domingo, 6 de janeiro de 2013

Minas mantém tradição das folias de reis

Minas abriga a maior quantidade de folias do Brasil. Auto de Natal renova a alegria pelo nascimento do menino Jesus e mostra a religiosidade expressada em cultura popular

Márcia Maria Cruz - Estado de Minas
Publicação: 05/01/2013 06:00 Atualização: 05/01/2013 07:05
Tradição centenária em todas as regiões do estado, os folguedos vêm se ampliando nos grandes centros urbanos e já chegaram à Praça da Liberdade, na capital ( Túlio Santos/EM/D.A Press)
Tradição centenária em todas as regiões do estado, os folguedos vêm se ampliando nos grandes centros urbanos e já chegaram à Praça da Liberdade, na capital

 
“Do Oriente, uma estrela apareceu anunciando a toda gente que o menino Jesus Cristo nasceu.” A história conhecida em todo o mundo é o marco do calendário e entre as montanhas das Gerais ganhou sotaque e ritmo da mineiridade. Em todo o estado, os festejos que relembram a natividade fazem parte da cultura, identidade e religiosidade do povo. De 24 de dezembro até amanhã, Dia de Reis, podendo se estender até o dia 20, a tradição repassada pelo exemplo ganha lugar nas casas e nas praças onde há um presépio. É a folia de reis, que relembra, por encenações e cantos, o feito de Baltazar, Gaspar e Belchior. A folia existe no Brasil todo, de norte a sul, mas em Minas teve um crescimento porque nos séculos 18 e 19 o estado abrigava as principais cidades do país.
Adolescentes também se empolgam e participam de caminhadas ( Túlio Santos/EM/D.A Press)
Adolescentes também se empolgam e participam de caminhadas
A tradição ganha espaço nobre em Belo Horizonte. O grupo Folia dos Santos Reis do Bairro Paulo VI, na Região Nordeste, se apresenta amanhã no terreno onde será construída a Catedral Cristo Rei, no Bairro Juliana, na Região Norte. No Norte de Minas e no Triângulo Mineiro, as folias são manifestações importantes da cultura local, mas a forma popular de relembrar o nascimento de Jesus pode ser encontrada em todo o estado. Os festejos incluem o auto de Natal, as pastorinhas e uma infinidade de maneiras de reverenciar o menino Deus.

Os festejos caíram no gosto popular e resultam da interação entre negros e brancos, que reinventavam práticas religiosas da Europa, trazidas ao Brasil por portugueses, principalmente no período do império. As comemorações em homenagem ao menino Jesus são conhecidas como reisado. Na Bíblia, a viagem dos magos é apresentada de forma ligeira no capítulo 2 do Evangelho de São Mateus: “E, tendo nascido Jesus em Belém de Judeia, no tempodo rei Herodes, eis que uns magos vieram do Oriente a Jerusalém”. 

Como o relato não é tão preciso, a inventividade ganha lugar para recriar a viagem dos aventureiros que foram guiados por umas estrela até chegarem ao local exato do nascimento de Jesus. Muitos acreditam que os magos eram na verdade astrônomos, que estudavam os corpos celestes. Na Bíblia não há referência aos nomes dos magos, que passaram a ser chamados de Gaspar, Baltazar e Belchior pela tradição oral.

Cigana
Adolescentes também se empolgam e participam de caminhadas ( Túlio Santos/EM/D.A Press)
Adolescentes também se empolgam e participam de caminhadas
Há cinco anos, Eva Domingos, de 55, aguarda as apresentações. Ela começou como cigana, um dos personagens das comemorações, e atualmente tem um posto de mais responsabilidade e destaque. É ela que, à frente dos reis magos, leva a bandeira de Nossa Senhora do Rosário. Para a tarefa, uma saia rodada e ornamentos dourados na cabeça. Todos os anos, ela vem com um grupo de Santa Luzia e com a Ordem dos Templários da Cruz de Santo Antônio de Pádua para se apresentarem no Auto de Natal, na Praça da Liberdade.

A festa também acontece em Pedro Leopoldo, onde um dos grupos mais conhecidos é a Folia de Nossa Senhora da Conceição de Fidalgo. Todos os anos, a folia vai às casas onde há um presépio montado para venerar o menino Jesus. “A tradição é de 320 anos. É repassada de geração a geração”, garante Danilo da Fonseca Martins, de 24, que participa da folia desde os 5 anos. Atualmente, como vice-diretor do grupo, teve aumentada a responsabilidade. “Quando chegamos, apresentamos o canto de entrada. Se a pessoa gosta, então mostramos as danças.”

