quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

População mineira reclama da falta de especialistas na área da saúde

Bandeira Científica aponta deficiências no atendimento de generalistas e dificuldade de cidades atraírem especialistas

Até o começo de dezembro, havia apenas uma equipe sem médico, mas que recebeu recentemente um profissional cubano do Programa Mais Médicos


Publicação: 23/12/2013 11:33 Atualização:

Situado no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, o município tem oito Equipes do Saúde na Família, que faz o atendimento de quase 100% da população, de cerca de 24 mil habitantes, incluindo a zona rural, onde há um posto com equipe completa. Até o começo de dezembro, havia apenas uma equipe sem médico, mas que recebeu recentemente um profissional cubano do Programa Mais Médicos. Apesar disso, a população reclama da falta de especialistas.
“Nosso problema não é médico generalista. Isso a gente tem que dá para atender a todo mundo. A dificuldade é ter especialistas, e os salários são bons. Ginecologia, pediatria, geriatria, pagamos uma faixa de R$ 8 mil para trabalhar por 15 dias. Mesmo assim, não conseguimos atrair”, diz o secretário de Saúde de Pedra Azul, Maurílio Moraes.
A secretária de Saúde adjunta, Bruna Xavier, ressalta que a cidade tem um cirurgião, mas não tem anestesista. "Se tivéssemos um anestesista, poderíamos fazer todas as cirurgias na cidade. Sem eles, só fazemos as [cirurgias] básicas, e nos viramos para anestesiar o paciente. Um anestesista quer R$ 40 mil para atender aqui, não temos condições de pagar."
Segundo o secretário, quando não há especialistas, os pacientes são encaminhados pela Secretaria de Saúde para Teófilo Otoni, que fica a cerca de 200 quilômetros ou para Montes Claros, a 360 quilômetros. Quando nenhuma delas não pode receber o paciente, ele vai para a capital, Belo Horizonte, a 700 quilômetros de Pedra Azul.
O lavrador Valdomiro Santos, de 58 anos, conta que, sempre que precisa, é atendido, mas lamenta a falta de um ortopedista na cidade. “Estourei minha coluna, não sei o que faço. Só Deus, já que, para ser atendido por um ortopedista, aqui demora demais. Tem que ir para outra cidade. Aí, mesmo a prefeitura mandando, é difícil e demorado.”
A cidade recebeu este mês a Bandeira Científica, projeto que leva atendimento à população de cidades pequenas e que faz um levantamento dos principais gargalos para orientar a gestão local a resolvê-los. O projeto pretende deixar no município a lição de que um médico generalista pode fazer muito mais do que de fato faz.
Na avaliação de Ricardo Medeiros, o enfermeiro em um posto no centro da cidade, que já trabalhou em municípios do mesmo porte, Pedra Azul tem uma boa estrutura na área de saúde, mas precisa agir na qualificação dos agentes, para melhorar o atendimento e poderia prevenir casos mais graves, que precisem de especialistas.
“Eles (agentes de saúde) não estão preparados para fazer uma busca ativa, se os membros das famílias estão precisando de atendimento. Há problemas que são fáceis de diagnosticar e, nesses casos, prevenir sai muito mais barato”, afirma Medeiros.
Um desses problemas é o envolvimento de jovens com drogas e álcool. “Identificando os casos, poderia haver um trabalho dirigido”, diz Medeiros. Duas professoras da rede municipal de ensino, que não quiseram se identificar, informam que este é um dos motivos da evasão escolar, violência nas ruas e gravidez na adolescência no município. “Nunca fizemos pesquisa, mas, no convívio com os alunos, vemos quem é que leva droga para vender na escola, quem já está envolvido com crack”, revela uma das professoras.
De acordo com o coordenador da Bandeira Científica, Luiz Fernando Ferraz, os bandeirantes, como são chamados os membros da expedição, principalmente os da área de psicologia, desenvolvem atividades com os jovens para descobrir seus interesses e descobrir formas de evitar o envolvimento deles com drogas.
Pedra Azul também consegue fornecer atendimento odontológico para a população, mas conseguir uma prótese dentária é mais difícil. Depois de três anos tentando conseguir uma prótese pela rede pública de saúde, enfim a dona de casa Ildeci Ferreira, de 51 anos, conseguiu dar uma risada cheia de dentes. “Sem dente, fica difícil comer e falar, e eu fico mais feia”, diz Ildeci, que conseguiu seu “presente de natal” com a Bandeira Científica.
Os bandeirantes também orientaram as crianças sobre a escovação correta dos dentes, em visitas a escolas de ensino fundamental. As que precisavam de atendimento odontológico tiveram a assistência necessária. A equipe destacou a diferença entre os pacientes da área rural e os da zona urbana.
Segundo a dentista Natália Moura, na cidade, a situação é “tranquila”, há pacientes sem cáries e outros que têm uma ou duas, mas nada fora do comum”. Na zona rural, porém, houve casos preocupantes, com crianças precisando de fazer extrações e com muitos dentes comprometidos.
Apesar das queixas, Luiz Fernando Ferraz, professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP), acredita que muitas das demandas encaminhadas aos especialistas, poderiam ser facilmente resolvidas por médicos generalistas, que, se bem formados, podem resolver entre 70% e 80% das demandas da rede pública de saúde, deixando para os especialistas os casos críticos.
- É da cultura do brasileiro ir ao neurologista quando está com dor de cabeça, ao gastro quando está com dor de barriga. Se a pessoa realmente precisa de um especialista, de um modo geral, é porque não cuidou do problema quando podia tratar dele com um clínico - diz Ferraz, que há 16 anos participa da Bandeira Científica da USP, que anualmente leva atendimento a pequenas cidades e faz projetos para a resolução dos gargalos locais.
É com essa idéia central que o Programa Mais Médicos quer levar emergencialmente generalistas para os municípios sem médicos. No entanto, Ferraz ressalta que o programa deveria fazer um controle da qualidade dos profissionais que contrata.
- O número é importante, mas é preciso ter muito cuidado com a qualidade dos profissionais selecionados. Eles correm o risco de se tornar meros encaminhadores de pacientes - teme o professor.
Ferraz defende investimentos na boa formação do generalista, em clínica geral ou em medicina da família.
- As pessoas pensam que o generalista sabe de tudo um pouco e não faz nada bem. Se este for o nosso generalista, estamos perdidos. É muito mais fácil ser um baita oftalmologista do que um baita generalista. É difícil, ele tem que ter boa formação, e é nisso que temos de investir, já que não temos dinheiro para tudo.
Ferraz deixa claro, porém, o país precisa de especialistas, mas precisa ainda mais de generalistas.
O professor relata a experiência de um estudante de medicina, em Pedra Azul, onde coordenou o 16º ano da Bandeira Cientifica, no início deste mês. Segundo ele, em atendimento supervisionado por um profissional, o estudante fez uma ultrassonografia em uma paciente e, em seguida, perguntou: ?está sentindo mais alguma coisa?? Então, a paciente mostrou a perna e falou da dor que estava sentido há dias, mas à qual não deu a devida importância.
- A paciente estava com uma trombose venosa profunda, não sobreviveria nem uma semana, se não fosse tratada - lembra Ferraz.
O caso foi levado ao hospital da cidade onde o médico da expedição mostrou ao plantonista local que, apesar da gravidade, a paciente não precisaria ser encaminhada para um especialista.

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