quarta-feira, 8 de junho de 2011

Jornal Geraes: veículo de resistência, denúncia e cultura

Jornal Geraes: veículo de resistência, denúncia e cultura
Tadeu Oliveira (*)
Imagem cedida por José Claudionor - Fonte: Blog do Onhas

Em fins da década de 1970, o quadro político nacional permitiu o surgimento e fortalecimento da imprensa alternativa, possibilitando aos estudantes e trabalhadores do Vale do Jequitinhonha que migraram para Belo Horizonte e outros centros urbanos o contato com várias destas publicações. Alguns destes estudantes militavam nos movimentos de esquerda durante o período mais crítico da ditadura. Influenciados pelas idéias dos movimentos sociais, estudantis, políticos e culturais emergentes veiculadas nas páginas da imprensa alternativa, idealizaram juntamente com outros jovens residentes no Vale, a criação de um jornal alternativo.

Assim, em março de 1978, nascia o jornal Geraes. Inicialmente, a idéia dos fundadores era que sua circulação fosse restrita à região de Pedra Azul, Araçuaí, Almenara, Padre Paraíso, Jequitinhonha, Itaobim e cidades circunvizinhas. Entretanto, uma reportagem feita no jornal O Estado de São Paulo[1], sobre o Vale do Jequitinhonha fez este grupo mudar de idéia, conforme consta em diversos estudos sobre o tema.

A principal bandeira do Geraes era proporcionar ao povo do Vale um veículo onde se pudesse discutir os problemas da região, escutando e dando voz a todos que viviam em condições subumanas como forma de buscar “o melhor caminho para uma vida mais justa e humana”. Propunha ser uma “ferramenta de denúncia” frente à ditadura militar e desestruturar as organizações políticas instituídas com base no ranço coronelista. A estratégia era a divulgação das “formas de manifestações e organização” que surgiam “no Vale do Jequitinhonha (comunidades, associações, sindicatos)”. Outra estratégia utilizada era a interatividade com os leitores ao criar uma “rede de informações para construção e circulação do jornal” que contribuiu inclusive para cravar o conceito de homogeneidade à região.

Impresso em Belo Horizonte, o jornal era distribuído de forma gratuita. Jornal independente, posteriormente buscou se manter através de assinaturas de leitores residentes em algumas cidades do Vale e de patrocínios de algumas empresas e comerciantes regionais. O período de vigência do jornal foi de 1978 até o ano de 1985, através de 23 edições (não havendo consenso sobre este número), o que compreende o fim do período ditatorial e início da abertura democrática da política brasileira.

Festivale: o Geraes na trilha da cultura
A partir de 1977, com a volta do movimento estudantil às ruas e, a partir de 1978, com o advento das grandes greves promovidas pelo movimento operário do ABC paulista, novos ventos sopraram sobre a discussão política e a luta pela democracia. No campo da cultura, entre os artistas e intelectuais de esquerda, renovou-se a vontade de uma participação política mais intensa, passando de uma fase de resistência para outra mais crítica e agressiva. Assim, os artistas tiveram participação decisiva junto aos movimentos de luta pela democracia. Por este período, a televisão já tinha se tornado um poderoso veículo de comunicação que, além de consolidar sua vocação para a teledramaturgia, promoveu a socialização e massificação da cultura.

Nesse contexto, muitos desses movimentos alternativos[2] influenciaram os editores e leitores do jornal Geraes, forjando o embrião do Festivale. Era o que faltava para dar a forma do movimento cultural do Vale como um movimento alternativo.

  Edição histórica do Jornal Geraes - Foto: Vilmar Oliveira

Cabe ressaltar dois fatos marcantes que antecederam ao surgimento do Festivale e que podem ser compreendidos como elementos catalisadores que impulsionou o jornal Geraes dar uma guinada estratégica para a cultura do Vale.

Trata-se do lançamento do álbum Jequitinhonha – Notas de Viagem e o I Encontro de Compositores do Vale do Jequitinhonha. Com relação ao álbum, Luiz Santiago descreve, no seu livro O Vale dos Boqueirões – História do Vale do Jequitinhonha (1999), que ouviu-se falar “primeira vez em cultura do Vale do Jequitinhonha no fim de ’79. Estávamos no Palácio das Artes,. (...) Encontramos Leri, da dupla Leri e Melão. Ele contou que viajara pelas barrancas do Jequitinhonha, pesquisando música popular na região, que é fantástica – ele disse. Desde menino, já conhecíamos algumas cidades por ele mencionadas; a partir daí (...) a cultura do vale passou a nos interessar. Mais tarde, com o material reunido, mais alguma gravação em estúdio, a dupla Leri e Melão lançou o disco Notas de Viagem, que contou com a participação do Boi de Janeiro, de Itaobim, e dos tamborzeiros do Rosário, de Araçuaí” (pág. 325).

E ao promover, em 1979, o I Encontro de Compositores do Vale do Jequitinhonha, na cidade de Itaobim, que também sediou o primeiro Festivale em 1980, o movimento cultural usou da criatividade ao se apropriar de estratégias utilizadas pela ditadura militar para divulgar o evento. Para isso, fixaram cartazes em faculdades, bares e ruas do centro de Belo Horizonte, com cerca de quinze fotos três por quatro ampliadas e o título de “Procurados”, copiando o modelo das “peças de propaganda antiterroristas do regime militar”. Observando o cartaz de perto, percebia-se que os “procurados” eram “acusados de fazer música do Vale do Jequitinhonha e de serem desconhecidos do grande público (SANTIAGO, 1999)”. Em tempos marcados pela censura e pela perseguição política, o audacioso cartaz chamou a atenção da imprensa mineira, o que contribuiu para a divulgação do Encontro.

O sucesso do encontro de compositores serviu para que os artistas participantes “excursionassem” por diversas cidades do Vale do Jequitinhonha e Mucuri e também por Belo Horizonte. O mais importante foi que nesse encontro definiu-se o nascimento do I Festivale como um evento cultural anual e itinerante, com participação restrita a compositores nascidos ou residentes no Vale.

Outro fato importante nesse encontro foi a criação do CCVJ - Centro Cultural do Vale do Jequitinhonha que, juntamente com o jornal Geraes se encarregaram de organizar o movimento cultural do Vale. Porém, movimentos de dissidência provocaram a criação de outras entidades representativas. Mas isso é uma outra história.

Tadeu Oliveira é educador, mora em Capelinha e publica o http://cantaminas.blogspot.com/

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