Lula, o conciliador
“Lula nunca pregou a destruição do capitalismo. Nas greves históricas que promoveu, era sobretudo um negociador de aumentos salariais. E em geral sabia até onde poderia ir em termos de reivindicações para não inviabilizar a empresa e destruir a fonte de emprego do próprio trabalhador.
Testemunhei isso. Em 1978, eu era subeditor de Economia do “Jornal do Brasil” e fui indicado pelo editor, Paulo Henrique Amorim, para coordenar as edições das greves do ABC. Na época o “Jornal do Brasil” era o principal formador de opinião brasileiro e o fato de ter aberto duas páginas diárias para as greves foi decisivo para sua repercussão em nível nacional, já que a conservadora imprensa paulista praticamente se omitiu no início delas.
Terminadas 40 dias de greves, fui a São Bernardo para conhecer pessoalmente Lula. Estive com ele um dia inteiro. Entre os relatos que me fez, lembro-me de um sobre uma fábrica de uns 400 empregados que haviam parado e o chamado para negociar o aumento. Queriam 20%. Lula negociou, e obteve o acordo. Duas semanas depois, os operários entraram em greve de novo. Queriam mais 20%. O dono da fábrica desesperou-se. Não podia dar. Lula foi à fábrica e convenceu os empregados, em assembléia, a desistir do pedido.
Esse fato singelo antecipa o que Lula foi na Presidência da República: um hábil negociador e conciliador. Ele não é e nunca foi um revolucionário que quer fazer a História dar saltos, mas um visionário que quer empurrá-la aos pouco. É a personificação da síntese entre contrários na visão dialética: é a negação da negação, a continuação da política por meio da política.
Não o confundam, porém, com o estereótipo do político mineiro tradicional: o político mineiro é um protótipo do príncipe de Lampeduza, que quer mudar para que as coisas continuem como estão.
Lula quer efetivamente mudar, e, no seu jeito de fazer composição, arranca compromissos aos poucos, sem ruptura”.
J. Carlos Assis, jornalista e economista, doutor pela UFRJ
O texto acima é um fragmento do artigo "Lula, o filho da dialética", publicado no site Carta Maior. lula.filho.da.dialetica
Também testemunhei um fato parecido. Conheci Lula, em um almoço no Sindicato dos Bancários, em BH. Preparávamos uma greve nacional, em julho de 1979. Queríamos a reposição de 24% da inflação escondida pelo Ministro Delfim Neto. Os banqueiros ofereciam 12%. Nós, bancários, não aceitamos. Então, caminhávamos para a greve.
Lula interferiu e perguntou quantas reuniões tínhamos feito com os donos de bancos. Respondemos: uma. Ele, de pronto: “Greve é como uma guerra, não tem negociação, todo mundo fica nervoso, empregados são ameaçados por demissão, patrões chamam a polícia. Só se faz greve depois de muita negociação. Enquanto vocês não negociarem umas cinco vezes com os banqueiros não entrem em greve”.
Teve gente que faltou esganá-lo, chamando-o de traidor, pelego, reformista.
Lula aproveitou e convidou vários presentes para formarem um partido político, um Partido de Trabalhadores. Disse que os sindicatos eram limitados para provocarem mudanças necessárias para a vida das pessoas.
Disse que era um partido para mudar, mas teria muita negociação, baseada em princípios definidos coletivamente. Eu, Arlindo Ramos, então presidente do Sindicato, e mais outros topamos a parada e iniciamos o movimento pró-PT.
No início do ano seguinte, em 10 de fevereiro de 1980, foi registrado o Manifesto do PT, na Justiça Eleitoral.
Mas aí, já é outra história, embora emendada nessa do Lula.
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