Proposta do Orçamento 2020 de Minas registra aumento do déficit e piora da crise fiscal.
Artigo de Wieland Silberschneider, doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela UFMG.
Proposta Orçamentária do Governo Zema para 2020 mostra que a crise fiscal se acelerou. Déficit Orçamentário se eleva 16,1%. O aumento do déficit, que corresponde à falta de recursos para pagamento de 2 meses de despesas, mostra que os esforços para gestão da crise não estão surtindo efeito.
A Despesa de Pessoal apresentada pelo Executivo registra previsão de decréscimo de -2,9% em relação ao constante da proposta de 2019. Outras Despesas Correntes para manutenção dos órgãos sobem 13,0%. Ficam bem acima da inflação e desempenho Receita Fiscal Disponível Total deve ser de apenas 1,8%.
A importância da análise do orçamento
O Governo Romeu Zema acaba de enviar o Projeto de Lei do Orçamento para 2020 – PLOA, com um déficit orçamentário de R$ 13,292 bilhões. Como é comum, a imprensa divulga, com estardalhaço, o montante do déficit. Não se digna, porém, a fazer a análise, por mais sucinta que seja, do que está por detrás destes números. Com isso, a importância do orçamento, que representa tudo aquilo que o governo pode fazer pelo povo, como já bem disse o Presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, continua distante do cidadão. Apresenta-se como uma mera formalidade. E, em um momento de tamanha crise fiscal, cabe perguntar o que podemos esperar da Administração Estadual de Minas Gerais em 2020 com esta proposta orçamentária.
Limitação de Despesas à inflação
Certamente, para o cidadão, interessa saber como deverão ficar as despesas com as principais funções de governo como Saúde, Educação, Segurança Pública e Meio Ambiente. Elas afetam diretamente sua vida. Sobre estas despesas, porém, independentemente de olharmos os números, as notícias não são boas. Afinal, diante da já duradoura crise, todos os gastos estão comprimidos. Além disso, Minas se submeteu à LC 156/16, que determina o não crescimento das despesas primárias acima da inflação. É verdade que, se olharmos o PLOA, vamos ficar em dúvida. Em razão de ter de atender à exigência de cumprimento dos mínimos constitucionais de Saúde e Educação-e, também de Ciência e Tecnologia, a proposta orçamentária aparenta ser menos ruim. Os números escondem a realidade, porque, durante a execução orçamentária, não se confirmam, justamente devido à crise financeira. Assim, o que nos interessa compreender é se a proposta orçamentária representa melhora da situação fiscal do Estado.
A análise da Receita Fiscal Disponível do PLOA enviado pelo Governador Zema mostra que o desempenho esperado é modesto. Acusa crescimento de apenas 1,8%, muito abaixo do acumulado de 5,78% projetado pelo mercado para PIB (2,0%) e IPCA ( 3,78%) para o próximo ano. ICMS e IPVA, por sua vez, estão estimados com crescimento, respectivamente, de 7,96% e 11,43%. Isso é visivelmente mais otimista do que o nível de atividade da economia brasileira e mineira em curso, traduzido pela própria projeção do PIB.
Despesa de Pessoal Total apresentada pelo Governo Zema para o Poder Executivo prevê um decréscimo inédito de – 2,9% em relação à proposta de 2019, que não se explica pelo ritmo de aposentadorias.
Despesa de Pessoal
No caso da previsão de gastos, a Despesa de Pessoal Total apresentada pelo Governo Zema registra crescimento negativo de -1,0% em relação à proposta de 2019. Na verdade, somente o Poder Executivo apresenta um decréscimo maior: – 2,9%. Trata-se de algo inédito, que o ritmo de aposentadorias por si só não consegue explicar. Por sua vez, a Despesa Fiscal Total cresce 3,0% no limite da inflação esperada. Vale lembrar que, para 2015, primeiro ano de exposição da crise, o Governo Anastasia deixou, como herança, aumento de 25% dos gastos com pessoal, enquanto o Governo Pimentel entregou com estimativa de 4,0%, pouco superior à inflação.
O decréscimo da Despesa de Pessoal abrange tanto a Administração Direta quanto a Indireta. Na Direta , cai mais (-3,90%). Na Indireta, a redução é dividida entre Autarquias e Fundações (-0,84%) , de um lado, e Empresas Estatais Dependentes, do outro (-0,83%).
