos. Gol e drible ainda engolem. Mas sorriso irônico... aí é demais! Coisa de garoto que dá um tapinha no rosto do outro só para provocar.
O time do Santos ainda tem objetividade. Vai em linha reta para o gol. Político jovem no Brasil é ensaboado desde criancinha. É que tem como exemplo este tipo de jogo em que o bastidor é que vale. O jogo na arena aberta é só para inglês ver. E se aparecer como o esperto da vez, melhor ainda. Porque dribla com aquela famosa frase: “rouba, mas faz”. Não que todos roubem. Mas esta frase expõe a filosofia reinante, já que não basta ser objetivo por vocação. O importante é ser esperto. Se vier o gol, melhor. Mas não é essencial.
O time do Santos tem outro atributo que não temos nos jovens políticos: talento. O time encanta, enche os olhos, nos faz esquecer para que time torcemos. Os jovens políticos não encantam porque são previsíveis. Tempos atrás, ouvi o professor da USP Nilson José Machado (o verdadeiro inventor do ENEM) desfechar uma frase desconcertante. Ele dizia: “você já ouviu alguém dizer que gostaria de ser um desiludido? Não, não é? Porque o ser humano vive de ilusão, aquela luz que brilha adiante e que nos move”.
Pois bem, esta é a ilusão que faz brilhar nossos olhos quando vemos os garotos do Santos em campo. Eles encantam o mundo. Por algumas horas o mundo fica mais mágico. Aguardamos por aquele lance mágico. Sabemos que ele vai ocorrer, mas não temos noção alguma de qual será. Acredito que nem eles, os jogadores, sabem ao certo. Porque se soubessem, não seria tão mágico. Repetiriam no lance seguinte. Acho até que esta é a maior perda do Ronaldinho Gaúcho: ele treina para fazer um lance novo. Pode até sair, mas não será mágico. Será burocrático. Como nossos jovens políticos.
Depois do Santos de Pelé, agora temos o Santos de Neymar e Ganso. Resta a esperança de termos algo parecido no futuro de nossa política tupiniquim.
Rudá Ricci, meu lúcido professor, é sociólogo e cientista política. Paulista, morador de BH há 20 anos, professor da PUC MG, escreveu esta crônica/artigo sobre o time do Santos. Publicou no seu Blog De esquerda em Esquerda, neste 24.06.2011.
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