MÃOS E OUVIDOS QUE 'ENXERGAM' SALVAM MOTORISTAS NO VALE DO JEQUITINHONHA
Único borracheiro na região de São Gonçalo do Rio Preto perdeu a visão aos 18 anos e dá lição de perseverança.
Eli trabalha sozinho na borracharia inclusive em carros oficiais
Furar o pneu do carro nas estradas do Vale do Jequitinhonha pode reservar ao motorista uma grata surpresa. Em São Gonçalo do Rio Preto, no Alto Jequitinhnha, nordeste de Minas, a única borracharia fica no Centro da cidade. Ela foi aberta há 33 anos por Eli das Graças Moreira, de 59.
Sozinho, o borracheiro desmonta a roda, localiza o furo no pneu ou na câmara de ar, faz o remendo e recoloca a roda no veículo, levantado por ele mesmo no macaco. Nada demais para um homem esguio e saudável se Eli não tivesse perdido totalmente a visão aos 18 anos, vítima de glaucoma.
Eli é um exemplo de que todo ser humano é capaz de conviver com suas limitações. A principal ferramenta usada por ele no serviço são suas próprias mãos. O borracheiro apalpa minuciosamente os pneus para identificar o problema. As únicas perguntas que faz ao freguês, que para o carro próximo à borracharia, são qual o modelo do veículo e se o pneu tem câmara. O diagnóstico pode surgir em apenas dois minutos: "O vazamento aqui é no bico", disse à reportagem do Hoje em Dia no último fim de semana.
A rotina de Eli começa cedo. Ele chega diariamente à borracharia, na Praça 15 de Agosto, número 10, por volta das 8h30. Dependendo da quantidade de serviço, só volta para casa às 22h30. "Chegava às 6h30, mas estava acumulando sono atrasado. Conserto uma média de 15 pneus por dia, de bicicleta a caminhões e grandes máquinas agrícolas, com rodas pesando mais de 250 quilos. Só eu presto esse serviço na cidade, inclusive para os veículos oficiais da prefeitura. Meu segredo é fazer tudo devagar, para ficar bem feito. Foi assim que conquistei a confiança da clientela", diz o borracheiro.
Eli virou referência da pequena São Gonçalo do Rio Preto, cidade com apenas 3.056 moradores. Quando um visitante pergunta onde fica a borracharia mais próxima, além da indicação, é logo orientado: "Fica na praça. O borracheiro é deficiente, mas pode confiar sem nenhuma cisma", ressalta um taxista. Outras alternativas para remendar pneus furados só nos municípios vizinhos de Felício dos Santos (a 25 quilômetros de distância) e Couto de Magalhães de Minas (a 16 quilômetros).
Em frente à pequena borracharia do Eli, uma linha amarela demarca o espaço reservado apenas para a movimentação do borracheiro, que carrega pneus e ferramentas de um lado para o outro. No local é proibido estacionar. Dentro do estabelecimento, em meio a um amontoado de pneus, ele instalou máquinas de fazer remendos quentes e frios e de vulcanização.
"Quando o pneu tem um corte, aplico uma camada de borracha, processo chamado vulcanização", explica o borracheiro. Em um dos aparelhos usados por ele para fazer remendos em câmaras de ar, lâmpadas se acendem emitindo calor. O apagar das luzes é o sinal de que o serviço está pronto.
As mais de três décadas exercendo a profissão, sem maiores dificuldades, ajudaram Eli a se conformar com a perda da visão e a impossibilidade de recuperá-la com intervenções da medicina. "Já tentei de todas as formas e fiz todos os exames possíveis, mas os médicos deixaram claro que o quadro é irreversível. A única coisa que consegui tentando curar o glaucoma foi me aposentar", brinca o borracheiro, esbanjando bom humor.
O glaucoma atinge o nervo óptico, causando a perda de células da retina.
Fonte: Ernesto Braga - Do Hoje em Dia, com dica do sempre atento Bernardo Vieira, do Blog do Jequi
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