A previsão de desempenho da Despesa Fiscal esconde a realidade fiscal. Na verdade, o agregado de Outras Despesas Correntes, que engloba os gastos com manutenção dos serviços e programas a cargo dos órgãos estaduais. tem previsão de crescimento de 13,38%. Se, de um lado, é uma boa notícia por significar que, de algum modo a Administração Estadual está recebendo créditos para seu funcionamento, por outro sabendo das extremas limitações financeiras, é provável a geração de mais despesas sem o devido acobertamento financeiro.
Despesas de Outros Poderes
Previsão de crescimento da Despesa de Pessoal de Outros Poderes para 2020 é de 5,71% e o de Inversões Financeiras de 57,84%, ambos acima da inflação projetada de 3,78% para o próximo ano.
Um ponto a se destacar do PLOA 2020 é que ele mantém a característica das propostas orçamentárias de exercícios anteriores é a de não alinhamento ao cenário de crise das autorizações de gastos para Outros Poderes, situação fiscal discutível, ainda que estejam sujeitos a mínimos constitucionais, tenham alguma receita própria como o Tribunal de Justiça ou que formalmente sejam Poderes independentes. Para 2020, a previsão de crescimento da Despesa de Pessoal é de 5,71% e o de Inversões Financeiras de 57,84%, ambos acima da inflação projetada para o próximo ano. Em 2019, o PLOA já havia previsto 14,87% de aumento de remuneração e, para 2018, 5,51%. No caso de Outras Despesas Correntes, o crescimento é modesto para 2020 (1,80%), mas foi de 26,62% em 2019 e de 10,45% em 2017, o que, cumulativamente, pavimentou um patamar de gastos na contramão da crise.
Déficit Orçamentário
Neste contexto, o Projeto de Lei Orçamentária 2020 consolida uma Receita Fiscal Total de R$ 103,523 bilhões e uma Despesa Fiscal Total de R$ 116,815 bi, que resulta, portanto, no já mencionado déficit orçamentário de R$ 13,292 bi. Este déficit cresce 16,16% em relação ao que constou do PLOA 2019, o que constitui forte agravamento da situação fiscal de Minas Gerais, diante de uma inflação estimada de apenas 3,78% para o período seguinte. Evidentemente, os esforços para sua gestão não estão surtindo efeito, seja quanto ao ritmo de crescimento das receitas quanto das despesas.
Para entendermos com maior clareza a gravidade do aumento do déficit, vamos lembrar que as Receitas Intra-Orçamentárias são da ordem de R$ 20,006 bilhões. Ou seja, o Orçamento do Estado contabiliza duplamente este montante de recursos por determinação legal. Se descontarmos esta quantia da Receita Fiscal Total (R$ 103,5 bi), temos a Receita Fiscal Disponível de R$ 83,518 bilhões, que constitui o montante de dinheiro, realmente, em mãos da Administração Estadual.
Déficit de R$13,2 bilhões para 2020 significa dizer, em número de meses, que ele corresponde à falta de praticamente 2 (dois) meses de receita para pagamentos.
Se dividirmos o déficit (R$ 13,2 bi) por este valor, temos que ele equivale a 15,91%. Isto significa dizer que, em número de meses, o déficit corresponde à falta de praticamente 2 (dois) meses de receita para pagamentos (cada mês = 1/12 = 8,33%). Supondo a distribuição equalizada das despesas por mês, quando acabar o mês de outubro de 2020, acabará também, segundo a previsão orçamentária, dinheiro para pagar os compromissos em novembro e dezembro. O PLOA é um instrumento de projeção sujeito a cada ano a critérios diversos de elaboração. Contudo, os dados de exercícios anteriores apontam que a crise vem se agravando a cada ano. Em 2015, o déficit estimado equivalia a 10,64% ou cerca de 1 (um) mês e uma semana. Foi em 2016 = 12,88%, 2017= 11,17%,2018 = 10,05% e 2019 = 13,94% (cerca de um mês e meio).
Não resta dúvida, portanto, de que a proposta orçamentária para 2020 não é uma boa notícia. A crise continua em agravamento, mas só se fala em números gerais do déficit. Fica o sonho de que o cidadão possa algum dia entender que o tamanho desse déficit significa para ele perda de renda. O tributo que entrega, de várias formas, como parte de sua renda pessoal, não vai dar para produzir um serviço público de qualidade em Minas Gerais no próximo ano. Entretanto, no momento, orçamento continua sendo assunto chato, de interesse somente para burocratas do setor público e assessoria da assembleia … E, neste contexto, a dita recuperação fiscal desponta como um remédio amargo. Todos discutem se o paciente deve tomar. Não conseguem, porém, ao menos, dizer que nem a temperatura alta do paciente ele será capaz de baixar!
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