O Sínodo para a Amazônia
Por Levon Nascimento*
Em outubro próximo ocorrerá o Sínodo para a Amazônia. De acordo com o portal A12, do Santuário de Aparecida, “o Papa reunirá no Vaticano, entre os dias 6 e 27 de outubro [de 2019], bispos dos nove países que abrangem a região Pan-Amazônica. Desse território, em números arredondados, 67% pertence ao Brasil, 13% ao Peru, 11% à Bolívia, 6% à Colômbia, 2% ao Equador e 1,1% à Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa”.
O sínodo é uma reunião eclesiástica prevista no Decreto Christus Dominus (n. 5, p. 244), do Concílio Vaticano II, que tem por objetivo discutir assuntos de interesse da Igreja e auxiliar o papa na tomada de decisões que passam a valer para todo o catolicismo.
No anúncio, em outubro de 2017, o Papa Francisco expressou que “o objetivo principal é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do Povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno, também por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta”.
Seria um evento comum, não fosse o fla-flu ideológico cultivado pela extrema-direita estadunidense com ramificações em grupos religiosos e governos da América Latina.
Mistura de bizarrice e ignorância, católicos extremistas e governos direitistas, como é o caso do Brasil de Bolsonaro, afirmam que o papa e os bispos estão realizando o sínodo para promoverem a ideologia comunista dentro da Igreja e na América Latina. Em outras palavras, os prelados católicos preparam a revolução do proletariado para a Amazônia. Deliram.
Teorias conspiratórias sempre existiram, mas na era da internet, da pós-verdade e das fake news as coisas ficam dramáticas. Uma visita às caixas de comentários dos vídeos promocionais do sínodo no YouTube e em outras redes sociais, inclusive do Vatican News, portal de notícias da Santa Sé, revelará o peso da paranoia. Acusam o papa e o episcopado de heresia, de conspurcação (que palavrão!) da fé católica, de assimilação das divindades indígenas (deus Tupã), de quererem abolir o celibato clerical e de comunismo (sempre o comunismo!).
É a reedição pós-moderna daquela velha história contada por Dom Helder Câmara, o falecido arcebispo de Olinda e Recife: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista”. Resumindo: a Igreja não pode levar o povo a pensar; a missão é “salvar almas”. Teologia raquítica!
É tão assustador que não se pode admitir que seja algo espontâneo. Na verdade, a recente declaração de guerra de Steve Bannon a Francisco não pode ser descartada como uma das forças por detrás da revolta dos tradicionalistas contra o Sínodo para a Amazônia.
Bannon foi conselheiro de campanha de Donald Trump, insuflou o Brexit na Inglaterra, assessorou a família Bolsonaro durante as eleições de 2018 e tem estendido os tentáculos ao projeto xenófobo/racista da extrema-direita europeia. É chegado de bispos e cardeais ultraconservadores dos Estados Unidos, opositores de Francisco. Sua receita é a do estímulo a violências simbólicas e a discursos de ódio contra os inimigos. Por todo canto onde passa proliferam milícias digitais que disseminam fake news de moralismo e fundamentalismo cristão. Quem não se recorda do mentiroso Kit Gay e de outras falsificações divulgadas à exaustão pelos religiosos apoiadores de Bolsonaro em 2018?
Para Bannon e seus seguidores, o Papa Francisco é um entrave à expansão do ultraliberalismo econômico, uma vez que o pontífice argentino é hoje a maior liderança do mundo contra o aquecimento global e as políticas de repressão a imigrantes africanos e latino-americanos ditadas pelos países desenvolvidos do sistema capitalista. O papa também é o grande denunciador do processo de empobrecimento de enormes parcelas da humanidade, enquanto a minoria enriquece como nunca na história.
Enquanto muitas igrejas neopentecostais e grupos católicos pneumáticos seguem firmes na definição de Karl Marx, servindo de “ópio” para entorpecer e distrair mentes e corações pela América, as ações fraternas incentivadas por Francisco causam calafrios nos centros de decisões do capital.
No Brasil, em fevereiro, a imprensa noticiou que o serviço de inteligência do Governo Bolsonaro (se é que há, já que não funcionou para prevenir os incêndios criminosos na Amazônia), dirigido pelo General Heleno, espionava bispos e cardeais e assinalava o sínodo como um problema, justamente por que inevitavelmente apontaria que Bolsonaro apoia a exploração desregrada da região, em favor do agronegócio e da mineração e em prejuízo do meio ambiente e dos povos indígenas. Sem precisar do sínodo, as queimadas amazônicas de agosto revelaram essa tragédia ao mundo.
Pelo visto, Francisco incomoda dentro e fora da Igreja, não por ser comunista ou esquerdista, mas porque vive a centralidade da mensagem de Jesus, o Evangelho, quanto à misericórdia e à compaixão para com a humanidade toda, especialmente os pobres e pequenos, e por que não se intimida de anunciar a centenária doutrina social da Igreja Católica, por ele resumida nos novos termos “ecologia integral” e “cuidado com a casa comum”.
Nas palavras do próprio papa, durante a homilia de 24/05/2018: “‘Aquele padre é comunista!’. Mas a pobreza está no centro do Evangelho. A pregação sobre a pobreza está no centro da pregação de Jesus: ‘Bem-aventurados os pobres’ é a primeira das Bem-aventuranças!”; ou ainda, em 11/11/2016: “São os comunistas que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam. Não os demagogos, mas o povo, os pobres, os que têm fé em Deus ou não, mas são eles a quem temos que ajudar a obter a igualdade e a liberdade”.
Os grupos fundamentalistas católicos que hoje atacam o sínodo são os mesmos que antes idolatravam o conservadorismo de João Paulo II e Bento XVI. Para esses, o engajamento evangélico de Francisco é heresia e comunismo. Não deixa de ser irônico observá-los incomodados com o ocupante do trono de São Pedro. Justo eles que, no passado recente, juravam lealdade incondicional a Roma.
Penso que essa mesma gente crucificaria Jesus Cristo novamente, caso o Mestre de Nazaré viesse salvar adúlteras de pedradas e conversar com prostitutas e pecadores na atualidade. São os hodiernos sepulcros caiados; por fora, muita pompa litúrgica e estética; por dentro, rancor, ignorância e ódio aos que não se enquadram na ortodoxia burguesa.
De qualquer forma, viva o Sínodo para a Amazônia! Todo apoio a Francisco!
* Levon Nascimento é professor de História, mestre em Políticas Públicas e cristão-católico. Mora em Taiobeiras, no norte de Minas.
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