Júlio Garganta proferiu palestra na tarde desta terça (10.11), durante o Ciclo de Debates Muda Futebol Brasileiro.
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A ideia disseminada na sociedade de que o talento já nasce com uma determinada pessoa tem sido um empecilho para a evolução do futebol. A opinião é do doutor em Ciências do Desporto e professor na Universidade do Porto, o português Júlio Garganta. Ele ministrou a palestra "Desafios na formação de jogadores de futebol: da rua à excelência", no II Ciclo de Debates Muda Futebol Brasileiro, realizado no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (10/11/15).
Durante sua fala, Garganta desmontou a argumentação de que o talento para qualquer atividade seja uma habilidade inata. Como contraponto a essa visão, ele advogou que os aspectos fundamentais para que uma pessoa se desenvolva em qualquer campo são a formação, a estrutura e o treinamento. Para corroborar essa noção, o especialista acrescentou o argumento científico de que em 27 mil genes mapeados do genoma humano, nunca foi encontrado nenhum que identificasse talentos particulares.
“Por si só, os genes não nos tornam inteligentes, excelentes, rápidos, educados, deprimidos ou talentosos. Eles interagem com o ambiente para gerarem a aparência e o comportamento do indivíduo. O talento é uma conquista e não um dom. Resulta de instrução, incentivo e prática constante. O desporto tem evoluído não a custa da genética, mas de muito trabalho”, defendeu.
Pescar talentos - A partir dessa perspectiva, o professor Garganta defendeu a mudança no conceito vigente no futebol de caçar talentos. “Na minha avaliação, é melhor pescar do que caçar. Escolher boas iscas e dar condições para que venha o peixe”, comparou. Também jogou por terra a ideia de que há escassez de talentos no futebol. “Há abundância de talento latente. O talento pode ser aprendido e, para se desenvolver, requer ambientes estimulantes e necessita de tempo para se exprimir”, disse.
Como resultado da visão equivocada de caçar talentos, a preocupação dos técnicos recai muito na seleção do jogador e pouco no seu desenvolvimento. “Deveria ser o contrário: primeiramente, desenvolver as pessoas; e, depois, fazer a seleção”, sentenciou Garganta. Na avaliação dele, as equipes partem do pressuposto, a seu ver equivocado, de que a melhor maneira de viabilizar os altos desempenhos é escolher os melhores e rejeitar os menos bons, na data da seleção. Essa escolha precipitada impede que talentos latentes, mas ainda em fase de maturação, sejam aproveitados, segundo o professor.
Excelência - Júlio Garganta afirmou ainda que tem construído muitos de seus conceitos com base na observação dos chamados “viveiros de talento”. E citou como exemplos deles o Ajax Amsterdam, da Holanda, e o Barcelona, da Espanha. Nesses times, segundo ele, busca-se trabalhar a noção de formar para o talento e não procurar talentos, favorecendo uma cultura de excelência.
Tratando do caso brasileiro, o palestrante afirmou que o Brasil tem que ser capaz de descobrir seu próprio caminho, para que volte a ter a importância que teve no futebol mundial. E criticou a tendência dos dirigentes nacionais de quererem copiar modelos que vêm de fora.
Treinamento de técnicos – Complementando a fala de Júlio Garganta, foi a vez da professora da Universidade do Porto, Isabel Mesquita. Na concepção dela, é fundamental no futebol atual desenvolver treinadores com mente de qualidade, o que inclui visão de formação e de jogo, sem abrir mão de seu estilo pessoal, mas com estrutura reflexiva. Essa conjugação de atributos vai fazer com que o técnico abandone visões dogmáticas, na opinião de Isabel.
Ela informou que, na formação de treinadores na Europa e especialmente em Portugal, uma das premissas utilizadas é a parceria do ensino superior com o ensino desportivo. Isso permite, de acordo com a professora, que o indivíduo possa se formar para treinador tanto no ensino universitário quanto no sistema desportivo. “Os dois, de mãos dadas, podem formar um esporte com mais qualidade”, declarou.
Ex-juiz defende profissionalização da arbitragem
Márcio Rezende Freitas, comentarista esportivo e ex-árbitro de futebol, foi incisivo na defesa da profissionalização da arbitragem no futebol brasileiro. “O futebol movimenta bilhões. É no mínimo incoerente que os árbitros sejam a única engrenagem amadora desta máquina”, afirmou. Para o comentarista, as federações de futebol e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) podem viabilizar a profissionalização. “A cobrança em cima dos árbitros é absurda e o retorno que eles obtém com a atividade é desproporcional”, criticou. A mudança beneficiaria muito o futebol brasileiro, na opinião dele.
Ele mostrou dados sobre a remuneração atual dos árbitros brasileiros comparada à de outros países. Um juiz Fifa recebe R$ 3.675,00 por partida na Série A do Brasileirão. Se for aspirante Fifa, recebe R$ 2.820,00. Nos dois casos, há uma diária de R$ 500 para jogos apitados fora de seu estado. Os auxiliares recebem a metade do valor do árbitro. Por ano, um juiz apita cerca de 40 partidas no Brasil, podendo faturar até R$ 145 mil por ano, fora os descontos.
