segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Entrevista com Cacá, ex-prefeita de Araçuaí

Entrevista com Cacá
Ex-Prefeita coordena Fórum da Igualdade Racial
Maria do Carmo Ferreira da Silva, a Cacá, coordena o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial, em Brasília.

Mineira de Montes Claros, Cacá cresceu em Belo Horizonte e viveu em Araçuaí por mais de 25 nos. É formada em Serviço Social e em Direito.
Ela é a pessoa da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República - que tem status de ministério - que percorre o Brasil para negociar com governadores e prefeitos a aplicação de políticas públicas em favor dos grupos raciais. Por viver na estrada, é a pessoa com condições de avaliar como estão os avanços e onde se pode chegar nos próximos anos.
Desde cedo, Cacá defende as causas sociais. Por essa bandeira entrou na política partidária, disputou e venceu a eleição para a Prefeitura de Araçuaí, em 1996, município mineiro localizado no Vale do Jequitinhonha, com 130 anos de emancipação. Foi a primeira mulher eleita para a prefeitura e, mais, a primeira negra. O trabalho foi aprovado pela população, que lhe garantiu a reeleição e, quatro anos depois, fazer o sucessor.
Ao deixar a prefeitura, Cacá assumiu, a convite da então ministra Matilde Ribeiro, como diretora de Programa da Subsecretaria para Comunidades Tradicionais e dois meses depois assumiu como secretária-adjunta e algumas vezes chegou a passar dias como titular.
Na quinta-feira, dia 19/11, Cacá, esteve em Maringá, no Paraná, para a abertura do 1º Festival Afro Brasileiro e conversou com O Diário de Maringá.
“Promover a igualdade dentro da diversidade é um desafio. Os avanços existem, mas temos que levar em conta que é um trabalho longo e certamente os resultados serão visíveis com o tempo’’.
“Se o Brasil é de todos, como diz o slogan, ele tem que ser para todos, tem que possibilitar às pessoas, por meio da inclusão social, oportunidades semelhantes. É com esse foco que trabalhamos’’.
O Diário - Quando se fala em igualdade racial, vem à mente a causa dos negros, mas o objetivo da Secretaria Especial parece ser mais amplo.
Cacá - Pensa-se no negro por ser o grupo mais numeroso, mas nosso trabalho é pela igualdade de todos. O objetivo da Secretaria é promover a igualdade e a proteção de todos os grupos raciais e étnicos afetados por discriminação e outras formas de intolerância, com ênfase na população negra, indígena, ciganos, judeus e palestinos.
O Diário - Além do combate ao preconceito de raça, que outras ações são desenvolvidas em favor desses povos?
Cacá - Queremos dar condições para que esses grupos possam manter os costumes e praticar as religiões sem que isso pareça estranho aos olhos dos outros e sem que os membros dos grupos se sintam constrangidos em conservar os costumes dos antepassados. O presidente Lula trabalha com a ideia de que o Brasil é um país laico. Se é laico tem que prevalecer o respeito, não pode haver intolerância. Portanto, as comunidades de terreiro e as religiões praticadas por outros grupos têm que ser tratadas como qualquer outra religião, sem o constrangimento dos praticantes.
O Diário - Esse é o primeiro governo a ter uma secretaria com status de ministério para tratar da questão racial. A senhora sente que ocorrem avanços?
Cacá - É uma questão nova, uma nova política de governo e o Brasil caminha dentro daquilo que foi estabelecido como prioridade pelo governo, que é a Agenda Social e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Promover a igualdade dentro da diversidade é um desafio. Os avanços existem, mas temos que levar em conta que esse é um trabalho longo e certamente os resultados serão visíveis com o tempo.
O Diário - O Fórum que a senhora coordena, por exemplo, alcança os objetivos propostos?
Cacá - O Fórum implementa as estratégias para a incorporação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial nas ações governamentais de Estados e municípios. Hoje, estamos nos 26 Estados e no Distrito Federal, também mais de 700 municípios já formalizaram a adesão ao Fórum.
