Francisca Maria da
Silva* e Leonardo Koury Martins*
13/10/2019, às18:00
O Brasil, país de
dimensão continental, dotado de uma enorme reserva aquífera, de clima tropical
e a quarta maior territorialidade litorânea no mundo, tem um enorme potencial
fomentador do desenvolvimento sustentável. O problema é que diante da vastidão de
possibilidades e oportunidades que a nossa rica natureza nos oferece, por vezes
esquecemos de sua finitude e da necessidade que temos de aprender a manuseá-la
e gerenciá-la para que não provoquemos sua escassez ou esgotamento.
Aqui, como em quase
todo o mundo, a relação entre as necessidades humanas e a ontologia do trabalho
deve ser resgatada para fazer um contraponto ao nosso modus operandi de consumo
desenfreado, que tem se arrastado desde o século 20 e se apresentado com
consequências mais fortes e danosas ainda mais neste início de século 21.
A mudança das plantas e
parques industriais, o advento da tecnologia e toda a complexidade das relações
humanas trouxeram para o planeta um quadro difícil. Um grande desafio se
apresenta e para vencê-lo é preciso resposta para uma gigantesca pergunta: como
saber equilibrar a ânsia do modelo de produção econômico vigente, com nossas
necessidades sociais e individuais, e a possibilidade de o planeta construir
suas relações de mercado?
A Agenda 2030,
constituída de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e criada e
referendada por 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU),
indicou vários caminhos. Entre eles, o estabelecido no ODS 12: "Consumo e
produção responsáveis". Na sua lista de compromissos, ele exige que nos
próximos 11 anos adotemos uma série de mudanças indispensáveis para a redução
da pegada ecológica sobre o meio ambiente.
É a hora de estabelecer
novas lógicas, com a promoção do reaproveitamento integral dos alimentos, da
agroecologia como forma de produção
Dita que usemos a
informação, a gestão coordenada, a transparência e a responsabilização dos
atores consumidores de recursos naturais como ferramentas-chave para o alcance
de padrões mais sustentáveis de produção e consumo. Mas também determina algo
de ordem bem mais prática, como a promoção da eficiência do uso de recursos
energéticos e naturais, da infraestrutura sustentável e do acesso a serviços
básicos.
Neste ponto, nós,
brasileiros, chegamos a experimentar alguns bons caminhos. Seja pela criação de
medidas inovadoras, capitaneadas pelos movimentos da sociedade civil e por
governos, ou apenas pelo exercício de uma vocação natural. Em nosso país, por
exemplo, 70% dos alimentos consumidos já são oriundos da produção agrícola de
povos e comunidades tradicionais e dos agricultores familiares. Em suma, das
pequenas propriedades. Os dados são da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO).
Nos últimos anos também
reacendemos alguns debates sobre a condição de consumo de mercadorias, em
especial a industrial, como no caso da confecção do Guia Alimentar da População
Brasileira, que resultaram na valorização das práticas artesanais e da economia
solidária. Com isso, tivemos uma ampliação dos espaços de comercialização e da
estilização dos produtos do artesanato que resultaram num ganho e numa nova
agenda de identidade, consumo e uso, seja com o advento das sacolas
retornáveis, dos produtos diretos das áreas rurais ou mesmo do incentivo direto
a um mercado menos agressivo e próximo da população.
Embora ainda pequena, a
reflexão levou, ainda, a uma série de investimentos na construção de
parques energéticos eólicos e do uso da energia solar. Programas como o Minha
Casa Minha Vida garantiram em grande parte das novas residências equipamentos
de captação solar que, além de diminuir o custo das famílias em suas
residências, ampliaram a possibilidade de uso energético.
No campo, diversas
campanhas públicas incentivaram e até conseguiram fazer das pequenas barragens
ecológicas e da diminuição do uso de agrotóxicos uma possibilidade de não ter a
natureza e, consecutivamente, o planeta como os principais atingidos por uma
forma de produção agressiva e inconsequente.
O problema é que o pouco que começava a ser
conduzido está perdendo espaço com o desenho de novos trilhos. Um caminho que
vem sendo marcado pelos desmontes sociais e uma agenda proposta, pelo governo e
pela elite nacional, que estão na contramão das relações que principiavam entre
um consumo responsável e o desenvolvimento nacional, que não tenha o mercado
financeiro como única condição.
Em casos bem práticos é
possível constatar este descompasso. O aumento do uso de agrotóxicos – nos 100
primeiros dias do novo governo foram liberados à comercialização 152 produtos,
inclusive alguns proibidos em vários países –, a desregulação da economia
pública, o aumento do desemprego e o fim de políticas estratégicas referentes
ao trabalho e meio ambiente estão na contramão do desenvolvimento sustentável.
Além, claro, dos
problemas para os quais ainda não tínhamos conseguido saída. Nos centros
urbanos, onde está a maior concentração populacional brasileira, que são as
regiões metropolitanas, ainda é fundamental garantir o acesso à cidade, seja
pelas políticas sociais, ou por medidas objetivas que afetam diretamente o
cotidiano, como a ampliação do transporte público. A água também deve ser
preservada, exigindo uma diminuição do uso de barragens, seja para contenção de
minério ou para produção energética. O agronegócio e os mineriodutos, que levam
minério pelo leito paralelo dos rios, precisam ser repensados.
É a hora de estabelecer
novas lógicas, com a promoção do reaproveitamento integral dos alimentos, da
agroecologia como forma de produção e de uma tecnologia que aponte para a vida.
É hora de as organizações sociais se engajarem ainda mais neste novo
posicionamento, e de governos municipais e estaduais e o Legislativo brasileiro
lutarem para assegurar investimentos públicos primordiais, para que as
refrações políticas não sejam impedimento ao nosso desenvolvimento responsável.
Defender o planeta e o nosso país passa por pensar e propor ações políticas
quanto a consumo e produção criteriosas, em quaisquer tempos e adversidades.
Francisca Maria da
Silva é coordenadora executiva do Fórum Nacional de Economia Solidária.
Leonardo Koury Martins é conselheiro de Segurança Alimentar e Nutricional
(Consea) de Minas Gerais. Ambos são integrantes do Grupo de Trabalho Agenda
2030."
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