Márcio Rezende comparou o Brasil a outros países. No caso do basquete norte-americano, o árbitro jovem recebe R$ 3,7 mil por jogo, podendo chegar o valor a R$ 6,8 mil. Já árbitros experientes ganham de R$ 10 mil a R$ 15 mil, podendo chegar seus rendimentos anuais a R$ 1,9 milhão. Em Portugal, o árbitro recebe em média R$ 4.500 por partida; na Inglaterra, o mesmo valor, mas podendo receber bônus de até R$ 100 mil. Na Espanha, são R$ 23,1 mil por partida e, na Alemanha e na França, cerca de R$ 13 mil.
Uso de tecnologia – Num segundo momento, falando sobre o uso da tecnologia no futebol, Márcio Rezende informou que a CBF estuda implantar um projeto de uso de algumas tecnologias nas partidas. Uma das ideias é designar um árbitro de vídeo, com atribuição para corrigir erros técnicos e/ou disciplinares claros ou indiscutíveis de arbitragem. A comunicação com esse árbitro seria feita preferencialmente por meio eletrônico. A Uefa, federação europeia de futebol, é favorável a essas tecnologias. Já a Fifa é contrária, de acordo com o juiz.
Emenda ao PPAG pode fortalecer futebol amador
O último painel do Ciclo de Debates, com discussões sobre a realidade e perspectivas do futebol amador e categorias de base em Minas Gerais, foi coordenado pelo deputado Fábio Avelar Oliveira (PTdoB), integrante da Comissão de Esporte, Lazer e Juventude da ALMG.
Acionado pela União dos Clubes Amadores, o deputado João Leite (PSDB) defendeu a inclusão de emenda no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) para fortalecer o futebol amador. Ele lamentou que enquanto países incentivam a construção de campos de futebol (só na Alemanha, há um projeto para criar 300), o Brasil tem acabado com seus campos de várzea. Na sequência, o deputado Tito Torres (PSDB) convidou os presentes para o lançamento do livro de Júlio Garganta “Para o futebol jogado com ideias”, na noite desta terça, na Capital.
Michel Neves, assessor do Vila Nova, de Nova Lima (RMBH), divulgou o projeto “Resgatando Vidas”. Implantada pelo clube em parceria com o Governo de Minas e a Cemig, a proposta é direcionada para crianças a partir de seis anos. A ideia é conjugar a formação de atletas para o clube com investimentos na educação e na formação desses jovens.
No encerramento do debate público, o presidente da Comissão de Esporte, deputado Anselmo José Domingos (PTC), afirmou que as contribuições dos participantes serão consideradas na elaboração e realização de outros eventos da comissão. O vice-presidente, deputado Geraldo Pimenta (PCdoB), convidou todos a continuarem mobilizados para discutir o assunto em novos encontros da Comissão de Esporte e nas discussões do Plano Plurianual e do Orçamento de 2016.
Palestrantes divergem sobre idade mínima para iniciar treinamento
Com relação à formação de atletas de base, os dois palestrantes convidados indicaram um dilema. De um lado, o procurador do Trabalho em Minas Gerais, Genderson Silveira Lisboa, condenou firmemente propostas de reduzir a idade em que se permite o ingresso nas categorias de base. Hoje, a legislação permite que os adolescentes iniciem esse treinamento, de forma profissional, aos 14 anos, sendo que até os 16 anos esse trabalho deve ter um caráter de aprendizado. “Querem reduzir para 12 anos”, criticou Lisboa. Já o professor Próspero Paoli, da Universidade Federal de Viçosa, afirmou que entre 11 e 12 anos é a idade ideal para se iniciar o treinamento de atletas para o futebol.
Os dois palestrantes apontaram a saída para esse dilema: fortalecer, no País, o esporte educacional. Genderson Lisboa criticou enfaticamente essa preocupação excessiva com o esporte de rendimento, enquanto as escolas não têm equipamentos mínimos para a prática esportiva. Para ele, o ideal é que a seleção de atletas para a profissionalização ocorresse mais tarde, com base em equipes e campeonatos escolares. Hoje, a prática é internar garotos de 14 a 16 anos, afastados das famílias e da escola, o que prejudicaria até mesmo sua formação como atletas.
Próspero Paoli criticou a qualidade do treinamento de base no País. Os técnicos que atuam na área, segundo ele, não têm, em geral, qualquer formação específica, algo que existe em outros países. Além disso, a grande oferta de adolescentes talentosos faz com que muitos deles sejam dispensados sem um treinamento e uma avaliação adequados, de longo prazo. “Avalia-se o atleta pela performance, não seu potencial. Por isso, se erra muito na avaliação do talento”, declarou. Para o professor, se o esporte educacional não se fortalecer, a única saída seria antecipar a formação de base para os 12 anos, contrariando a opinião do procurador Lisboa.
Campos - O presidente de honra do América Futebol Clube, Afonso Raso, apresentou propostas para fortalecer o futebol amador. Uma delas seria um convênio entre o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), prefeituras e clubes para que as empreiteiras contratadas para obras rodoviárias dedicassem um dia por semana para o preparo de campos de futebol amador. Também propôs a desapropriação de áreas onde há esses campos, com a instalação de alambrados.
O supervisor de Futebol Amador da Federação Mineira de Futebol (FMF), Sérgio Romanelli, relatou as providências da entidade relacionadas ao futebol amador. Segundo ele, a entidade promove cerca de 1,5 mil jogos por ano, disputados por mais de 150 clubes. A próxima meta é conseguir comercializar a marca do futebol amador em Minas.
Fonte: ALMG
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