O Diário - Muitos desses Estados e municípios que aderiram ao Fórum guardam o feriado no dia 20 de novembro em homenagem a Zumbi, o herói da resistência negra. É uma exigência?
Cacá - Isso é resultado do trabalho das comunidades desses locais. Muitos têm o feriado, outros mantêm ponto facultativo, outros ainda realizam grandes eventos para marcar a data.
O Diário - Como é a adesão?
Cacá - Isso demanda um pacto federativo para que as ações possam acontecer. A execução das políticas é feita entre a prefeitura e o governo federal. Os municípios são habilitados dentro da Agenda Social para que assim possam captar recursos para beneficiar determinadas comunidades.
O Diário - Os municípios mostram interesse?
Cacá - É preciso que eles se organizem, de acordo com as comunidades presentes. Nossa recomendação é que capitais ou municípios com mais de 200 mil habitantes tenham uma coordenadoria ou secretaria ligada diretamente ao gabinete do prefeito ou do governador.
O Diário - Então a responsabilidade é de todas as esferas governamentais?
Cacá - Sim, o Fórum promove uma ação continuada entre as três esferas, federal, estadual e municipal, com a finalidade de articulação, capacitação, planejamento, execução e monitoramento das informações para a implementação da política de promoção da igualdade racial e social. Se o Brasil é de todos, como diz o slogan, ele tem que ser para todos, tem que possibilitar às pessoas, por meio da inclusão social, oportunidades semelhantes.
O Diário - As regiões brasileiras se diferenciam muito. Isso dificulta o trabalho da senhora?
Cacá - A verdade é que temos que desenvolver ações específicas para cada região em um país de dimensão continental. Na região Norte, a prioridade são os povos indígenas; na Bahia e em outros Estados do Nordeste há mais negros. Não podemos programar as mesmas ações para todas as regiões, cada uma tem as características e particularidades.
O Diário - O que é o Programa Brasil Quilombola?
Cacá - É um conjunto de ações de vários órgãos federais, coordenados pela Secretaria Especial, para fazer valer os direitos das comunidades quilombolas, melhorar as condições de vida e fortalecer a organização das comunidades remanescentes de quilombos, por meio da promoção do acesso aos bens e serviços sociais necessários ao desenvolvimento.
O Diário - Como acontece o envolvimento dos outros órgãos?
Cacá - O trabalho é desenvolvido a partir de eixos temáticos, como Educação, Saúde, trabalho, terra. No que se refere ao trabalho, por exemplo, um dos grandes desafios é garantir a inserção do negro no mercado com melhores salários. Para isso, prioriza-se questões de qualificação profissional, linhas de crédito e cooperativas voltadas para a responsabilidade social e a criação de emprego e renda.
O Diário - Fala-se muito em “ações afirmativas”. Como elas são aplicadas?
Cacá - Quando falamos em Brasil Quilombola, referimo-nos a comunidades rurais. São questões ligadas à terra. Já as ações afirmativas dizem respeito aos afrodescendentes que vivem nas cidades, são questões ligadas à Saúde, Educação, combate à violência, inserção no mercado de trabalho.
O Diário - Depois de quase dez anos tramitando, o Estatuto da Igualdade Racial finalmente foi votado e aprovado pela Câmara e agora segue caminho semelhante no Senado. Em que ele poderá ser útil?
Cacá - Vou responder pelo que ele mudará para o Fórum. Primeiro, ele autoriza que o Estado brasileiro crie e organize a promoção da igualdade racial. Aí vai regulamentar o Fórum. Essa regulamentação prevê o apoio institucional e orçamentário.
O Diário - O Estatuto vai possibilitar a agilização das ações em prol da igualdade?
Cacá - Nós já temos um ponto de partida. Já existe um trabalho sendo realizado e até dando frutos. O Estatuto chega para dar instrumentos para a realização desse trabalho. O Estatuto será um marco na história do País por prever políticas públicas de inclusão da população negra, indígena, de ciganos, de judeus e de outras etnias, dando chances a todos e corrigindo distorções, acabando com o racismo disfarçado.
Fonte: O Diário de Maringá

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