Em São Francisco, no Norte de Minas, Liosdino Francisco de Almeida, de 69, carrega a bandeira. Os cantos entoados pela folia de reis falam da estrela guia. Violas, sanfonas e rabeca acompanham as ladainhas. Há tanto tempo que Liosdino faz parte da folia que nem se lembra mais. “Desde criança. Meu pai era folião”, conta. O amor pela folia foi repassado por Leôncio Mendes de Almeida. Para que a tradição permaneça é o exemplo que faz com que a meninada, em tempos de internet, se interesse pela folia. “É difícil colocar um menino novo junto, mas a gente põe no meio e pede para ele tocar um pandeiro. Os meninos gostam da festa, dos biscoitos”, diz. Pelo afeto, a tradição é repassada e os meninos são cativados.

Cantos, catiras e rezas no presépio

Para que a festa ocorra é preciso a bandeira, conduzida com todo o respeito e devoção por um folião. Aos violeiros cabe entoar os cantos, as rezas e catiras. Eles são acompanhados pelos caixeiros, que, por meio do som da caixa, chamam os foliões para a festa. O líder é o guia da folia, quem é responsável pela alvorada, giro e entrega da folia. “É o guia que determina quem deverá fazer as obrigações. É uma pessoa de reverência, de respeito, de dignidade que aprendeu a guiar a folia com geração passada e ensina a geração imatura”, afirma Crispim Lopes. Nessa tarefa, ele é ajudado pelo contraguia.

Os reis magos vestem roupas coloridas e com muito brilho. Podem estar mascarados ou não. Quando se fantasiam de palhaços, ficam mais livres e conduzem os foliões para brincadeiras e diversas coreografias. Quando apenas mascarados, cantam para o menino Jesus. Na folia, não pode faltar a figura de Herodes, o imperador da Judeia, que mandou matar todas as crianças com medo do Messias, que seria o rei dos judeus. “Ele usa a máscara na parte de trás da cabeça para não ser reconhecido. Quem vem atrás pensa que ele está indo na direção dele”, explica Manoel Fonseca dos Reis, da Federação dos Congados do Estado de Minas Gerais. “As folias visitam as casas que têm presépio. Chegam à porta e perguntam”, diz. 

Na cultura popular, os três reis assumem as feições de um negro, um branco e um oriental. Outro personagem que não pode faltar é o palhaço, que, muitas vezes, é o próprio Herodes, uma referência ao fato de ele ter sido enganado pelos magos, que nunca voltaram a Jerusalém para falar o local de nascimento do Messias.

Segundo o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), os reis são festejados em centenas de municípios mineiros. Em oito deles – Alterosa, Belmiro Braga, Betim, Casa Grande, João Pinheiro, Matias Barbosa, Nova Resende e Patos de Minas – as folias foram reconhecidas como Patrimônio Cultural Imaterial dos municípios. Muitas outras cidades também estão em processo de elaboração de um inventário da manifestação.

 ATOS DE DEVOÇÃO
 
PRESÉPIO

O primeiro presépio em argila foi montado, em 1223, por São Francisco de Assis (1182 –1226). Nesse ano, em vez de festejar a noite de Natal na igreja, como era seu hábito, o santo comemorou na floresta de Greccio. Lá colocou uma manjedoura, um boi e um burro, para melhor explicar o Natal durante a liturgia às pessoas que não conseguiam entender a história do nascimento de Jesus. 
 
AUTO DE NATAL
“O Auto dos Reis Magos” é uma peça de autoria de Gil Vicente, escrita em 1503 e publicada em 1510, a pedido da rainha dona Leonor, para o Dia de Reis.
 
REISADO
O Reisado, tem a mesma origem portuguesa e instalou-se em Sergipe no período colonial. Atualmente, é dançado em qualquer época do ano e os temas de seu enredo variam de acordo com o local e a época em que são encenados. Podem ser: amor, guerra e religião entre outros.
 
FOLIA DE REIS


No Brasil, a visitação das casas é feita por grupos motivados por propósitos devocionais, sociais e filantrópicos. Cada grupo é chamado em alguns lugares de Folia de Reis, em outros de Terno de Santos Reis ou ainda de Caravana de São Francisco de Assis (em alusão ao criador do presépio). Os grupos são compostos por cantores e músicos com instrumentos, em sua maioria de confecção caseira e artesanal.

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