quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Meninos do Araçuaí lança projeto de resgate de memória em comemoração aos seus 15 anos

O trabalho reúne quatro CDs e apresentações de teatro em parceria com o grupo Ponto de Partida.


















O grupo Meninos do Araçuaí está assoprando velinhas em novembro. Ao longo dos 15 anos de existência, o grupo formado por meninos e meninas da região do Vale do Jequitinhonha, considerada por muito tempo uma das mais pobres do país, vem realizando apresentações com o melhor da cultura brasileira e uma musicalidade única. 

Para honrar essa bonita trajetória, o coro está lançando, junto com o grupo de teatro Ponto de Partida e com o apoio do Programa Natura Musical, o projeto Presente de Vô, composto por uma coletânea de quatro CDs e apresentações teatrais que passarão por cinco cidades brasileiras, entre elas Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

A coerência do projeto está relacionada à temática da memória e do sonho, que serviu de inspiração para que os envolvidos fizessem uma extensa pesquisa de resgate das raízes brasileiras e até da própria cultura dos Meninos do Araçuaí. Tudo isso fez com que o trabalho tivesse uma mistura de povos indígenas e africanos, de ritmos tipicamente brasileiros e de grandes nomes da MPB, como Chico Buarque, Tom Jobim e Caetano Veloso.

A coletânea estará à venda a partir de novembro nas lojas e no site da Livraria Cultura, por R$ 89,90. 

Já os espetáculos custarão R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada) e estarão à venda na bilheteria de cada espetáculo. Em entrevista à CRESCER, a diretora do Ponto de Partida e organizadora do Presente de Vô, Regina Bertola, conta um pouco mais sobre a produção do projeto.

CRESCER: Como nasceu a ideia de, em vez de lançar músicas novas, mergulhar nas raízes brasileiras?

Regina Bertola: Isso já é um princípio que norteia todo o trabalho do Ponto de Partida. A cada álbum, temos o cuidado de fazer pesquisas extensas e trazer o que tem de melhor nessa memória da cultura brasileira. Com os 15 anos do grupo, resolvi ir atrás da ancestralidade da família daqui, da herança da região do Vale do Jequitinhonha, que é onde estão essas crianças, de ritmos genuinamente brasileiros, como é o caso do moçambique, por exemplo. É um ritmo dos escravos e está mesclado em algumas músicas dos CDs e do espetáculo. Claro que só um décimo da plateia vai saber disso, mas não importa, porque todo mundo vai beber dessa música, desse ritmo ancestral. Acredito que a gente, como nação, só enriquece se cuidar do legado, da herança e, ao mesmo tempo, acrescentar um pouco da gente para as próximas gerações.

C.: De que maneira os meninos do Araçuaí ajudaram na concepção e concretização do projeto?

R.B.: Nós estimulamos muito os meninos nessa questão da investigação do quem sou eu, como sou, para onde vou, o que me faz ser dessa forma, por que a música que eu canto é assim. É um trabalho de resgate da identidade mesmo, para que mergulhem na região deles e tirem tudo o que tem de bom lá. Eles moram em uma região que todo mundo diz que é a mais miserável do país. Você, criança, ouvindo isso, como vai reagir? Como coitadinho? Não, o nosso trabalho, desde o começo, sempre caminhou na contramão disso. Queremos que os meninos entendam que eles têm uma herança musical, de cantigas antigas, que é muito única. E isso é riqueza que precisa ser partilhada. No Presente de Vô, em especial, fomos com eles visitar as famílias e eles perguntaram para os avós de que músicas gostavam, que canções ouviam quando pequenos. Isso ajudou a entender o que deveríamos colocar no trabalho.

C.: Você pode explicar um pouco sobre a divisão dos CDs? Existe alguma ordem para ouvi-los?

R.B.: Foram oito meses de pesquisa. Ao final, percebemos que o material era tão extenso e rico que resolvemos fazer quatro CDs, os quais levaram mais seis meses para serem produzidos. Não tem uma ordem para ouvir e o legal é justamente isso. Você escuta cada um e entende uma história diferente. Eu aconselho ouvir primeiro a Oficina do Cambeva, que conta a história de um restaurador de memória, o neto e o ajudante, e o último, o Zalém e Calunga, que são dois catadores de lembranças conhecidos por catalogar as memórias do mundo inteiro. O Sonhambulantes fala de uma menina cujo defeito – ou qualidade – é sonhar acordada e é o que concentra mais músicas do pessoal do Vale do Jequitinhonha. O Temporina Já Foi Menina? é sobre uma mulher que perdeu suas memórias de infância e agora precisa recuperá-las. Este último concentra mais músicas originais, feitas especialmente para a coleção. É só uma sugestão, já que o legal é que cada personagem entra na história do outro e, quando acaba, você tem um grande quadro. O espetáculo é um resumo das quatro histórias que, na verdade, forma um quinto enredo.

C.: Ao longo desses 15 anos, muitas gerações de meninos do Araçuaí já passaram por vocês. Você, que acompanha todos desde o início, sentiu mudanças no perfil das crianças ou no jeito de elas encararem a música?

R.B.: Já estamos na 12ª geração de meninos. Muitos deles já são até pais e mães, estão formados, são professores. O que percebemos é que, entra grupo, sai grupo, a característica é a mesma. Eles entram cabisbaixos e saem com o nariz lá em cima. No palco, fazem parte do mundo, e isso melhora muito a autoestima. Quando acaba a peça, a plateia levanta e aplaude delirantemente. E não é porque são crianças, mas porque são muito competentes, é um reconhecimento do trabalho. Percebi que, ao longo dos anos de trabalho, conseguimos sistematizar uma metodologia para preparar as crianças no palco para cantar e atuar. A sonoridade muda de geração para geração, mas a qualidade nunca cai. E isso é o mais marcante.

Por Andressa Basílio, da Revista Crescer,via Blog do Jequi

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