Filme "O Palhaço: Outro Brasil" de Selton Mello retratará a realidade do Vale do Jequitinhonha
Em filme sobre o universo do circo, o diretor Selton Mello vai aos grotões mineiros e mostra o amor ao circo e o Brasil perdido entre canaviais e o atraso.
As relações entre o público e o circo tendem sempre a uma fantasia que não se renova. Nem o passado se desdobra em memória da vivência que muitas vezes não passa de sentimento que não revela mais que sonhos soterrados. É o que se pode dizer deste “O Palhaço”, segundo filme do ator, roteirista e diretor mineiro Selton Mello. Em princípio recorrente à caravana holidei, de Cacá Diegues, em “Bye-Bye Brasil”, por percorrer um país que a própria nação desconhece. E, em seu caso, os grotões de uma Minas perdida em infindáveis canaviais.
Há certa melancolia em Benjamim, o palhaço Pangaré (Selton Mello), hesitante em continuar a dupla com o pai Valdemar, o palhaço Puro Sangue (Paulo José), e seguir seu próprio trajeto. Numa representação do conflito entre o velho e o novo, na transição de um Brasil rural, interiorano, para o Brasil urbano da metrópole. O Circo Esperança é assim a representação dos confins, de lugares não alcançados pelo progresso, destituído de qualquer traço de modernidade. Tão pobre que o ventilador simboliza a tecnologia que pode minorar o calor do Vale do Jequitinhonha e a mudança das relações sociais.
Benjamim, em sua singeleza não destituída de matreirice, apreende as nuanças dessa mutação. As atribulações cotidianas do picadeiro o impulsionam para outros cenários, menos apegados à lerdeza dos grotões. Lerdeza vista no próprio empreendimento da família, pois tem de dar conta dos inúmeros problemas advindos da gestão do pequeno circo. Nela incluída as relações de trabalho, a carência de dinheiro, a necessidade de amenizar as agruras de sua trupe. Predomina muitas vezes a exploração sub-reptícia, escondida pela proximidade entre ambos e o apego dos circenses ao labor cultural. É o amor à arte que atenua os conflitos, ainda que não os evite. E adia a falência do empreendimento.
Embora não trace a dialética entre a TV e o circo, Selton e seu coroteirista Marcelo Vindicatto deixam implícita a dificuldade deste último como negócio. Pois se o universo cultural do interior o inclui também é verdade ser ele representação feudal. Sua sustentação depende do encantamento e a troca de favores com o prefeito da cidadezinha onde se instala. Uma sinecura aqui, outra ali, permite sua sobrevivência. Este é o cerne deste “O Palhaço”, que vive mais do amor ao circo que da bilheteria. Esta sempre o põe na corda bamba.
Pangaré pende entre o velho e o novo
Daí a melancolia brotada no olhar, na fala, nos gestos de Benjamim. Ele se liga ao entorno, vendo a relação amorosa do pai com a bela Lola (Giselle Motta) descambar para a traição, o Circo Esperança penetrar cada vez mais nos grotões, sem poder atender a reivindicações simples como a falta de sutiã para uma artista não se desnudar em cena. É um fio interessante este, por tratar da relação do circo com o público, mas ver seu interior: o pauperismo de quem se sente responsável por suas ações. Mas hesita entre ficar e ganhar seu próprio rumo. E com o olhar para o Brasil dos grotões entranhado das mazelas do Brasil moderno, das sinecuras, da corrupção, dos favores.
Nada caminha se não for “azeitado” - do delegado disposto a esquecer a ilegalidade em troca de “indenização”, do servidor do setor de documentação reivindicando “algo mais” para apressar a entrega do documento e o prefeito pedindo para o filho cantar num dos espetáculos. Tudo o desnorteia: a dificuldade de sobreviver no meio urbano, a descoberta de que sua cidadania deve ser atestada não pela certidão de nascimento, mas pela carteira de identidade, e finalmente por ter chegado tarde ao ansiado encontro amoroso. Nada neste mundo é faz de conta.
Dito desta forma, “O Palhaço” parece ser um filme sem humor, distante de seu universo. Este, no entanto, está lá. Une estripulias às tiradas maliciosas, o lúdico ao riso escrachado, tendendo às vezes para a chanchada. Esta surge em entrechos que são verdadeiros esquetes. Principalmente quando estão em cena Moacyr Franco, o delegado, e Jorge Loredo, o dono da loja. Entretanto Selton dota o filme de estética asiática: andamento lento, câmera estática, entrechos que se bastam, predominância do meio sobre o personagem. Numa simbolização do que se foi. Talvez em sua própria infância. Mesmo se viajando pelos grotões ainda se possa ver outro Circo Esperança, rodeios, touradas, cada vez mais afastados dos centros urbanos desenvolvidos.
De qualquer forma é a simbolização de uma manifestação cultural popular, vista hoje como símbolo do Brasil rural. A televisão pegou sua forma, sua linguagem, seu universo, e os transformou em programas de humor. Mesclou-os à chanchada, ao teatro de revista, e manteve seu esteio popular. E o circo, como empreendimento, estruturou-se de outro modo para sobreviver. É a mutação capitalista na manifestação cultural popular, rompendo identidades, mesmo que se “deva fazer sempre o que se sabe”, diz Puro Sangue, apropriando-se da fala do fazendeiro (Jackson Antunes). Bem o enfatiza Nelson Ned: “Se tudo passa/tudo passará. Se nada fica/Nada ficará”. Pode bem ser isso.
“O Palhaço”. Comédia. Brasil. 2011. 90 minutos. Fotografia: Paulo Gama. Música: Plínio Profeta. Roteiro: Selton Mello/Marcelo Vindicatto. Direção: Selton Mello. Elenco: Paulo José, Selton Melo, Giselle Motta, Larissa Manoela, Teuda Bara.
Assista aqui o trailler do filme: Circo Esperança. O Palhaço
Fonte: Site Pé Vermelho, lambido do Blog Movimento Muda Capelinha
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