quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Solidariedade que transforma o Vale do Jequitinhonha

Solidariedade que transforma o Vale do Jequitinhonha

Projeto-ação da Geografia promove intercâmbio de conhecimento e cultura entre duas comunidades do Vale do Jequitinhonha, auxiliando no desenvolvimento de hortas agroecológicas e na difusão do artesanato em cerâmica.
Texto: Bárbara Altivo
Artesanato em cerâmica na comunidade de Moça Santa - Chapada do Norte
Os conhecimentos produzidos na universidade podem auxiliar no desenvolvimento sustentável de comunidades rurais?

O núcleo Terra & Sociedade de Estudos em Geografia Agrária, Agricultura Familiar e Cultura Camponesa, ligado ao IGC - Instituto de Geociências da UFMG, arregaça as mangas para encarar o desafio lançado. E, nesse sentido, atua o projeto de extensão

"Capacitação cidadã entre as mulheres agricultoras familiares e produtoras de alimentos em comunidades quilombolas de Chapada do Norte e de artesãs do Córrego dos Coqueiros, em Minas Novas", dirigido pela coordenadora do Terra & Sociedade e professora do Departamento de Geografia da UFMG, Maria Aparecida dos Santos Tubaldini, e por sua orientanda de doutorado e diretora de projetos do núcleo, Lussandra Martins Gianasi. Coordenadora do núcleo Terra & Comunidade, Maria Aparecida Tubaldini
O projeto, segundo Maria Aparecida, baseia-se em ações planejadas a partir de um amplo trabalho de mapeamento e análise da agricultura familiar no recorte territorial de Capelinha, Minas Novas e Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha, processo realizado em parceria com o professor da UFMG, José Antônio de Deus, da área de Geografia Cultural, e Bernardo Machado Gontijo, da área de Biogeografia, bolsista de iniciação científica e mestrandos.

O objetivo desse primeiro trabalho, que durou dois anos, foi identificar alternativas sustentáveis para as atividades socioagrícolas das regiões sondadas. “A questão teórica que sustentou essa etapa e sempre permeia as nossas pesquisas é o desenvolvimento sustentável, que envolve três dimensões: a socioeconomia, o meio ambiente e a cultura”, explica a coordenadora. Dessa forma, ela ressalta a importância de tomar o território trabalhado para além de sua configuração dimensional, considerando as relações de poder estabelecidas, a sociabilidade existente, os laços de solidariedade, bem como a identidade cultural da população.
Ao longo do trabalho de mapeamento e análise da agricultura familiar no Vale do Jequitinhonha, a comunidade quilombola Moça Santa, na Chapada do Norte, destacou-se por apresentar carência na alimentação. A região, se comparada com as outras que integraram o estudo, conta com índice significativo de pobreza. A comunidade reivindicou ao grupo Terra & Sociedade uma ação voltada para a melhoria do plantio para alimentação, ou seja, o aprimoramento do cultivo de verduras e legumes.


Outra demanda específica de Moça Santa, que também faz parte do projeto de ação para capacitação cidadã, diz respeito ao aprendizado de técnicas artesanais em cerâmica. O pedido é motivado pelos ganhos econômicos da atividade, mas também pelo recorrente uso de potes e panelas de barro pela população local.

O núcleo da UFMG, para atender a essa última necessidade apresentada, apostou no diálogo entre Moça Santa e a comunidade de Coqueiro Campo, em Minas Novas, já com tradição no artesanato em cerâmica. Assim, uma artesã dessa comunidade ministrou cursos sobre a atividade em Moça Santa. Coqueiro Campo, por sua vez, reivindicou também a ajuda do núcleo para montar hortas alimentares. Como conta Lussandra Martins, para concretizar a interlocução das duas populações camponesas, foi realizada uma visita solidária. No total, 35 mulheres quilombolas de Moça Santa foram para Coqueiro Campos com a intenção conhecer os processos de cerâmica do local e fazer apresentação artística, com o grupo de dança Curiango, do qual fazem parte. “Falamos de um intercâmbio de conhecimento e cultura. Uma comunidade visita a outra para conhecê-la e enxerga ali as potencialidades para reverter a sua realidade a partir dessa integração”, afirma Lussandra. Para Maria Aparecida, esse momento de contato age motivando e sensibilizando as mulheres de ambas as comunidades.

Mas afinal, por que o projeto volta-se especificamente para as mulheres camponesas? Maria Aparecida salienta que todos os homens migram para trabalhar na colheita do café e no corte da cana-de-açúcar, principalmente na região de São Paulo. Nesses períodos de viagem, algumas mulheres permanecem na comunidade com o objetivo de cuidar das crianças menores. Assim, elas são as potenciais artesãs e responsáveis pelas hortas alimentares.

Em trabalho de campo, Terra & Sociedade realizou, junto à população camponesa de Moça Santa e Coqueiro Campo, montagem de canteiros agroecológicos. “Consideramos que cada família deveria possuir pelo menos dois canteiros de até três metros para o cultivo de diferentes alimentos”, diz Maria Aparecida. Mas, ao invés de impor seus conhecimentos à comunidade, os geógrafos do núcleo buscam resgatar e aproveitar os hábitos e saberes locais.

Maria Aparecida e Lussandra esclarecem que as hortas já existiam, muito pequenas, configurando um verdadeiro quintal agroecológico, “um oásis que permite que eles tenham sombra, que é favorável ao plantio”, comenta a primeira. As mulheres já dominavam, por exemplo, o uso de biodefensivos, como o fumo e o alho. Além disso, a existência de gado na região representou a matéria orgânica para a produção: o esterco de boi, transformada em “compostagem”.
Apresentação do grupo de dança quilombola Curiango
Os resultados das ações do núcleo já podem ser observados. Em Moça Santa, 36 famílias contam com canteiros em produção, e são 11 deles em Coqueiro Campo. Algumas mulheres quilombolas que não migraram, segundo Maria Aparecida, já estão desenvolvendo o artesanato em utilidades domésticas para a população local e comunidades vizinhas, obtendo seus primeiros rendimentos e vasos tipo “moranga”, idealizados para plantios da espécie de tomates cerejas samambaias. A intenção é que essas mulheres participem da feira que acontece em dezembro na Praça de Serviços da UFMG.

O próximo passo, expõe Maria Aparecida, é desenvolver processo de educação alimentar das comunidades. Uma vez colhidas as verduras e legumes, como introduzi-los na mesa das pessoas? Uma resposta seria conjugar os novos sabores a ingredientes já conhecidos. “Uma pegada são as farofas. O ovo e a farinha já fazem parte da tradição deles. Não podemos romper com os hábitos existentes, para conseguir atrair o paladar, principalmente das crianças, para uma alimentação mais saudável.”

Além disso, serão distribuídas cartilhas educativas elaboradas pelas professoras Valéria Roque, Sandra Maria Lucas Pinto Silva e a mestranda Gisele Miné sobre diversos temas, dentre eles, a questão cultural e territorial das comunidades, bem como dicas para a confecção da cerâmica, com a professora Valéria Amorim e Adriana Monteiro. A cartilha sobre a produção das hortas agroecológicas éobjeto específico da professora Maria Aparecida Tubaldini e orientandos de extensão e iniciação científica. A parte cartográfica está sob a supervisão da doutoranda Lussandra Gianasi. O intuito é que a população tenha acesso ao conhecimento construído ao longo do projeto.
Fonte: FAFICH - UFMG , com dica do Blog do Jequi

Nenhum comentário:

Postar um comentário