Até quando?
Circulação
do vírus não tem previsão de fim e pode aumentar mais desigualdades
Folha de S. Paulo, 3.nov.2020 às 23h15
Com os resultados de vacinas
candidatas no horizonte e todo mundo cansado de distanciamento,
a pergunta que naturalmente fazemos é: Ok, então quando isso tudo acaba?
A
resposta é um grande depende de como e para quem.
Os
avanços médicos e sanitários de 1950 a 1970 trouxeram muito otimismo. Vacinas
preveniram infecções como sarampo e poliomielite. Antibióticos trouxeram curas
impressionantes para infecções bacterianas. E inseticidas como o DDT eliminaram
temporariamente mosquitos, o que conteve muitas doenças transmitidas por eles,
como malária e dengue.
Pesquisadores
chegaram a propor que sairíamos da “era da pestilência” e entraríamos na “era
das doenças degenerativas”, onde só sofreríamos de câncer e outras complicações
próprias do nosso corpo. Chegamos a acreditar que muitas doenças infecciosas
seriam extintas com vacinas. Conseguimos fazer isso com a varíola, mas ela se
tornou a exceção.
Acabamos
entrando na era das doenças emergentes e reemergentes. Novas viroses como zika,
chikungunya e a Covid emergiram de outros animais, enquanto doenças mais
antigas como dengue reemergiram em
números de casos apesar de vacinas (no caso do sarampo) e de
antibióticos (no caso de tuberculose e sífilis).
São precedentes importantes
para se pensar na Covid e entender que ela pode continuar circulando dentro da
nossa população indefinidamente. Grandes eventos como uma pandemia ou uma
guerra raramente terminam em um momento definido do tempo. As tropas alemãs se
renderam em 7 de maio de 1945, mas em agosto os EUA ainda lançaram duas bombas
atômicas no Japão. E os japoneses conviveram por anos com as consequências
dessas bombas. Com a Covid, devemos passar por algo parecido, mesmo se os casos
caírem bastante com a imunização através de vacinas.
Estima-se
que o vírus deve ter dificuldade para circular em populações onde mais de 65%
das pessoas estão imunes. Se a grande maioria dos curados da Covid ou dos
imunizados com vacina não pegar o vírus Sars-CoV-2 novamente, devemos atingir tamanha imunidade
coletiva por volta de 2022. Sem vacinas, ou se nossa imunidade
diminuir a ponto de permitir a reinfecção depois de um ano ou dois, como acontece
com outros coronavírus, é provável que esse tipo de proteção só aconteça em
2025.
Independente da data, a
dinâmica também será diferente para cada um. Para crianças, que têm menos risco
se infectar e desenvolver complicações, a volta às
aulas nos países que controlaram melhor o surto vem acontecendo
antes de outras aberturas. Para os adultos saudáveis, população na qual as
vacinas são testadas, se elas derem certo devem despertar uma imunidade
protetora conforme sua distribuição chegar à maioria das pessoas. Já adultos de
grupos de risco podem ter que se distanciar por mais tempo, pois o perigo que
correm com a Covid é muito maior. E os idosos, população de maior risco e que
tem mais dificuldade de desenvolver imunidade mesmo com a vacina, serão os
últimos a ter segurança para retomar uma vida próxima do normal.
Por
“último”, para quem vive em condições de aglomeração, como os mais pobres ou
mesmo a população carcerária, o Sars-CoV-2 deve continuar circulando e sendo
uma ameaça de saúde como a tuberculose, mesmo depois de grande parte da
população ser imune.
Se
já vemos essa tensão entre gerações e classes sociais agora, quando jovens
retomam uma “vida normal” enquanto os mais vulneráveis continuam recolhidos,
esse dilema deve continuar por bastante tempo. As vacinas podem ser uma saída
para muitos, mas precisamos pensar em como vamos acomodar realidades tão
diferentes e desigualdades que ainda devem aumentar.
Atila Iamarino
*Atila Iamarino
- Biólogo bacharelado (2006), doutor em microbiologia (2012) pela Universidade de São Paulo e divulgador científico na internet. Fez pós-doutorado pela Universidade de São Paulo e pela Yale University. Fundador da maior rede de blogs de ciência em língua portuguesa, o ScienceBlogs Brasil.
- Atualmente faz comunicação de ciência no Nerdologia e no próprio canal no YouTube para mais de 2,5 milhões de pessoas.
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